acasos momentâneos permanentes de uma vida

“O bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo.”

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O pai havia chegado mais estressado que o habitual do serviço. A mãe estava apressada na cozinha preparando o jantar. A filha de 10 anos os observava nervosos trocando palavras altas que embora ela ainda não entendia já sabia que era ruim. E o gato da família, especificamente da filha, mais uma vez, assim que o pai abriu a porta do quarto do casal e esqueceu de fechá-la, o bichano subiu na cama e defecou em cima e da pasta de trabalho do pai. A garotinha observando de longe não tentou impedir. Ela também não tentou se mover, apesar do susto amedrontador, quando o pai esbravejou palavras sujas e jogou um dos sapatos no gato, o acertando, e o gato assustado sobressaltou da cama rumo ao corredor de onde a garotinha observava e desesperado atravessou por ela rumo à cozinha onde, a mãe alardada pela a confusão, veio entreolhar ao passo que o gato tropeçou entre as pernas dela, a cambaleando, e a derrubando de costas com um grito. A garotinha ouviu uma batida brusca e silêncio. Assustada, com os passos franzinos descalços, correu até a cozinha ao passo que ouviu o seu pai vindo atrás e, ao ver a sua mãe desfalecida ao chão imóvel com olhos vidrados enquanto uma poça vermelha se formava ao lado dela, arregalou os olhos, ofegante, e embora não entendesse o que poderia ser ela sabia que era ruim, muito ruim. A fresta da pia continha um resquício dos cabelos loiros da mãe com o que parecia ser pele, e o líquido vermelho escorria de trás da cabeça. O pai, que veio corrido atrás, se ofegou audivelmente ao passo que avançou gritando sobre o corpo desfalecido de sua esposa chorosamente clamando tentando reanimá-la. O gato, ao lado, no canto do fogão encolhido, esboçava com as presas aquele rosnar ameaçador e grunhia escorado contra a parede com os pelos ouriçados. O pai, enfurecido, grunhiu esbravejadamente e avançou contra o felino, o apanhando, aos berros e miados ganindo, e a garotinha assistiu paralisada e arfando com olhos arregalados quando o seu pai destroncou o pescoço do seu gatinho torcendo para trás. A filha apenas fitou a faca que sua mãe antes segurava, caída ao lado do corpo, brilhando, clamando por atenção e tato, e já caminhando até aquela luminosidade atraente, a pegando, e enquanto o seu pai de mãos e joelhos apoiados no chão chorosamente se lamentava, a filha se dirigiu calmamente até ele e fincou a cuja faca em sua garganta, um único golpe, afundando e puxando. O pai se jogou contra o fogão e a parede enquanto sangue jorrava, os olhos esbugalhados tremendo a fitar a filha e a sua esposa morta atrás das pernas franzinas dela. A filha o fitava, imóvel, e embora ofegasse também segurava firmemente a faca sangrenta na mão direita e o seu olhar estava friamente vidrado nele. O pai tentou clamar algo, falhando, se engasgando à morte mais rápido com o próprio sangue. Sua visão se enevoou, seus sentidos se perdendo, vazando, até que as cortinas enfim se fecharam em escuridão—.

ilLoham
Enviado por ilLoham em 24/07/2020
Reeditado em 30/10/2023
Código do texto: T7014971
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