A Colônia
A maioria de nós tem ou deve ter tido avós contadores de histórias assustadoras, não é? Isso é tão clássico quanto as próprias lendas e histórias contadas por eles. Pelo menos era, antes da geração smartphone. Eu tive um avô contista e confesso que dos bons, eu adorava ouvir as histórias dele.
Nós morávamos em uma chácara, meus pais, ele, que era pai de minha mãe e eu. Sempre, quando dava um pé d´água, a energia elétrica parava. Bem, na verdade, ela parava até com um chuvisco, às vezes, mas , apesar dos pesares, eu até que gostava, o que importava mesmo, nesses dias, era a oportunidade de provocar meu avô, pra que ele contasse as histórias que tinha vivido enquanto morava em uma dessas colônias de fazenda do interior.
Meu nome é Pedro e o caso que eu vou relatar aqui foi meu avô Agenor que me contou em um desses dias chuvosos.
Agenor “Pequetico”, como era conhecido na colônia, só era pequeno mesmo em estatura. Mas quem o conheceu sabe da coragem que ele tinha. Aliás, coragem essa que fez com que esses relatos pudessem ser contatos hoje. Digamos que ele enfrentava coisas que nenhum outro morador da pequena vila tinha coragem. Meu avô morava com minha avó, minha mãe, que ainda era criança e meus dois tios em uma casa na vila de trabalhadores de uma antiga usina de açúcar, na qual meus tios trabalhavam, bem na divisa de... bom, acho melhor não dizer as cidades.
Enfim, vamos aos fatos.
Num desses dias sem energia elétrica, eu pedi que ele me contasse algo estranho, de medo, que ele tinha vivido lá na usina.
— Moleque, depois você vai ficar com medo na hora de dormir e sua mãe vai me encher a paciência.
Lembro claramente dele me dizendo isso.
Mas eu, ansioso, como sempre, disse que não, que ele podia contar sem problema.
—Tá, mas se ficar com medo depois, eu não conto mais nada, hein? — disse ele, louco para contar, mas com aquele tom sisudo de sempre. Ele se ajeitou na cadeira e começou o relato:
— Bem, na época que isso aconteceu, muitas pessoas estavam desaparecendo por aquelas bandas, sem deixar rastro. Nem mesmo os investigadores de polícia conseguiam encontrar explicação, nenhuma pista. Os mais céticos juravam que tinha algum maníaco matando e desovando os corpos nas matas densas que havia por lá. Já os mais religiosos e supersticiosos ficavam apavorados, juravam que era coisa de outro mundo desaparecendo com as pessoas.
“Nós morávamos na colônia da usina, mas eu trabalhava na fábrica de uma cerâmica, que ficava a 1 hora e 20 de bicicleta. Como dá pra imaginar, eu saía bem cedo de casa, pra dar tempo de entrar às 6 no serviço. Então pulava cedo da cama, antes das 4, pois, pra partir, ainda tinha que alimentar os porcos que tínhamos e pegar os ovos no galinheiro. E foi nesse ponto que a estranheza, o mal presságio daquele dia começou.
“Quando eu cheguei para apanhar os ovos, vi que Seu Teodoro, um colono que tinha se mudado para a vila há poucos meses, estava parado do lado do galinheiro, aparentava estar bem tranquilo, com um palheiro na boca. Até me espantei e, com o pouco de intimidade que tinha com ele, perguntei em tom debochado se tinha caído da cama, afinal ele trabalhava ali mesmo na usina, não tinha motivo para acordar tão cedo, pelo menos aparentemente não tinha.
“Esse tal Teodoro era um sujeito querido pela vizinhança, apesar de ser novo por ali. Além de ser sobrinho de dona Luzia, mulher muito estimada na vila, ele estava sempre envolvido nos afazeres da comunidade, da igreja do padre Agnaldo, com o qual fez amizade rapidamente, inclusive. Era um rapaz de hábitos normais.
“Mas então, naquele dia, algo estava esquisito. Ele não esboçou nenhuma expressão com a minha brincadeira, nada habitual, para um bonachão.
