Chico Lobo e o fantasma do córrego do Antônio Correa

Quando criança, convivi com uma pessoa excelente de nome Francisco, mais popularmente conhecido por Chico Lobo. Grande conhecedor da natureza e com hábitos bem diferentes. Alegre, cantava belas canções, sempre trabalhando à terra. Fazia versos com rimas e sempre estava feliz a todo dia.

Em uma noite de lua cheia, eu, minha mãe e minha irmã fomos passear à sua casa. Chegamos lá por volta das dezenove horas. A noite estava linda, pois a lua cheia irradiava luz que se podia ver até uma formiga na estrada.

Conversamos muito. Ele sempre com as brincadeiras, os causos, os assuntos do dia. Falou da vida dele, dos passeios, das pescarias, do corte de lenha. A sua esposa, a Sra. Maria, carinhosamente chamada de “Dona Maria do Chico Lobo”, sorria a cada causo. Fez o café e nos ofereceu. O café forte e muito doce foi acompanhado de pedaços de broa de coalhada, que foi assada na panela.

Em um destes causos, ele disse:

“ – Zé Carlos. (falando forte com muita sinceridade que se podia perceber que era verdade).

- No mês passado, eu resolvi ir pescar no córrego do sr. Antônio Correa.

- Era noite de lua cheia como a lua está hoje. Fazia muito calor. Calcei minha bota “sete léguas”, vesti uma calça bem grossa, daquelas que a madrinha (referindo à minha mãe, pois ela, juntamente com meu pai, era madrinha deles na cerimônia de casamento) me presenteou de aniversário. A camisa foi a de manga longa, porque os mosquitos atacam à noite.

- Fui até a moita de bananeira e escavei. Achei muitas minhocas. Em uma latinha eu as coloquei. Enchi a latinha com terra até a boca da lata, porque elas poderiam ir embora. Peguei o embornal e coloquei uma garrafa de café, biscoito, broa e uma garrafa de água. Um lampião a querosene, uma caixa palitos de fósforos e duas varinhas com anzóis para pegar bagre e cambeva. Não esqueci do chapéu, pois o sereno pode trazer gripe.

- Cruzei a porteira e quase me enrosquei na cerca de arame. A noite estava linda e a lua muito clara. Pensei que estava levando o lampião à toa, mas não quis voltar.

- Passei no fundo da horta do Sr. Antônio Correa. A casa estava no mais silêncio. Ouvi apenas o latido do cachorro Peri. Ele é muito bravo e pensei que viria encontrar comigo e me dar uma mordida. Ficou, portanto, quieto lá em cima. Deveria estar deitado perto do forno grande. Tinha algumas brasas, pois o Dona Corina fez biscoitos no dia.

- Pulei o rego do moinho e quase fui ao chão. Adentrei mato a fora e ouvia o piado das corujas. Dizem que elas trazem mal goro e rezei pedindo a Deus que me afastasse de tudo, até mesmo das cobras. Dei mais uns dez passos e encontrei uma grande cascavel no trilho. A minha sorte foi que tinha um bom pedaço de pau e eu a matei. Rezei mais uma vez e agradeci a Deus e a São Bento. Ela poderia me picar, mas não era o dia dela.

- Com muito custo, chequei ao posso. A lua estava cada vez mais brilhante e a imagem dela refletia dentro do açude. Estava tudo na perfeita paz.

- Olhei para o céu e poucas estrelas brilhavam, porque o brilho da lua abafava toda estrela. Lá em cima, vi umas luzes que achei ser de um avião a jato. Lembrei muito de você, Zé Carlos, pois você gosta muito de avião. Vi tudo o que estava em minha volta. Escolhi um lugar, ou seja, um galho de árvore para colocar o lampião. Quando tem um fogo aceso é mais fácil e ele espanta os bichos maus. Pensei em fazer um foguinho ali, mas não tinha gravetos por perto e se fizesse eu ficaria um bom tempo para acendê-lo e o tempo seria longo.

- Acendi o lampião. Comi um pedaço de broa e bebi um copo de café. A noite prometia muita aventura. Vi que os peixes estavam pulando e pensei que encheria o embornal. Ficaria a madrugada toda ali pescando. Amanhã é domingo. Não irei à cidade. Vou fazer peixe assado, frito, cozido e passarei o dia muito feliz.

