Uber

Entrei no carro e dei boa noite ao motorista. Era meia noite e trinta e cinco. Sentei no banco de trás do carro e me encostei na janela, seguimos viagem. Eu queria chegar em casa, só queria chegar em casa. O silêncio me incomodava, mas eu também não queria falar... Talvez me incomodasse que eu parecesse antipática... mas, eu não queria falar.

Eu observava as ruas do caminho de volta pra casa, estabelecimentos fechados, pixações, pedras cinzentas e alguns sinais vermelhos... E eu só queria ir pra casa. O motorista era cuidadoso, dirigia devagar considerando o horário.

"É à direita, perto do chaveiro amarelo, Casa lilá...”

Mal terminei de indicar o meu destino final quando ouvi um cantar de pneus, um estrondo e senti um impacto. Por sorte, eu havia colocado o cinto de segurança. O motorista parou estarrecido e trêmulo dizendo "Acho que a matei".

Eu mencionei que era uma mulher que dirigia o carro? Eu nem havia notado... Mas ela não me era estranha. Lembrei que havia uma pessoa caída na pista e saí do carro imediatamente para socorrê-la. Também era conhecida... Eu via as roupas, os cabelos, o sangue... Tinha muito sangue e um corte enorme na cabeça, eu via seu rosto mas não lembrava quem era. Olhei de volta pro carro e a motorista continuava parada, em choque.

Tive que olhar novamente porque meus olhos bêbados estavam me pregando uma peça... só podia ser... Eu olhava a motorista... ela e a garota morta da estrada pareciam ser a mesma pessoa. Não como gêmeas univitelinas, não, elas eram a mesma pessoa. Tinham a mesma expressão de espanto, as mesmas feições... eram a mesma pessoa. E eu as conhecia, mas não conseguia lembrar ou entender como aquilo era possível.

O sangue já formava uma grande poça no asfalto... o sangue denso e escuro refletia a luz dos postes da Estrada da Água Branca. Eu olhei fixamente pra poça, em busca do meu reflexo, e aí... pude finalmente lembrar quem eram aquelas. Eu vi a minha expressão de espanto, e as minhas feições, e era eu. Era eu quem estava parada no carro, em choque. Era eu quem estava morta na rua, e era eu quem encarava o reflexo na poça de sangue.

Eu só queria ir pra casa...

Lorena Malschik
Enviado por Lorena Malschik em 26/07/2020
Código do texto: T7017671
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