Final de Novela
A luz verde que cortava o ambiente em rápidos flashs já começava a lhe ofuscar a visão um pouco embaçada pelas doses no bar anterior. O lugar atual estava certamente mais agitado que o último, ele pensou que até bem mais do que das outras vezes. Havia decidido ficar apenas para pensar um pouco, estava triste... Os seguranças, armados, porém discretos, o cumprimentaram como a um amigo na sua entrada, o chamaram de patrão. Vez ou outra, Mike deixava um troco pra eles comprarem uma garrafa ou uns pinos de “coca” pra aguentar o longo trabalho. A casa estava cheia. A cerveja em sua mesa, vazia.
“Talvez... ela estivesse só um pouco certa... sempre fui safado... mas realmente eu não tinha mais nenhuma tara naqueles peitos caídos... começou assim... meu Deus... como fui e sou sujo... agora é tarde... muito tarde...”
- Cê vai querê mais uma, meu bem? Vai ficar só bebeno mermo? Num tá afim não de uma xoxotinha nova hoje? Tem umas novata que chegaram hoje do Maranhão tudo limpinha e tudo lisa! - a garçonete, de microssaia e barriga protuberante, sorri enquanto anuncia as boas novas.
- Traga mais uma... cerveja, viu? Quenga, hoje não. Mas tá caro pra caralho beber aqui, viu. Doze reais numa cerveja? Eu devo tá vadio mesmo. Só volto mesmo por causa de tu, preta, mermo tu de buxo. Eu devo ser um vadio mesmo.
- Amor, quem tem vindo só pra beber aqui é você. O povo geralmente vem aqui fuder... umas duas cervejinha ou um whisky só pro bicho esquentar e... pow! Pisa pro quarto. Em vez de ficar vadio bebeno, fica vadio trepano... - gargalhando, ela marca a comanda que está na mesa e a devolve rapidamente.
Mike sempre dava um pulo no Coliseu de vez em quando porque gostava do atendimento e também de observar seres humanos. A primeira cerveja era dividida geralmente entre o cliente e pelo menos duas garotas em suas melhores roupas curtas, que se sentavam sem sequer serem convidadas, mas logo tornavam o momento mais aconchegante com palavras que alimentavam como se alimenta a um bicho o “demônio do prazer fácil”. Elas permitiam que os clientes as tocassem, até apertassem com força, se quisessem, mas nunca que as fizessem perder tempo, nenhuma era otária. Se não estivesse afim, só falar, de boa. Elas saíam. Tempo, ali, realmente era dinheiro.
Mike havia dispensado as duas que tinham sentado quando ele chegou. Já conhecia o serviço delas, mas não negou os copos. Na verdade, ninguém negava. Era sempre bom trocar umas ideias com as meninas velhas conhecidas. Ele só queria negar o que não parava de ouvir por dentro...
“Mikael, a gente não pode ficar assim... não é certo... depois de tudo que eu fiz... eu te dei teus filhos... eu me sacrifico tanto por você... pra tu vir me dizer isso... desse jeito...”
“Puta preguiçosa”.
Isso havia sido cruel.
Mike refletia no porquê de ter dito aquilo naquele dia, não que não tivesse dúvidas sobre o que havia dito depois de 15 anos ao lado dela e do império que construíra a partir de um pequeno self-service, mas pensava no porquê de deixar que ela soubesse. E houveram tantas outras coisas ditas, Heloísa havia passado por muita coisa. Talvez pelas crianças, que já não eram mais tão crianças. Hilda e Miguel. Seus amores. Elas estavam muito melhores com ela antes daquele exato momento, antes do irrevogável. A morte... Tal separação afetaria seus futuros? Dinheiro não seria o problema, a questão era sua presença. Além do mais, Heloísa havia dito que ele podia seguir em frente, porque aquilo tudo já estava escrito. Ainda usou a palavra maktub, a mesma que décadas antes usara quando disse que ele era o que ela pedira a Deus. Engraçado como eles haviam sido próximos... e ela se foi primeiro... quem diria...