“— Quer dizer que o senhor, seu Agenor, não tem medo de nada, anda armado por aí e diz que vai atirar, quando ouve coisas estranhas por essas estradas aí?
“Foi isso que ele me disse, antes de eu começar a ficar incomodado com a situação.
“Ele disse isso aí se referindo à supostas maldições e lendas que o povo de lá tinha medo, mas que eu enfrentava, eu era mais cético. Sempre achei besteira isso tudo. É até compreensível esse medo todo que eles tinham. Sem eletricidade, tv, internet (risos). Você não faz ideia, menino. Qualquer coisa lá era assombração. Até meus amigos Tunim e Bastião já tinham tirado sarro comigo, tentando me assustar com um alfange e umas roupas pretas na estrada do canavial (risos).
“Talvez o Teodoro estivesse falando disso, pois foi o que disse aos dois sarristas, e eles, de certo, devem ter contado para o povo ali.
“Se bem que eu também fiz isso na história da noiva que aparecia de noite, em um trecho da estrada que levava à colônia. Diziam que ela aparecia à noite e fazia ruídos indecifráveis para aqueles que a encaravam. Enfim, vai saber o que se passava na mente daquele sujeito esquisito.
“— Sim, se o senhor está falando daquela bobagem de história de noiva, sim. Eu fui ver o que era e disse que se fosse alguém tentando me assustar eu ia atirar. Mas, como já devem ter fofocado pro senhor, eu fui adiante e vi que era um arbusto de folhas brancas perto do córrego que desce da fazenda aí do lado.
“Eu respondi isso já meio estúpido e reforçando que não estava entendendo aquele papo brabo dele às 4 e pouco da manhã.
“—Tá certo, seu Agenor. O senhor me perdoe o jeito. Eu não dormi hoje. Minha tia Luzia sumiu ontem à noite, ela estava voltando de charrete da fazenda dos compadres dela. Sumiu. A charrete e os cavalos tão aí na minha casa. Só passei pra avisar o senhor. É bom tomar cuidado, nunca se sabe com quem estamos lidando e o senhor sempre anda por essas matas no escuro.
“Como se eu andasse porque quisesse. Aquele borra-botas aspirante a coroinha tardio tinha me transformado em suspeito debaixo da minha fuça. Vê se pode, moleque.
“— O senhor fique tranquilo, seu Teodoro, o que quer que seja isso, se vier pra mim, vai encontrar.
“Só respondi isso e fui saindo para pegar a bicicleta e seguir para o trabalho.
“ — Se souber de alguma coisa, é só me falar, deve ter lobo em pele de cordeiro caçando por aí.
“Falei isso e fui tomando meu rumo.
“Trabalhei normalmente naquele dia, até 6 e pouquinho, não era moleza, não... Bom, depois do turno, peguei a barra forte e, como fazia todos os dias, rumei para casa.
“Era mais ou menos umas 15 pras 7, quando eu já tinha entrado nas estradas de terra da fazenda. O sol já tinha se posto há tempos. Era um breu só. Depois que saía da pista que ligava as duas cidades, onde poucos postes de luz clareavam o caminho, o resto era só mato, cana e escuridão. Só a lua mesmo para não aumentar a cegueira.
“Foi no cruzamento da linha do trem que tudo aconteceu. Perto de lá, na verdade. Esse cruzamento, não sei se ele ainda existe lá, ficava perto de uma igrejinha abandonada, ali tinha uma estação de trem de carga que também tinha sido abandonada.
“Eu diminuí a velocidade da bicicleta para atravessar os trilhos, quando ouvi do meio do mato, perto da igrejinha, um grito estranho e uma luz clareando a parede da igreja. Quem não é curioso, não é?!
“Deixei a bicicleta no chão e fui caminhando devagar para ver o que era.
