Dona Olga

Em uma cidade de 18 mil habitantes, localizada no Sul do País, havia várias histórias, que alguns diziam, que eram de arrepiar, outros que eram verdadeiras. Mas, havia uma que todos não gostavam de falar sobre ela.

Anderson, um jovem jornalista, em busca de sua primeira matéria, foi até a cidade, pois queria saber qual era essa história para poder publicá-la. Resolveu levantar quais eram as pessoas mais idosas da cidade, perguntando entre os moradores. Pergunta daqui, pergunta dali e encontrou a casa da Dona Olga. Bateu à porta e aguardou. A porta se abriu e uma senhora, de baixa estatura, com cabelos brancos, vestida de branco, com um sorriso acolhedor, que transmitia uma paz surgiu e perguntou:

— Quem é você, meu rapaz?

— Eu me chamo Anderson. Posso entrar?

— Entre.

Anderson entrou e dirigiu-se até a sala, onde tinham alguns gatos e percebeu que havia três gatos pretos. Achava lindo essa pelagem dos gatos e adorava ouvir as histórias com gatos pretos. Dona Olga foi até a cozinha, mas antes pediu que ele se sentasse. Voltou com uma bandeja, que tinha um bule, açúcar e duas xícaras.

— Aceita um chá? — Perguntou Dona Olga.

Anderson assentiu com a cabeça e a doce senhora o serviu.

— O que o rapaz está querendo saber?

— Dona Olga, eu sou jornalista e estou fazendo uma matéria sobre histórias antigas das cidades, principalmente, as cidades pequenas, como essa. E me informaram que a senhora conhece bem as histórias daqui.

Dona Olga sorriu diante daquela afirmação. Sim, ela conhecia bem essas histórias, principalmente uma, que não era somente uma história. Pensou se contaria a ele ou não, mas lembrou-se de que seria bom contar, e se ele fosse a pessoa que ela estava esperando? Então, falou:

— Meu rapaz, irei contar a história que muitas pessoas dessa cidade não ousam falar. Pode começar a perguntar.

— Dona Olga, posso gravar? — Perguntou Anderson.

— Pode.

Anderson preparou o gravador.

— Primeiro, Dona Olga, qual é a sua idade?

— Eu tenho 85 anos.

— A senhora sempre morou aqui nessa cidade?

— Sim, meu rapaz. Nasci aqui. Cresci aqui. Casei. Tive dois filhos, uma menina, que se chama Pétala e um menino, que se chama Artur. Mas, ambos casaram e foram morar em outros lugares e constituíram a família deles.

— E, a senhora, gosta de morar sozinha?

— Eu não estou sozinha. Você não viu os meus gatos? Eles me fazem companhia.

— Seus filhos e netos a visitam?

— Sim... — Baixou a cabeça, ficou pensativa e depois continuou. — Houve um tempo em que as visitas eram mais frequentes.

— Certo. A senhora cresceu ouvindo histórias do povo, da cidade?

— Sim. Várias histórias. Mas, há uma que o povo daqui não gosta de falar.

— A senhora poderia contá-la?

— Claro. Você tem tempo?

— Sim. Todo tempo que a senhora precisar.

Dona Olga sorriu para Anderson, um sorriso bastante jovial e ao mesmo tempo enigmático.

Então, ela começou a contar a história.

“Uma linda menina nasceu em uma família complicada para a época, datava 1935. Os pais dessa menina não eram bem vistos naquele lugarejo, hoje, esta cidade. O pai trabalhava numa funerária, a mãe fazia faxina no cemitério, pois os locais do velório ficavam dentro do cemitério. Muitas pessoas, naquela época, achavam que à meia-noite, nas sextas-feiras, os espíritos ou se preferir as almas penadas saíam dos túmulos e iam em direção as casas para assustarem os moradores.

Essa criança cresceu ouvindo essa história. Quando estava com 15 anos, em 1950, os pais da menina, numa sexta-feira, foram ao cemitério, pois haveria um funeral e o enterro, em seguida. A menina, curiosa com toda a história que sempre ouvira, pediu para ir junto. Os pais concordaram.

Dentro do cemitério, naquela noite, a neblina estava baixa, parecia um cenário de filme de terror. A menina se arrepiou, mas disse a si mesma que não era nada demais.

Após o funeral e o enterro, todos foram embora, menos uma mulher que ficou em frente a sepultura. A menina se aproximou.

— Boa noite, senhora.

A mulher olhou para a menina e continuou calada.

— A senhora está bem? — Perguntou a menina.

A mulher olhou-a e disse:

— Estou bem. Estou somente aguardando o meu marido.

A menina não conseguiu absorver o que a mulher acabara de falar, pois o homem que havia sido enterrado era o marido dela. A menina olhou para as inscrições na lápide da sepultura, além do nome do marido, havia uma foto e o nome de uma mulher, Elisa. Sentiu um calafrio. Olhou novamente para a mulher, e perguntou:

— Como a senhora se chama?

— Me chamo Elisa.

A menina olhou para a mulher, depois para a foto na sepultura e disse:

— Não pode ser! A senhora está morta! Como isso pode estar acontecendo?

A mulher olhou para a menina e falou:

— Linda menina, você é especial. Tenha cuidado com esse dom, pois o que estará por vir, será muito doloroso. Seus melhores amigos serão os felinos, principalmente os gatos pretos, que são mágicos.

Quando a menina iria falar, a mulher sumiu, como num passe de mágica.”

