O HOMEM DAS SOMBRAS
Fred sempre foi uma criança muito ativa. Sua mãe costumava dizer que era um menino elétrico. Subia em árvores, paredes, postes, pulava, corria e não se cansava nunca. Sua mãe, entretanto, não aguentava o seu ritmo. Uma técnica utilizada por ela para tentar conter a aceleração do menino era o velho artifício de manipulação pelo medo. Ora dizia que o velho do saco iria pegá-lo para fazer sabão ora que o lobisomem se alimentaria do seu sangue e ora dizia que a cigana o levaria embora para longe. Tentava assustá-lo de todas as maneiras para contê-lo. Na hora de dormir, porém, ela pagava pelo excesso de carga psicológica que punha sobre os ombros do filho. O menino simplesmente entrava em pânico quando precisava ficar sozinho no quarto. Temia que monstros da penumbra pudessem arrastá-lo para as profundezas do abismo. Durante a noite sua mãe costumava deixar uma pequena luminária acesa com a finalidade de amenizar o medo do garoto. Ensinava-lhe também a orar a Deus para que tivesse uma noite boa e bons sonhos. Pensava que com isso poderia tranquilizá-lo, mas não. Efetivamente, não estava surtindo efeito. Da soma dos seus medos Fred criara o monstro mais terrível de todos os tempos. Dentro do seu quarto havia um velho guarda-roupa e, sobre ele, várias tralhas. Quando a luz incidia sobre aqueles objetos criava uma sombra que se assemelhava a um grande homem deitado. Fred tinha convicção de que se tratava de uma figura do mal, embora sua mãe lhe explicasse que se tratava de um fenômeno formado pela ausência parcial da luz, proporcionada pela existência daqueles obstáculos. Aquela figura o assustava muito e as explicações de sua mãe em nada atenuavam o seu medo. Fred orava a Deus pedindo ajuda. Esperava que Ele derrotasse o homem das sombras e lhe garantisse uma noite de paz. Depois de muitos dias orando sem que fosse atendido, Fred decidiu mudar drasticamente a sua tática. Sabe o clichê: “se não pode com ele junte-se a ele?” Pois é, Fred resolveu fazer um pacto com o homem das sombras. Propôs aceitá-lo como senhor e seguir com ele quando assim desejasse, sem qualquer resistência. Nas noites posteriores, Fred avançou longas horas conversando com o novo amigo. Falavam sobre tudo, discutiam, brigavam e até ficavam de mal. Depois faziam as pazes. Certa ocasião, o homem das sombras lhe avisara que o levaria consigo. O menino entristeceu-se muito, mas decidiu manter o acordo. Pediu uns dias para despedir-se da família e dos amigos e começou a se preparar para a partida. Quando compartilhou o assunto com a mãe, ela não deu nenhuma importância e riu da imaginação fértil do menino. Na semana seguinte, numa sexta-feira 13, o tempo parecia anunciar uma grande tempestade. Um vento impetuoso assombrou toda a cidade, mas parecia pairar nas cercanias da casa de Fred. Um assovio estridente e paralisante gerava medo e apreensão. Fred entendeu que chegara a hora. Tardiamente arrependeu-se do pacto e temia não ser possível revertê-lo. Não podia conter o choro. Tinha consciência de que fizera uma grande burrice. Sua mãe, no afã de confortá-lo permitiu que o menino dormisse com ela naquela noite. Essa decisão também a confortava porque o medo era mútuo. Quando a noite se espichou no lençol do nevoeiro espesso, enquanto o sono tentava dominá-los, um barulho quebrou o silêncio de forma abrupta. A madorna foi interrompida por algo que forçava a porta ferozmente. Uma força macabra, sem mãos, sem rosto, mas muito presente. Ouvia-se incessantemente o assovio apavorante do vento. Pressentia-se que aquela impetuosidade a qualquer momento lançaria a porta do quarto pelos ares. Os umbrais trincaram-se e uma névoa negra foi se instalando no interior do quarto. E aos poucos foi tomando corpo. Fred se agarrou à mãe com toda a força que tinha. Ela, àquela altura, havia deixado de lado o sorriso incrédulo e, instintivamente, começou a invocar a Deus. De repente, a porta rompeu-se como se fora atingida por uma carga de explosivos e, subitamente, apareceu naquele recinto a personificação do mal. Um ser imenso, feito de sombra e de escuridão que lançou suas garras sobre eles e começou a atraí-los feito ímã. Sua mãe tentava inutilmente resistir àquela força desproporcional, mas seu esforço era inútil, sua energia esvaía-se por entre os seus dedos como areia do deserto. Lentamente suas mãos se desprenderam e, inesperadamente, o homem das sombras começou a arrastar a mãe de Fred e a atraí-la para as sombras. Fred entrou em desespero. Gritou desesperadamente e, quando já se dava por vencido, viu o quarto ser tomado por uma luz vinda do céu. Uma luz que cruzara a imensidão do oriente ao ocidente e se pôs ali diante deles, dissipando toda a escuridão. Fred respirou profundamente e, envolto nos braços da mãe, sorriu aliviado. A percepção de ambos foi a de que tinham participado de um delírio coletivo. Refizeram-se do susto e voltaram a respirar normalmente. Na parede do quarto de Fred, em cima do guarda-roupa, o rombo causado pelo raio apresentava a estranha silhueta de um homem. De um homem de grandes proporções que se retirara dali.