“Eu ainda gritei se alguém estava precisando de ajuda. Mas ninguém respondeu. Chegando mais perto, vi que a luz, típica de um lampião, agora estava dentro da igreja abandonada e a porta de madeira já caindo aos pedaços começava a se fechar. Enquanto os gemidos, que, a essa altura, já pareciam bem humanos para mim, começaram a se intensificar, percebi que alguém estava jogando pedras em mim e no telhado da igrejinha. Eu me lembro que já tinha notado também pegadas de cavalo na estradinha do lado da capela e foi aí que, quase certo que estavam querendo me assustar, eu gritei:
“— Se vocês não saírem daí agora, eu vou atirar. Eu já vi que os cavalos estão amarrados atrás da capela. É bom sair. Tunim, Bastião, tão querendo zombar de mim de novo?
“Eu não sei se eu ia atirar, só sei que o Tunim e o Bastião não quiseram pagar para ver. Tunim abriu a porta da capelinha rindo e dizendo:
— Ê, “Pequetico”, hein?... O senhor não é de emendar o bigode mesmo, não!?
“Nisso, o Bastião saiu de trás de um matagal do lado de onde estávamos, igualmente abobalhado e rindo.
“Você deve estar se perguntando se é só isso, né? (Risos irônicos.)
“Quando eu ia começar a dar uma coça neles, pela brincadeira de mal gosto, é que aconteceu uma das coisas mais sinistras que eu já presenciei, Pedrinho. Tem certeza de que quer continuar?
“— Claro, vô. Pode continuar. Eu disse, não tão certo disso.
“— Eu estava com a molesta aquele dia, já era a segunda vez que tentavam me assustar. Acho que eles pensaram que a onda de sumiços ia me fazer cair. Eu encarei as duas vezes.
“Apesar de acreditar em espíritos e coisas que não podemos explicar, até então, eu tinha uma postura cética, achava que assombrações e outros seres não apareciam assim, do nada. Mas, naquele dia, minha mãe, sua bisa, provou que estava certa o tempo todo, quando dizia que fenômenos sobrenaturais só acontecem com quem não tem medo.
“Enfim, como eu estava dizendo, eu fiquei muito irritado com eles e comecei a cuspir fogo, mas fui interrompido pelo barulho dos cavalos que estavam atrás da igrejinha. Todos nós ouvimos um relincho tão alto e ardido que o Tunim, que ainda estava parado no degrau em frente à porta, escorregou e caiu de bunda no mato. O lampião que ele segurava e ajudava a enxergar um pouco naquele breu se apagou. Os cavalos pararam de relinchar pouco antes de ouvirmos um barulho oco no chão, como se algo tivesse sido jogado na terra. Foi aí que, apesar do escuro, vimos uma criatura com cerca de 2 metros de altura sair de trás da capela segurando duas coisas, uma em cada mão; quando se aproximou de nós, vimos que as coisas eram as cabeças dos cavalos. Eu me lembro que fiquei estagnado no local, eu estava a uns 5 metros da porta da igreja, e pude ver com exatidão a hora em que o Bastião e o Tunim foram levados pela besta. Eles iam começar a correr em direção a estrada, perto de onde eu estava, quando aquilo os pegou pelo pescoço, rápido como o bote de uma serpente, e os arrastou para o meio da mata. Mal deu tempo de ouvir os gritos de socorro. Eles simplesmente desapareceram no escuro. Eu estava em choque vendo tudo aquilo, mas ainda consigo me lembrar daquele ser. Além da altura, percebi que tinha um focinho enorme e pelos negros e lisos, como os pelos de cavalo. Andava como homem, mas era muito rápido. Assim que ele saiu detrás da igreja com as cabeças nas mãos ou patas, não sei bem, ele me encarou por uns segundos, antes de soltar as cabeças e dar o bote nos meus pobres amigos. Pareciam olhos de gato, só que do tamanho dos olhos de um boi. A luz da lua foi o suficiente para que aquele brilho medonho ficasse marcado em minha memória até hoje.
