O incendiário

Na calada da noite eu busco meu refúgio. Observo atentamente cada rua só pra ver se não tem nada que possa me atrapalhar. Passa os dias e eu retorno, de blusão e touca na cabeça, de mascara na cara os olhos cheios de cólera, buscando por vingança. Chego à frente da casa, a rua toda escura, o carro ali parado na garagem, todo amarelo, o motor desligado. Uma inscrição que mal pode ser lida está nas laterais. De dentro do blusão eu tiro duas garrafas grandes, nelas contém cada uma dois litros de gasolina. Dou mais uma olhada para me certificar, não vejo ninguém, a rua está em completo silêncio, ela dorme tranquilamente. Abro uma a uma as garrafas e jogo todo o líquido inflamável por sobre o veículo, dou alguns passos para trás, tiro o isqueiro do bolso da calça e acendo; vejo a chama dançar no escuro e isso me da um prazer enorme. Como quem não quer nada eu jogo o isqueiro no carro e o espetáculo começa.

Rapidamente as chamas cobrem o veículo. Fico ali parado, com um sorriso de satisfação na cara, assistindo tudo. Com passos lentos eu vou saindo de lá, missão cumprida, mais um filho da puta foi castigado.

Escondido detrás de um muro eu enxergo o dono do veículo sair da casa. A cara preta por causa da fuligem, o coração aos pulos, as mãos enterradas na cabeça tentando entender o porquê daquilo tudo. Mas ele sabe bem o motivo, mexeu com quem não deveria e pensou que enganaria um cara acostumado as malandragens do dia a dia.

O homem de cabelos brancos, vestido num pijama vermelho e de sandálias nos pés senta na calçada, ao lado dele vejo uma senhora de cabelos negros e curtos, o rosto magro igual à de uma caveira, ela o abraça. Sinto o choro dele, não me importo. Temendo a chegada da polícia de lá eu saio. Entro no meu carro que deixei estacionado numa viela ali perto, ligo o motor e acelero, nunca ouvi falar daquele lugar.

Cruzo com uma viatura. As luzes vermelhas incomodam meus olhos, institivamente escondo o rosto. Em poucos minutos eu chego a casa. Na cama está a minha mulher, deitada, já em sono profundo, os cabelos loiros esparramados pelo travesseiro. Tiro as calças e de cueca mesmo deito ao lado dela.

Fecho os olhos e de sorriso na cara começo a imaginar o estado no qual o carro que meti fogo está agora. E imagino também o desespero daquele velho. Sorte dele que foi só um carro incendiado, pois se tivesse câmera naquela rua, poderia ter sido pior.

Sim. Seria só um susto, mas o suficiente para ele não querer sair de casa por um longo tempo, além de nunca mais mexer e querer enganar outra pessoa.

Sou vingativo sim. Não é a primeira vez que utilizo o fogo como instrumento de sentença. Há mais ou menos dez anos flagrei minha ex-mulher com outro na cama. Dias depois incendiei a casa onde eles estavam praticando suas safadezas. Não sobrou nem ao menos uma caveira sorridente pra contar história.

Vou sair de casa, pegar meu carro e levar mais alguns passageiros ao trabalho, a escola, ou quem sabe para o quinto dos infernos. Não tenho limites. O fogo é um grande amigo meu, e o resto que se dane....

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 01/12/2020
Código do texto: T7125288
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