“Você desde sempre só vê a aparência das coisas... por favor Mikael... olhe pra dentro de você... tenta se ver... e me ver... olha pra mim pelo menos uma vez... eu suportei tanto esses anos... mas o destino tem que ser vivido... eu já tinha sido avisada pelas cartas... eu vou ser forte...”
Malditas cartas. Sempre as malditas cartas. Elas sempre sabiam de tudo.
Mike bebia a cerveja segurando o copo com força, um pouco mais e talvez o copo se estilhaçasse. Na mesa ao lado, dois homens estão cada um com uma mão por baixo da saia de uma das garotas. Nana. Mike já havia provado de seus serviços. Uma boa menina, obediente, peitos duros. Havia contado pra ele que por causa de um “período” não concluiu Filosofia numa federal. Claro, numa realidade oposta àquela.
“Deus ainda vai te mostrar o quanto você tá cego... eu sei que você quis muito ter o que você tem hoje... mas dinheiro não é tudo... e você vai lembrar... cê quer sentir na pele, Mikael... eu tenho tentado tanto... mas o destino é maior... Deus sabe... eu não vou deixar de te amar...”
Os pensamentos naquela noite estavam implacáveis. Deus, amor, vida, sonhos, filhos, fracasso, câncer, funerais... insistiam em desafiá-lo com palavras de quem não mais estava ali, e ontem mesmo ele havia a olhado nos olhos. Depois da separação, eles mal se viram, após o diagnóstico, somente uma vez, e fora a última. Heloísa estava abatida, parecia já ter partido, a quimioterapia estava sugando sua seiva. Mas a separação que agora o assaltava ia além das assinaturas feitas à mão livre como prova da união desfeita. Os poucos amigos haviam se afastado. Naquela noite, Mike, como agora ele se apresentava onde não o conheciam e preferia ser chamado, sentia-se apartado do que por anos construíra para si como sendo ele mesmo. Será que ele estava realmente cego?
- Amor... você acredita em amor, Leila? - uma outra garçonete, se aproxima com andar malicioso.
- Como é que é, nêgo? Num ouvi não.
- Você acredita em amor?
- Cê fala amor tipo das novela?
- É, acho que é. Dessas que passam à tarde, tipo, Maria do Bairro.
- Acho que só existiria amor se as mulheres nascessem com dentes na buceta.
A resposta deixou Mike intrigado, mas antes que pudesse pedir uma explicação, Leila foi atender alguém que erguera o braço e havia sumido pela neblina do gelo seco. No palco, duas garotas se penduravam em postes metálicos. Em algum momento da coreografia, ambas chupavam os seios uma da outra.
Quando Mike viu que Leila voltava distraída, assobiou para que ela olhasse.
- Quer mais uma? - ela pergunta.
- Já eu, acho que só existiria amor se os peitos nunca ficassem caídos... e se usássemos o dinheiro pra limpar o cú antes de usá-lo pra ter as coisas.
Leila o observa por segundos. Depois sai como se aquilo nunca tivesse acontecido. Ela conseguia dar atenção a todos que a necessitassem.
- Eu volto já! - ela grita de longe.
“Pois é Mike... a que ponto nós chegamos... com essa carência acho que nem pagando cê vai ficar de pau duro... ”
Saudade, ali era algo imensurável. Tal palavra tornava a atmosfera ainda mais opressora. Todas as almas ali confinadas sob a música dançante e o caos de existir deviam algo à falta. Nana tinha dito a Mike que sentia falta de se sentir bem. Valéria disse que sentia falta do filho que ficara no Ceará, e a Alexia disse que só sentia falta de chegar em casa e dormir logo, sem pensar no que havia vivido horas antes. Cada um com seus problemas, cada um com suas intenções. Mike já havia comido todas, e isso de nada importava. Lamentar a família desfeita, ali, não resolveria nada. E além do mais, horas atrás Mike havia visto o caixão descer seus sete palmos... e levava ela... a única que havia sido diferente... Heloísa...