“Assim que eles sumiram e o barulho parou, eu meio que retomei os sentidos. Contando pra você, hoje, eu lembro de como me senti. Era como se eu estivesse entorpecido, uma sensação de embriaguez. Lembro também que, assim que sumiram na mata, aquela sensação esquisita de dormência passou e eu puxei o revólver e fui em direção ao mato onde eles desapareceram, gritei pelo nome dos dois, mas não tive resposta. Nada podia fazer sem ajuda, sem iluminação, então fiz o que dava, peguei a bicicleta e pedalei o mais rápido que pude em direção à colônia, queria contar logo e voltar lá para tentar encontrar os dois.
“A primeira pessoa para quem contei foi sua avó. Logicamente ela ficou muito assustada e insistiu comigo para que fossemos à casa do senhor Antônio, um dos encarregados da usina; além dele, só os donos de lá tinham telefone em casa.
“Chegamos no seu Antônio, contamos a história e, apesar de desconfiado, ele ligou para a polícia e falou do ocorrido.
“— Seu Agenor, eles disseram que vão mandar uma equipe pra cá, pediram para aguardar.
“Assim que o encarregado disse isso, fomos às casas dos dois dar a notícia às famílias. Depois resolvemos reunir os colonos na pracinha da igreja para contar tudo e aguardar a chegada das autoridades. Apesar de todos ali estarem cabreiros e me olhando torto, eu sabia, agora, que o risco era real, era melhor ficar todo mundo junto. Eu era a prova viva de que o assassino que estava amedrontando aquelas bandas não era humano, mas parecia que eu ainda precisava provar.
“Eu gritei, perguntando se estavam todos lá, e me recordo claramente de sua avó me dizendo: ‘Aí, o Teodoro da Luzia, Agenor, coitado, passou em casa de tarde pedindo para cuidar dos cavalos da tia dele e dar uma olhada na casa, pois ia ter que trabalhar essa madrugada na colheita, será que corre risco nesses canaviais aí, o menino acabou de se mudar pra cá, santo Deus?’.
“Eu, sensível como uma mula, dei de ombros. Estava meio engasgado com o sujeito pelo que aconteceu mais cedo.
“Nisso, mais umas três senhoras disseram que os maridos também estavam no batente.
“Eu disse que tudo bem, o importante era ficarmos todos juntos para evitar mais ataques e sumiços e, nesse clima esquisito e cheio de burburinhos que se formou em frente à igreja, apareceu na entrada da vila o Padre Agnaldo em seu cavalo e, bem atrás dele, o carro da polícia. O povo ficou alvoroçado e foi só ruído, mas eu, sempre desconfiado, pensei ‘estranho, não é comum ver o padre sair da colônia e ainda mais incomum vê-lo voltar tão tarde’. Àquela altura o relógio já marcava mais de 10 horas.
“Enquanto o carro da polícia se aproximava da pracinha, o padre passou com o cavalo bem perto de mim e eu notei que o pouco da manga de sua camisa branca, que estava debaixo da batina e dar pra ser vista, tinha uma mancha vermelha perto do punho. O padre Agnaldo percebeu que eu vi e, meio sem jeito, deu uma puxada na parte preta da batina pra esconder me dizendo um ‘boa noite’ fora de contexto.”
— Caramba, vô. Como você notou isso?
— Moleque, a essa altura eu ainda vou precisar responder isso?
“Eu fiquei quieto, só observei, cabreiro que só, a situação era estranha, mas não havia de ser nada.
“Eu sempre soube lidar bem com minhas emoções, o meu susto já tinha passado, eu já estava lidando com a coisa toda só com a razão. Tudo o que eu queria era começar logo as buscas; afinal, eles ainda poderiam estar vivos.
“Assim que a poeira começou a baixar, foi feita uma força-tarefa entre os homens da colônia e os oficiais de polícia. Eram duas equipes. Eu fiquei com a equipe que ia rastrear a parte onde eu avistei a coisa e a outra equipe iria nas matas da fazenda ao lado, onde dona Luzia tinha desaparecido na noite anterior.
“Enquanto nos preparávamos para sair, o padre se ofereceu para ficar lá, em vigília, com as mulheres e as crianças, rezando para termos sucesso nas buscas (risos). Apesar de ter ficado incomodado, eu não me opus, apenas sugeri ao seu Antônio que ficasse com mais um homem armado de guarda perto da igreja, pra evitar qualquer imprevisto. Eles consentiram e assim seguimos em direção à igrejinha abandonada.
