A má sorte
João, mais conhecido por João do Pato, é um sujeito muito tranquilo. Já aposentado na função de servidor público, sempre ele gosta de pescar. Pesca quase todos os dias. Não importa o dia. Quando tem a vontade, ele convida outro amigo, também aposentado, e vão juntos para o rio.
É um grande dilema para ele. No período da piracema, quando a pesca está proibida, ele fica estressado. Xinga a esposa que o coloca para ajudá-la nas funções domésticas. Fica bravo, pois o amigo o chama de “Mariquinha”. Fala palavrões, mas logo estão os dois bem tranquilos e planejando novas temporadas.
De suas muitas aventuras, ele tem um certo receio de fantasma. Não é à toa que sempre diz que viu alguma coisa se mexendo perto de sua casa. Transforma-se totalmente e diz que poderá ser fruto da mente. O problema é que é mesmo medo. Ele tem muito medo.
Algumas vezes que foi pescar com o amigo, ele separou de lugar, pois o lugar, no rio, onde estava, ficou ruim para a pesca. Não pegou nenhum peixe e foi procurando outro lugar. Sumiu por algumas vezes e logo chegou correndo para perto do amigo dizendo:
- Chico, eu ouvi um gemido lá perto da pedreira. Vamos lá para ver. Os pés estão gelados, os cabelos arrepiados e não consigo me locomover direito.
- Que nada, João. É pura impressão de sua parte. Lá não tem nada. Poderá ser algum pássaro. Vou ver o que é.
João não ficava sozinho e foi junto do amigo. Assim que chegaram, passaram-se alguns minutos, o som foi ouvido, em forma de gemido. João tremeu todo e quis gritar, mas logo foi amparado pelo amigo dizendo que era um pássaro que se localizava no alto de uma árvore, bem próximo da pedra.
Bem antes do fechamento da licença para pesca, os dois vão novamente para o rio. João jogou o anzol no rio e ficou observando. O tempo foi passando. O amigo foi para outro lugar na parte de baixo e mal chegou, já ouviu o colega gritando e falando que encontrou um defunto. O amigo veio rápido e um defunto estava boiando bem perto de onde João estava. Quis ver o amigo, mas este já estava longe e chegou correndo na cidade tremendo todo de medo. Chico teve muito trabalho para jogar uma corda no corpo e amarrá-lo em local seguro. Pegou o telefone celular e chamou a polícia. Foi homenageado, pois o defunto estava sumido há cinco dias.
Após este acontecimento, eles mudaram de local, pois João tinha medo daquele lugar e pensava que novo defunto apareceria por ali.
Em outro lugar, estavam João, Chico e um cunhado de João. Os três se separaram e João voltou correndo, dizendo que os arbustos estavam mexendo e vários gemidos ao mesmo tempo. João dizia que era a alma do defunto. Os outros dois que estavam lá, Chico e o cunhado de João, foram até o local e encontraram um veado caído nos arbustos. Ele foi correr, embaraçou nos arbustos e ficou preso entre duas pedras. O infeliz estava quase morto, mas foi salvo e devolvido à natureza.
Sempre era deste jeito. Um dia ele foi viajar com a família. Ficou escuro e teve que guiar o automóvel pela noite. Quase se envolveu em acidente, pois tinha medo. A sorte maior foi que o cunhado estava junto e acabou de chegar com o veículo.
Um dia recebeu a notícia que o irmão havia falecido. Juntaram a família e foram, porém ele não chegou perto do caixão. Ficou de fora e ficou impressionado pelo resto da semana.
Assim era a vida de João. Entre as pescarias, os afazeres domésticos solicitados pela esposa e o carinho dos filhos, mas todos estavam estudando em outras cidades.
Certo dia, o filho mais novo comprou um terreno para construir a casa. João ficou meio ansioso, pois o dito terreno fazia divisa com o cemitério local. Mal ia lá, mas com o toque especial da esposa e os carinhos do filho e da nora, lá foi João com a enxada para limpar o terreno. Foi sozinho, mas não conseguiu levar o amigo, pois este estava viajando e somente voltaria nas próximas duas semanas.
Ao chegar lá, vendo o cemitério à frente, João fechou os olhos. Abrindo o portão rapidamente, ele entrou e pôs-se a capinar. Lembrou os tempos que capinava a chácara do pai, no sítio bem próximo da cidade. Ele era muito bom na capina. Em pouco tempo, o terreno já estava todo capinado, com exceção de um local um pouco mais elevado, que estava bem próximo do muro. Pensou muitas vezes João sobre aquele local. Na cabeça dele passavam várias situações. Poderia ser uma sepultura bem antiga, antes da construção do muro do cemitério. Poderia ser alguém que foi enterrado lá por razões de falta de dinheiro para compra de uma cova. Seria obra do tráfico de drogas ao apagar alguém... Tudo isto passava na mente dele.
O sol já se punha no horizonte. Somente aquele pedacinho estava ali para acabar. Não era grande, pois a experiência de João era muita e em poucos minutos o local estaria pronto. Olhou para um lado, olhou para o outro lado. Levantava a cabeça, mirava o muro do cemitério. A hora já estava lhe importunando. Se escurecesse, como ele passaria o portão do cemitério.
De repente, ele resolve a limpar o local. Percebia-se que o medo estava no rosto. Fortemente, deu uma enxadada e logo rolou sobre os pés um osso fêmur. Gritou de medo. Os braços não moviam direito e a voz ficou calada. Fitou aquilo por algum momento e teve a coragem de pensar:
- Isto aqui é um osso de defunto. O defunto deve estar ali dentro. Se eu não pegar isto e jogar lá dentro, ele vai me pegar e isto será muito mal para meu filho. Se for de outro defunto que esteja enterrado aqui, o osso voltará para o local e então vou correr e não mais voltarei aqui.
Pensando assim, com um plástico na mão e um monte de papel, João teve a coragem de pegar o osso e jogá-lo para dentro do cemitério. Foi fácil. Saiu de perto e preparava para ir embora. Teve um outro susto, pois o mesmo osso que ele jogara dentro do cemitério caiu perto dos pés e uma voz falou de dentro do cemitério:
- Mas que porcaria, isto aqui não é osso meu. Vê se some com isto daqui.
Não deu outra. João saiu correndo e gritando. O filho construiu a casa, tem três filhos e João nunca mais apareceu lá.