O Túnel Abandonado
Cresci em uma pequena cidade do interior. Lembro bem das paisagens bucólicas, dos tratores transportando gêneros agrícolas pelas ruas, da pequena população que tinha o hábito de dizer “bom-dia” a todo e qualquer transeunte que encontrasse. Todos sabiam da vida de todos, e era tão comum ver os mais idosos sentados nos bancos da única praça, tomando chimarrão e esperando as horas passarem. E passavam, porém lentas e preguiçosas. Hábitos assim inexistem nos grandes centros urbanos.
Eu morava bem perto de uma linha férrea. Na época, ainda ativa e, por mais estranho que pareça, era gostoso ser acordado, à noite, e ouvir o trem passar. Passou-se algum tempo e as atividades da empresa foram encerradas e, com isso, o tráfego dos trens, aposentado. Os trilhos permaneceram, sendo rota de caminhada de pequenos grupos e eles, principalmente eles, continuam lá, apesar de parcialmente tomados pelo mato: os túneis.
Eram três túneis em um espaço de menos de dez quilômetros, pois a região era caracterizada por morros. Por tais questões geográficas, furaram terra e rochas e os construíram, sendo que possuía, cada um deles, uma espécie de moldura, com a data da construção da linha: 1.885. O maior dos três formava uma pequena curva e, por conta disso, em parte dele havia escuridão completa, diferentemente dos outros dois que, em linha reta, permitiam ver a famosa “luz no fim do túnel”.
Éramos eu e dois irmãos. Íamos para a escola fazendo do túnel um atalho. Era isso ou dar uma volta gigante no morro que se interpunha entre nossa casa e a escola. Eu era o caçula. No início, tínhamos medo do túnel, pois nos diziam que morcegos se enrolariam em nossos cabelos. E realmente eles habitavam aquele lugar sinistro. Mas os morcegos eram os menores de nossos problemas.
A escuridão e o temor da queda, tropeçando nos trilhos ou nos dormentes, nos faziam andar lentos até que alguma luz nos atingisse. E, em meio às trevas, algo habitava. Nunca soubemos onde. Nunca soubemos o quê. Não sabíamos se havia alguma cavidade nas paredes, alguma reentrância, algo assim. Mas a primeira vez que fomos perseguidos foi, digamos, inesquecível para mim, e acredito que para eles também. Atravessávamos o túnel, na volta da escola. Era algo perto das seis horas da tarde. Quando estávamos exatamente na curva, momento em que sumiam as duas extremidades e a escuridão se fazia completa, ouvimos passos atrás de nós. Só tivemos certeza que eram passos quando todos os três paramos para ouvir. Até então, nada demais, afinal não deveríamos ser os únicos a usar o velho túnel como atalho. Mas havia algo de estranho naquilo.
Como era de se esperar de crianças, saímos correndo, ignorando inclusive os morcegos. Ofegantes, atingimos a luz e então percebemos que nada havia em nosso encalço. Nos próximos dias, sempre apressamos o passo para chegar ao outro lado. Mas, três ou quatro dias depois, a experiência foi mais intensa, pelo menos para mim.
Novamente ouvimos passos às nossas costas, em meio à escuridão. Mas não eram somente os passos que nos amedrontavam. Ouvíamos uma espécie de som que lembrava uma respiração agressiva, um bufar, como um animal selvagem, algo assim. Como sempre, saímos correndo em direção à luz mas, naquele dia, acabei tropeçando e caí, batendo a testa, provavelmente em um dos dormentes da linha. Acredito até que tenha perdido a consciência por alguns segundos, mas recobrei-a a tempo de sentir meu irmão mais velho arrastando-me pela gola da camisa. Naquele momento de extremos estresse e adrenalina, ainda consegui ver, enquanto arrastado, uma silhueta bizarra, recortada em meio à escuridão do túnel. Era uma forma humanoide, pelo menos mantinha-se de pé, em duas pernas, mas parecia ter, às costas, um contorno semelhante a asas e, na cabeça, algo que remetia a chifres. Estaria eu confrontando um demônio dentro de um velho túnel abandonado?
Novamente, perdi a consciência, e fui reanimado logo em seguida, com frenéticos e ardidos tapas no rosto. Estávamos fora do túnel e sob a segura luz do sol que deveria perdurar ainda algum tempo. Perguntei a eles se teriam tido a mesma visão, mas houve negativas. Teriam ouvido apenas os passos. Creditaram às minhas imaginação e emoção aquilo que não foram capazes de testemunhar. Mas a imagem me perseguiu durante algum tempo, em sonhos e lembranças de uma infância um tanto quanto emocionante. Muitas outras vezes corremos ao longo do túnel, tendo passos e o bufar raivoso em nosso encalço. Mas nunca mais cai. Sempre corri mais e com mais energia, até mais que os outros, sem olhar para trás, até atingir a luz e me sentir seguro.
Curiosamente, morei em outra localidade por aproximadamente trinta anos e, atualmente, resido novamente em minha cidade natal. Caprichos do destino... moro em uma propriedade na encosta do velho túnel, a distância de trezentos metros dele. Tenho uma boa visão de uma de suas extremidades. A velha escola na qual estudei ainda existe, e resiste... Sou um velho contador aposentado e passo parte do tempo em minha varanda, tomando muito café e fumando meu cachimbo, em minha confortável cadeira, sempre com o Pluto, o cão mais fiel do mundo, ao meu lado. Os finais de tarde são sempre divertidos. Sempre rimos, Pluto e eu, ouvindo os gritos das crianças que saem, em carreira, apavoradas e histéricas, do velho e abandonado túnel.