- Olha, Mike - Leila se aproxima segurando uma taça com um líquido dividido em camadas coloridas - não sei por que você me perguntou isso, esse negócio de amor... mas eu um dia li na letra de uma música que se nós pudesse ver com os olhos do destino, talvez nós nunca caísse nos engano... alguma coisa assim, sei lá... acho que a gente ama se enganar um pouco, mas isso tudo faz parte. Até porque, só temos esses olho mermo, né? E um cego...
- Pode crer, Leila. Falou pouco, mas falou bonito. Mas a gente tem um olho dentro da testa também, sabia?
- Hômi, tu já tá é bêbo...
- Sério mesmo.
- Aí dento... então, temo quatro olho, e se usar óculos, então temo oito.
- Estilo uma aranha.
Eles riram.
A aranha é uma artesã paciente. Mike se identificara com essa virtude um dia. Paciência. Agora, seus pés sapateiam levemente enquanto o cigarro vem e vai.
Mais duas cervejas seriam servidas até que a sensação de vazio fizesse com que Mike desejasse sair. Naquela uma hora e meia em que ficara apenas observando a tela em movimento da realidade, ele viu diante dos olhos que haviam dito um dia estarem “cegos”, a natureza humana em sua tímida e mórbida nudez. Lembrou que um dia a mãe dissera que um homem que frequentava puteiro merecia morrer só. Isso parecia ironicamente uma verdade incontestável. Um gozo solitário revestido com o falso brilho de uma conquista. Cento e trinta reais e mais quinze do quarto, 40 minutos na melhor das hipóteses, embora os leitos ficassem livres de 20 em 20 minutos. Eram muitos os “pacientes” daquele consultório, talvez alguém saísse dali revigorado com a força de uma mentira. “A mentira é o remédio mais vendido do milênio”, Mike pensava.
Quando pediu a conta, a primeira garçonete fez sinal pra que ele esperasse. Alguns minutos depois, surgiu trazendo uma moça pela mão. A garota usava um vestido rosa claro, seu cabelo louro estava molhado e em seus lábios um batom púrpura cintilava acompanhando os feixes das luzes. Quando se aproximaram, um calor repentino assolou Mike. Ele olhou nos olhos da garota como um predador olha para a presa antes do salto...
Ele estava perplexo. Ou talvez, algum desencanto o tivesse encantado...
- Óia, essa é a Lavínia - a garçonete estende a mão da jovem na direção de Mike que a segura - ela chegou hoje na casa, 19 aninhos, veio de São Luís, a terra do reggae! Não fez nenhum programa ainda, tá toda cheirosa, gostosa e olha só, que mulher! - a garçonete gira Lavínia como um passador giraria a picanha em seu espeto.
Em alguns segundos, tudo ao redor de Mikael (agora transformado numa versão animal de auto sobrevivência que ele decidiu chamar de Mike) ruiu em pequenas frações de uma realidade intocável, reconstituindo-se como num passe de mágica numa possibilidade impossível. A jovem diante dele era a cópia perfeita de sua ex esposa na época em que se conheceram... há exatos 15 anos... a silhueta... a cor... o rosto... cabelo... No auge de seus 35, Mike olhava a jovem loira como se do alto de uma montanha de solidão. Seu coração, o fazia sentir as pernas bambas. Aquilo parecia um sonho...
- Que que cê achou? Vamo inaugurar essa delícia?
- Posso falar com ela sozinho?
- Oxe, mas é claro! Senta aqui mulé. - ela afasta uma cadeira e Lavínia, que ainda não havia falado nada, se senta - Vou trazer mais uma gelada. Quer cigarro também? Ótimo! Tu tás com sorte hoje, visse bichinho? Uma gostosa dessa num lugar desse? Aproveite...
