Isso não pode estar acontecendo comigo!
Depois de dois anos de relacionamento, de dedicação e entrega me surpreendo.
Como pude ser tão tola e infantil em acreditar, sem ao menos desconfiar de algo, sem perceber que por de trás de uma vida corrida por conta do trabalho havia algo de estranho nele? E agora?
Nessa maldita cama, que tantas vezes confortou a indecência, o pecado. Me deito novamente, mas sozinha, sem ele. Maldita sou eu.
E como posso ainda sentir sua falta? Desgraçado!
Foram várias madrugadas acordada na companhia dele, champanhe, morangos e amor. Gozo, prazer, desejo... de novo e de novo... não pode ser verdade, ele disse que me amava. Viajamos juntos alguns fins de semana e ninguém nunca se deu falta e eu nem imaginava que em outro lugar, alguém muito próxima de mim, esperava-o.
Cachorro!
Mais uma madrugada, agora sem você, apenas esta maldita cama, os travesseiros e a tv. Eu sozinha, ressentida, sem amor, nem gozo, nem prazer, mas desejo.... de novo e de novo.
Isso não pode estar acontecendo comigo!
Aos prantos, enrolo-me no lençol que ainda tem o seu cheiro e fico lembrando cada momento que passamos ali. O toque, o jeito, minha face afagada em seu peito. Ele me fez mulher de novo, me fez viva e confiante, depois de um péssimo casamento de 20 anos e 3 anos de divórcio e solidão.
Madrugada infinda, a hora não passa e o sono não vem, memórias, fantasmas e ele ali no meu pensamento me atormentando, fazendo-me rolar nessa maldita cama de um lado para o outro.
Isso não pode estar acontecendo comigo!
Chega, basta... a dor que sinto rasga meu peito, a ira e o ímpeto são meus por direito. Desgraçado, Cachorro, há de me pagar e ainda nesta madrugada fria, longa, maldita, você me verá.
Peguei o celular ao lado da maldita cama e disquei seu número, só chamava... caixa postal.
Não tem jeito, preciso dele aqui para assistir ao ato final, enfim a tragédia, ao romper da aurora, no fim da madrugada sem fim. Ligo para minha filha 20 anos mais jovem que eu, às 4 da manhã e peço:
– Querida venha socorrer-me, é o fim.
Quero ver sua cara agora, meu genro, meu amado. Ontem, no almoço, sentou-se à mesa comigo, minha filha, declarou-se apaixonado e marcou o noivado. Eu te olhava e você sem culpa, não demonstrava qualquer tipo de arrependimento, que frieza.
Canalha, te amo! Mas o ódio é maior com toda certeza!
Escuto a campainha tocar, são eles à minha porta, levanto da cama, sento-me à penteadeira, abro a gaveta e pego a arma. As portas estavam destrancadas e ouço minha filha me chamar.
– Mamãe?
Um disparo, um tiro, ao pé do ouvido e tudo acabado.
Ele inerte ao meu lado, quieto, calado. Olhou-me nos olhos enquanto eu deixava este mundo e disse:
– Seus segredos estarão comigo guardados, Adeus!
Minha filha se lança naquela maldita cama chorando. Contraiu os músculos, agarrou-se ao travesseiro, enfiou nele a cabeça, mordeu os lábios sufocando o grito mais profundo dizendo:
– Isso não pode estar acontecendo comigo!