3. A morte dos vivos

Na sala de espera Marcia se senta na cadeira perto da janela, de pernas cruzadas e olhar distante. A Luz do sol entra pela janela como uma coluna de luz, mostrando que o dia lá fora estava lindo e agravável, com arvores verdes que dançavam com o vento. Lá dentro as pessoas estavam cansadas, muitos desde a madrugada estavam lá velando o corpo. Marcia segurava aliança do seu marido com toda força como se o ato segurasse a alma do seu amado a terra. Um copo vazio na mão e um aperto no peito, as lagrimas caiam silenciosamente dos olhos, as pessoas estavam em torno do caixão e alguns cuidando de sua sogra que já era bem idosa. Queria ficar sozinha olhando através da janela esperando alguém gritar, que ele estava vivo e tudo era um engano.

Quantas noites em claro, abraçados no hospital, quantos dias de brigas e tedio, quantos sonhos foram negados e esquecidos para viver um amor de verdade. Se sentia a mulher mais feliz do mundo ao lado do marido e agora a mulher mais privilegiada por ter vivido um amor de verdade, destes de cinema. Um leve sorriso se abriu pensando na sua pele e nos seus beijos até o último dia de suas vidas tudo foi perfeito.

Perto do caixão em voz baixa alguém diz: -Com quem vai ficar a casa? Aquilo é herança, quero minha parte. Um dos irmãos falava para outro a fim de encontrar um apoio para a investida. Temos negócios e família e durante anos ele roubou da gente a oportunidade de usufruir do que o nosso pai deixou para gente, também somos parte da família, temos direito a uma parte. -Tudo vai ser divido em partes iguais, não se preocupe eu mesmo vou cuidar disso. Completa o outro irmão. Os dois não choraram, nem por um segundo, cada um sofre como acha melhor.

Ao fundo uma mulher segura uma criança pela mão e olha aflita com os olhos cheios de lagrimas. Marta estava vendo seu grande amor ir embora cercado de flores, coroas e velas. Todos os dias que se viam era magico, os suspiros, os olhares, os beijos, se sentia a mulher completa, não merecedora de tanto amor. As longas viagens que ele fazia era torturante, mas fazia com que os reencontros fossem mais intensos. Olhava a todos aqueles estranhos de longe, sofria em silencio como sempre fez na vida. Senta-se na cadeira mais longe enquanto um garçom se aproxima e lhe oferece um chá, escuta os gritos de uma mulher ao fundo que se ajoelhava no chão e rasgava a roupa enquanto outras pessoas a socorriam. Um homem se senta ao lado de Marta e diz:

- Ele era um grande babaca. Acabou com minha vida e com tudo que eu tinha. Vim só para ter certeza de que ele estava morto. Por mim, eu mesmo o enterraria e de cabeça para baixo, para caso o infeliz acordar e for cavar para sair chegue mais rápido ao inferno. Pena não poder cuspir no caixão.

-Por que está me dizendo isso?

-Aposto de você é a esposa dele, só pela cara de apaixonadinha. Queria dizer isso para alguém que se importe com ele, já que não posso machucar ló... Queria ser os vermes que vão comer a carne dele.

Com os olhos cheios de lagrimas e a boca tremula pega o seu filho e se afasta daquele homem não queria chamar a atenção das pessoas. O homem não satisfeito vai até o caixão olha para o rosto todo maquiado, toca a testa do morto com o polegar fazendo um último carinho e com um beijo nos lábios se despede.

A mãe do defunto ver aquela cena, que faz sua a pressão cair na mesma hora e ela desmaia. Alguns irmãos colocam aquele homem para fora aos empurrões e pedindo respeito. Uma garota do RH da empresa da família comenta consigo mesma:

- Qual é a novidade? Realmente a família ignorava o amor desses dois.

Os dois se encontravam as escondidas, mas era fácil perceber os olhares, as visitas e presentes. A família era muito tradicional para não falar racista e outras coisas. Aquele velório estava se transformando em uma caixa de pandora com uma nevoa obscura e demoníaca contaminando as pessoas, abrindo suas bocas para falar verdades inconvenientes e mentiras convincentes. O morto dorme em paz, enquanto sua alma caminha para o além, os vivos matam um pouco de si mesmos quando cospem na boa memória de quem se foi.

Luiz Eduardo Lopes
Enviado por Luiz Eduardo Lopes em 07/11/2020
Código do texto: T7106088
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