Quando Mike observou com mais calma e atenção artística os traços sutis daquele rosto rosado, com sardinhas mascaradas por uma maquiagem corretora, ele sentiu como se a vida o houvesse transportado nas asas do tempo. Jamais havia visto alguém ter tamanha semelhança com outra que sequer sabia existir. Era como estar vendo a mulher por quem se apaixonara e aprendera a amar e odiar diante dos olhos... era Heloísa em seus melhores dias... Mas a verdade sussurrou em seu ouvido e ele saltou do barco da ilusão que já o levava para longe da praia... ele lembrou do caixão...
- Lavínia é teu nome verdadeiro?
- É sim senhor.
- E tu tem quantos anos mesmo? Fale a verdade. - Mike aperta as mãos por baixo da mesa. Um nervosismo misturado a uma vontade incontrolável de chorar... o fez ficar com a garganta seca.
- Tenho 18, vou fazer 19. Mês que vem.
- Você vai subir comigo. Tudo bem?
Lavínia, mesmo com a roupa expondo-lhe o corpo torneado de uma atleta, tinha o rosto de uma criança perdida. Seus olhos passeavam pelo ambiente em constante movimento, seus trejeitos lembravam fera acuada.
- Tudo bem.
Mike pediu a máquina de cartão de crédito e pagou sua conta. Tomou Lavínia pela mão e se dirigiu ao balcão onde o valor do programa era acertado. Usou dinheiro, e quando recebeu o troco (uma nota onde uma onça pintada estava gravada) ele pediu pra que Lavínia o aceitasse, e ela pôs a cédula por debaixo do top em seu seio direito. Mike aproveitou para mirá-los com determinada frieza.
- Tu é gostosa mesmo, viu. Eu já tava indo embora. Tu já trabalhou com isso antes?
- Brigada... não, nunca. Hoje é meu primeiro dia. Sei que o senhor num acredita mas...
- Isso não vai fazer diferença. Pra nenhum de nós, no final.
Lavínia pediu à senhora do caixa que pegasse sua bolsa no armário 22, e ela trouxe a maleta de cor amarela. Eles subiram os degraus que levavam a um corredor repleto de portas. A chave que Mike recebera era a de número 07, a última porta do lado direito. Ao passarem em frente aos quartos, ouviram gritos e gemidos despudorados, naqueles espaços isolados encenava-se tragicamente a arte da criação. A atmosfera começou a trazer de volta os sentimentos que Mikael vinha buscando esconder, e segurando na mão daquela jovem desconhecida, mas que lhe trazia uma estranha sensação de segurança, Mike entrou no quarto. A sensação de que seu desejo e seu desempenho estavam eclodindo o fazia sentir a ereção pulsando de maneira latejante. A cama parecia ter sido arrumada às pressas, pelo chão, era possível ver guimbas de cigarros. Duas toalhas brancas estavam acomodadas próximas a um criado mudo. Mike já conhecia o padrão daquele serviço tantas vezes utilizado por ele. Evitava as toalhas porque assim também evitaria as micoses.
- Posso tomar banho? Quer dizer... posso tomar banho sozinha? É rápido. Se você não se incomodar...
- Bom, se você não passar meia hora se lavando... - Mike sorriu, percebia no ar o nervosismo que exalava de Lavínia. Se ela não estivesse mentindo (o que pra ele era uma grande possibilidade) seu fim de noite seria no mínimo incomum, se considerava um homem por demais experiente no trato com as mulheres. Tanto com as que ele pagava como com as que não. Teve muitas amantes ao longo do seu casamento. O que o atormentava era ter que usar preservativos e não poder sentir verdadeiramente o prazer que aqueles corpos vazios podiam proporcionar. Talvez com Lavínia ele fizesse algo diferente... queria se reconectar com seu passado... sentia que sentiria verdades através daquela mentira...
- Num se preocupe não... eu num tô com nada de errado não... eu tô limpa... é mania minha... mas se quiser vir, eu deixo...
- Vai menina... eu te espero aqui.
Menina...
Seria ela uma menina pra ele? Mais uma?
Mike lembrou que conhecera Heloísa ainda menina...