“No meu grupo, apenas eu e o capitão César tínhamos armas, o resto dos homens estava apenas com facões.
“Já bem perto de lá, ouvimos no meio do mato barulhos de galhos se mexendo, ruídos de mato, tipo rastejo de cobra, só que mais intenso. Nós diminuímos o passo e fomos devagar em direção ao barulho, mas, de repente, tudo ficou silencioso, então paramos também para observar e procurar algo, pois alguma coisa tinha ali, o barulho parou muito abruptamente. À nossa frente, apenas umas touceiras de mato amassado e uma árvore grande. Só conseguíamos ver o que a luz de dois lampiões a gás era capaz de mostrar.
“Eu e o César já estávamos com as armas em punho quando aquele ser demoníaco apareceu de novo, Pedrinho. Ele pulou de cima da árvore bem na nossa frente. Só que dessa vez ele não parecia calculista como antes. Nessa ele urrava alto, mostrando uma fileira de pequenos dentes pontiagudos e babando. Ele tinha sangue pingando daquela fuça comprida. Mas para azar dele, eu também estava diferente dessa vez. Eu sentei o dedo nele. O César também, acho que demos uns 10 tiros no bicho. Enquanto a fera arriava nas balas, ela começou a ficar desfigurada, começou a diminuir de tamanho e a gritar como homem, mas ainda não dava pra enxergar os detalhes, pois mantínhamos certa distância, por precaução.
“Assim que aquilo caiu de vez no chão e só se ouvia uns poucos gemidos abafados, chegamos mais perto e, para nossa surpresa, quando colocamos um lampião perto daquela fuça horrenda , vimos que aquele monstro era o miserável do Teodoro... Aquele maldito ainda tentou dizer alguma coisa antes de voltar para o inferno de onde deve ter saído.
“Lembro que ele disse ‘tem mais...’. Mas nós estávamos tão eufóricos com aquilo que nem demos muita atenção, apenas seguimos, vasculhando o local para ver se ainda tinha alguém vivo por ali. Mas não. Só encontramos corpos. Num barranco perto da árvore de onde ele saltou, encontramos uma espécie de toca onde estavam Tunim, Bastião e a dona Luzia, além de outros quatro corpos de moradores da região.
“Aquilo foi indescritível. Muitas pessoas da colônia se mudaram pra cidade. Depois de algum tempo, até a usina faliu. Ninguém mais queria ficar ali. Foram uns dois anos de declínio total da região. Nós também nos mudamos.
“Mas você deve estar se perguntando sobre a mancha na camisa do padre, não é meio filho?
“Pois bem, uma semana depois do ocorrido, logo após a missa de sétimo dia dos meus amigos, eu fiquei fumando um palheiro perto da porta dos fundos da igreja, esperando o padre Agnaldo sair. A casa dele era bem ali do lado. Quando ele saiu, eu perguntei da mancha e fui além, disse que o enviado do capeta tinha dito ‘tem mais’ antes de morrer. Ele ficou claramente incomodado.
“— Seu Agenor, que desconfiança é essa? O que quer que esteja se passando nessa cabeça, suspeitar de um representante de Deus é pecado, homem. Não que eu lhe deva satisfação, mas pode se aquietar, naquele dia eu fui rezar a missa na capela da fazenda Santa Clara, nossos vizinhos. Na hora da comunhão, eu acabei me atrapalhando e derramei a taça de vinho na batina. Só isso. Passar bem, seu Agenor. Se o ‘tem mais’ quer dizer que tem outro monstro, ele ainda está por aí e não sou eu.
“Ele me disse isso e foi virando as costas em direção a sua casa.”
— Mas, vô... O senhor foi na fazenda Santa Clara perguntar se ele estava realmente rezando a missa lá naquele dia?
Quando meu avô ia começar a responder, a luz voltou e ele me disse:
— Fui, meu filho, mas essa história vai ficar pra outro dia.