Do alto da ignorância de todos os sonhos…
… rasgam os jornais que lhe cobriam os pés, desse conhecimento abandonado pelos mortos na estante empoeirada da biblioteca, há em mim um contraste que me esmaga e uma sede insaciável de palavra, esta fome de saber o que não sei, liberta-me a ironia de deixar voar a bandeira, e essa herança de sangue pelos egrégios avós derramado. Desse pedestal erguido pelo minúsculo ser, somos um, e muitos que um somos, neste atropelo à individualidade prometida. Há uma majestosa sensibilidade que me espanta, é essa de ver o conhecimento na boca das ruas, todos sabem tudo e todos opinam, e não pinam nada… meu quarto sou menos reles, e sozinho empino a vulgaridade de me abstrair do conhecimento simpático dos que não sabem, sabendo tudo, e opinam até da atitude deles próprios, eu reles empregado anónimo dos que tem de trabalhar, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de sois altos, vastos e longínquos, ocultos por detrás de monte de nuvens que teimosamente estacionaram sob a minha janela virada ao poente.
Do alto da ignorância de todos os sonhos hoje nasce a Primavera, e se ela não nascesse talvez chegasse depois, talvez se atrasasse, mas chegaria, por ser a que vem depois, dos tempos de invernia…
Alberto Cuddel
21/03/2020
03:41
In: Nova poesia de um poeta velho