Dona Olga interrompeu e perguntou se ele queria água. Anderson disse que sim e ela foi até a cozinha. Não demorou muito. Trouxe uma garrafa cheia e dois copos. Serviu-se e deixou Anderson à vontade. Bebeu um pouco d’água e retornou à história.

“Alguns anos depois, os pais daquela menina estavam discutindo na cozinha. A briga era feia. O pai estava alterado, a mãe também. A menina ficou escondida, ouvindo e observando o que estava acontecendo. O motivo da briga era o ciúme do pai em relação a mãe, que era muito bonita e os homens a olhavam. O pai não gostava nada disso, e naquela noite, ele havia bebido muito e pegou uma faca, a mãe para se proteger, também pegou uma faca. E, a menina, escondida, não conseguiu fazer nada, pois eles moravam longe do Centro, só havia mato em volta. Ela se escondeu, foi para o quarto e começou a chorar. Logo, em seguida, ela ouviu gritos, tanto do pai quanto da mãe.

Depois de um tempo, ficou tudo em silêncio. A menina saiu do quarto e foi ver o que tinha acontecido. Viu os pais no chão, estavam mortos, se mataram. Saiu correndo e na frente do portão estava aquela mulher do cemitério que a fez parar de correr.

— O que a senhora quer aqui? Meus pais estão mortos!

— Linda menina, eu sei. Vim aqui para dizer que você terá que ser muito forte e um dia terá que contar toda a sua história para alguém especial e conseguir ficar em paz.

E, de repente, a mulher sumiu.

Depois de algum tempo, passado o enterro e algumas semanas, a menina foi morar em uma casa no Centro da cidade com sua avó, por parte de mãe. E nunca mais voltou em sua casa no interior. A avó colocou à venda.

Alguns meses depois, os moradores se reuniram em um galpão para falarem em melhorias para a cidade. A menina foi juntamente com sua avó. Em um momento, um morador pediu a palavra e disse que havia visto o casal que havia matado um ao outro, andando pelas ruas. Todos se entreolharam, espantados! A menina mais ainda! A avó disse que isso era imaginação e muitos concordaram.

Um dia, andando pelas ruas do Centro, algumas pessoas estavam paradas conversando, dentre elas, um senhor de meia idade, que cumprimentou a menina, que já era uma mulher.

— Bom dia! Como vai?

— Bom dia, senhor. Vou bem. E o senhor como está?

— Vou bem, obrigado. Sua mãe era uma mulher muito bonita, você puxou a ela.

— Obrigada!

Naquela noite, o senhor de meia idade foi encontrado morto em sua casa. Algumas pessoas disseram que ele havia levado um tombo e caiu, batendo a cabeça e outras disseram que ele havia sido assassinado pelo espírito do pai da menina, porque ele havia elogiado a mãe da menina.

Histórias do povo. Os anos se passaram, outras pessoas morreram estranhamente e diziam sempre a mesma coisa. A menina se casou, teve filhos e continuou a sua vida. Não viu mais a mulher, o fantasma, o espírito, a alma penada, como preferir. E o povo não falou mais nessa história. A cidade cresceu e tornou-se o que é hoje.”

— Dona Olga, muito obrigado pela história. — Agradeceu, Anderson.

— De nada. Espero que dê uma excelente matéria para o seu trabalho.

Anderson saiu da casa de Dona Olga satisfeito. Já era noite. Foi até a um restaurante, pois estava com fome. Havia algumas pessoas ali, puxou conversa com um senhor sentado numa mesa sozinho.

— Boa noite, senhor. Posso me sentar? Não queria ficar sozinho para jantar.

— Claro que pode!

Começaram a conversar. Apresentaram-se e Anderson contou o porquê estava na cidade. Falou a respeito de Dona Olga e da história que ela havia contado.

— Anderson, não é? — O homem suspirou e voltou a falar. — Essa senhora, Dona Olga, faleceu há uns 10 anos, mais ou menos. Ela era essa menina da história em que os pais se mataram. E, essa casa, que você foi, está abandonada. Ninguém conseguiu viver ali, desistiram de vendê-la. E, os filhos nunca mais vieram aqui.

— Não é possível? Eu fui lá... me informaram que ela sabia de todas as histórias, onde era a casa dela, e não me disseram que ela estava morta! Por quê? Tenho tudo gravado aqui. — Pegou o gravador e colocou para tocar, e para sua surpresa, não se ouviu nada. — Como? Não estou entendendo.

— Acredito que quem informou a você, de repente, poderia ter sido outra pessoa morta, um fantasma. Quem sabe? Essa cidade é cheia de histórias mesmo.

— O senhor está falando sério? — Olhou para o homem que estava sorrindo.

Pediu desculpa e saiu do restaurante.

Anderson foi em direção a casa de Dona Olga. Para sua surpresa, a casa estava no escuro. A porta estava aberta. Entrou. Estava uma bagunça, não parecia em nada com a casa em que ele esteve. Ouviu um barulho, colocou a lanterna do celular na direção e viu um gato preto atrás de um rato. Como tudo aquilo aconteceu? Perguntou a si. Chegou à conclusão de que Dona Olga era um fantasma e contou toda a sua história. E ela conseguiu se libertar daquele lugar. Resolveu ir embora e escrever tudo o que ele lembrava dessa história.

Ao sair da casa, atravessou a rua, parou e olhou para a casa por um bom tempo. Quando seus olhos encontraram a janela do sótão, viu uma mulher em volta de uma neblina, olhando-o e acenou para ele. Anderson sentiu um calafrio, ficou todo arrepiado e resolveu ir embora daquela cidade o mais rápido possível.

Cristina C C Vieira
Enviado por Cristina C C Vieira em 10/10/2020
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