- Quis cantar, mas pensei que assustaria os peixes.

- Sentei em uma pedra e fiz as iscas. Joguei a primeira vara e nem demorou e iscou um grande bagre. Nem precisei iscar a outra vara, porque na segunda tentativa peguei dois ao mesmo tempo.

- Aos poucos ia enchendo o embornal. Pelas minhas contas, já eram mais de trinta. Somente bagre. Imaginei o domingo, logo pela manhã, fritando os peixes e comendo com arroz, feijão, molho de chuchu, angu... Dava muita água na boca.

- Por volta de meia noite e meia, o sono queria tomar conta de mim. Abria a boca várias vezes, o corpo ficava mais difícil de se mover. Olhava para cima e via que a lua se deslocava para o outro lado. Os peixes estavam vindo constantemente ao anzol. O lampião começava dar sinal de querer apagar, porque o querosene já estava acabando. Pensei que encerraria minha jornada ali, mas queria pegar pelo menos mais uns dez. Pelas minhas contas, naquele momento, passariam de setenta grandes bagres. Nem sei se aguentaria comê-los todos. Se sobrassem, levaria alguns para os vizinhos.

De repente, já pensando em ir embora, meu corpo ficou meio mole, pois parecia que estava flutuando. Os cabelos começaram a ficar eriçados. Senti um forte arrepio no corpo desde os pés até à cabeça. O coração disparou e as pernas ficaram sem movimento. Não sei o que estava acontecendo comigo, mas fiquei assustado quando vi:

(O córrego do Sr. Antônio Correa é um pequeno córrego de mais ou menos dois metros de profundidade naquela época. Entre arbustos, moitas de bambus, samambaias e vegetação de mata ciliar, corre a uma baixa velocidade. No leito, há muitas pedras e pequenas cachoeiras formando poços que muitos pescadores gostam de pescar. No decorrer do dia, os peixes são os lambaris e quando a noite começa, bagres, cambevas e traíras nadam nos poços e permanecem entre locas de pedras e arbustos. Hoje, porém, o volume de água deste córrego baixou muito, pois a mudança climática fez com que vários córregos, rios e nascentes diminuírem o volume de água. As pedras ficaram fora do percurso do rio, os arbustos cresceram e parte do leito foi suspenso devido a detritos de aração e outros acontecimentos).

- Acima de uma pedra, que ficava no meio do poço, vi uma mulher de mais de dois metros de altura. Os cabelos dela eram muito brilhantes. Tinha dois grandes olhos e uma linda boca. Os dentes eram tão brancos que pareciam a luz do sol. Vestia uma roupa muito estranha e uma capa rastejante. As águas saiam de suas vestes como se fossem uma longa cachoeira. As mãos dela eram grandes e tinham apenas três dedos cada uma. Tinha um arco nas cores vermelha e amarela sobre a cabeça. A luz refletida dela iluminou tudo o que estava à minha volta. Vi, dentro do córrego, vários peixes nadando e se escondendo entre locas e barrancos. Parecia que o mundo ia acabar naquele momento.

- Ela fez um sinal com a mão para eu ir até ela, mas as pernas pereciam estar pesando duas toneladas cada uma e eu mal conseguia mover.

- Comecei a suar frio. Tinha uma coruja bem perto de mim e ela simplesmente bateu as asas e caiu dentro do córrego, fazendo um barulho tão grande que tinia e estrondava nos ouvidos.

- Os olhos ficaram turvos de ver aquela mulher em uma luz muito forte. Perdi os sentidos e somente acordei no outro dia pelo empregado da fazenda vizinha que ia buscar as vacas.

- Levantei e contei tudo para ele. Cheguei em casa quando o sol já havia nascido. Olhei na sacola e vi que os peixes estavam todos lá. Contei-os e tinham setenta e sete. Falei para a Maria e logo ela foi arrumá-los.

- Não sei o que foi, mas o Antônio teve a mesma sensação que eu, na semana posterior.”

Ouvindo estes relatos, fiquei com medo. Não vi a hora de ir embora. O caminho era atravessar parte do córrego do Sr. Antônio Correa, bem acima de onde Chico Lobo viu o fantasma.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 12/07/2020
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