A MISTERIOSA VILA 35 - O NASCIMENTO DO MAL

Passaram-se alguns meses desde que estive em Kalle com Asgard, nada falei com Isabelle, apenas acompanhei a sua gravidez, no meu íntimo habita uma interrogação, um dilema, um mistério a ser decifrado, tenho que tomar uma decisão abominável quanto a criança. A espera pelo sinal de Asgard é agonizante, entre amigos da pequena Kikivo, resisto sem demonstrar nenhum sinal de desespero, meu coração dói, os pensamentos me abordam e a consciência procura uma fuga. Sigo vivendo cada hora, cada dia. Isabelle está feliz com a perspectiva de ser mãe, um filho completará nossa felicidade.

Em um desses dias, pescava com alguns amigos os últimos bacalhaus do inverno no fiorde de Bergen, de repente senti um forte cheiro de cravo, meu sangue congelou, a dor se intensificou em meu peito, a boca ficou seca como um torrão de areia. Sai da cabine e fui até o convés de popa tentando observar algo. Lá no alto, entre as fragatas que sobrevoam os barcos pesqueiros a espera de migalhas, uma figura estranha as acompanhava deixando-as claramente incomodadas. Um dos homens observou também a figura alada e sentiu o cheiro de cravo. Então ele me perguntou:

- Capitão Aros, vê aquela ave entre as fragatas, ela é bem diferente e esquisita, passou voando baixo sobre nós e exalou este cheiro forte de cravo. Respondo.

- Sim, recolha as redes, precisamos voltar imediatamente para casa. Ele então retruca solidário.

- Algum problema capitão?

- Sim, algo que não posso explicar agora, vamos nos apressar.

Recolhidas as redes, comando a proa do Gaivota na direção de kikivo e navego com toda velocidade, meu pensamento vagueia desesperado em busca de uma saída, essa ameaça me persegue por muito tempo, não há saída chegou a hora, é imperioso derrotar esse mal de uma vez, haja o que houver não posso fraquejar. As asas negras da morte, continuaram sobrevoando e acompanhado o Gaivota até a sua chegada ao porto de Kikivo ao final da tarde, em seguida desapareceu entre as nuvens negras que estranhamente habitavam sobre a pequena vila. Atraquei com pressa e sai em direção ao vilarejo. Podia sentir que algo sinistro pairava no ar, não era uma tarde como as outras, havia nuvens escuras e baixas, entre elas podia-se ver os clarões dos relâmpagos, algo incomum nessa época do ano. O inverno em Kikivo é igual ao das montanhas da Noruega, os dias são longos gelados e opacos.

Ao chegar à rua avisto uma pequena aglomeração na porta do nosso chalé, meu coração dispara descompassadamente, me aproximo, são os vizinhos, as amigas de Isabelle. Todos usavam um pano encobrindo o nariz, o cheiro de cravo era sufocante, a velha parteira era a única que não usava. Conhecida de todos, ela era curandeira, conselheira, uma espécie de médica da vila, todos recorriam a ela quando precisavam resolver problemas.

Entrei no quarto e corri em direção a Isabelle, ela me abraçou com lágrimas em seus lindos olhos, beijei-a com todo fervor do meu ser. Em seguida ela apontou para o pequenino berço do outo lado da cama. Levantei-me e fui até ele, minha mão envolvia o cabo do sabre com tamanha força que faziam estalar as falanges. Abro a pequena cortina que encobre o pequenino berço de juncos, e o que meus olhos vêem, me deixaram estarrecido e completamente embriagado. Como seria possível, era inimaginável, meus olhos estavam me enganando, ou estava sonhando? Belisquei forte meu rosto, a dor me confirmou que estava acordado, um soluço brotou do âmago do meu ser, minha alma se agigantou, meu instinto de homem se confundia com o de um animal raivoso vociferando violentamente, meu peito sacudia a caixa torácica. Naquele exato momento, tive a certeza que seria capaz de passar por cima de tudo ou de todos que se colocassem entre nós.

Eram duas bebês... duas lindas meninas, uma de olhos verdes e a outra de olhos azuis, as gêmeas de Baltimore...