Quando Lavínia saiu do banheiro, Mike já estava de cuecas, olhando-a em cada detalhe, ela, apenas de sutiã, havia enrolado a toalha na cabeça, o corpo escultural parecia ter sido modelado em anos de academia, mas era totalmente natural, firme, atrativo... Ela fez um sinal como se pedisse um instante, abrindo sua maleta, retirou um frasco e algo que para Mike pareceu um saco de veludo preto. Despejou um pouco do liquido do frasco na palma da mão e em seguida o espalhou entre as pernas, um cheiro doce e indefinível tomou o ambiente, enquanto se lubrificava, Lavínia rebolava sensualmente acompanhando o som da música que vinha de baixo. Virou-se para Mike e com os dedos, penetrou o próprio corpo repetidas vezes... olhava para Mike com ar sério.
Mike a observou intrigado. De repente, percebeu que já havia criado de maneira definitiva uma imagem daquela garota em seu inconsciente a tal ponto de esquecer realmente da realidade que o envolvia. A ilusão que havia projetado para aquele momento se rompeu quando a jovem pulou na cama e o encarou.
- Agora eu só vou fazê um pedido. - Lavínia falou.
- Diga logo e venha pra cá, cê num tá cismada, tá? Eu pensei que tu tava por fora disso... - disse Mike.
- Você pode metê onde você quiser... mas só pode chupá meu peito esquerdo... e só li digo que isso é coisa de isprito... esse outro peito não é mais meu... se não quisé, a gente desce e eu lhe dou seu dinheiro. - Lavínia falou e em seus olhos já não havia aquele brilho angelical que Mike pensou ter visto ao lembrar da única mulher que amara... do que havia sido inexoravelmente deixado para trás quando a sepultura fora selada... E naquele momento, ele mesmo se dava conta de que por toda vida foi expert em definir coisas e pessoas. O mundo que agora o tragava era parte integral do mundo que sempre existiu dentro dele, do lado de dentro da masmorra onde ele pensou estar seguro.
- Venha... - foi só o que ele conseguiu falar. Pensou que não fazia sentido algum um pedido como aquele naquele lugar.
Lavínia se jogou por cima de Mike e ele fechou os olhos sentindo o perfume fresco que exalava das entranhas da desconhecida. Com as duas mãos ele apertava as nádegas da garota que rebolava enquanto o sentia invadir seu corpo.
- Você não colocou a camisinha. - Lavínia parou por um segundo.
- Eu quero sentir você como você é... eu te pago mais se for preciso...
- Cala a boca. Devagar... isso... vai...- ela falou.
- Caralho... como você é quente... muito quente... porra... - Mike esticava os dedos dos pés ao mesmo tempo em que sua cabeça procurava o rosto da jovem que olhava para o teto com as duas mãos na cabeça. Ele sentia uma vontade irresistível de beijar aqueles lábios de um pálido vermelho. Seu corpo se movimentava num frenético sobe e desce.
- Vai... Mike... assim... isso... - Lavínia gemia e era como se sua voz viesse de muito longe pros ouvidos de Mike.
Mikael, de dentro do corpo que era seu veículo, revivia as memórias dos tempos em que ele ousou acreditar que a vida o estava retribuindo por seus melhores feitos. De olhos fechados, ele sentia Heloísa novamente... tocava seu corpo... as mãos passeando e se deleitando numa realidade impossível... fruto do tempo e de sua verdade fatal...
- Ah... eu te amo... Helô... eu te amo... - Mike desabava enquanto seu ritmo acelerava. Lavínia o agarrava pelos cabelos e com seu corpo acrescentava ainda mais ritmo às batidas estaladas de seus corpos.
- Vai Mike...
Perto de chegar no ápice, Mike segurava com força o seio esquerdo de Lavínia, quando num movimento rápido e não calculado, sua boca encostou no mamilo de seu seio direito... e logo seus lábios engoliam quase por completo a parte do corpo que havia sido proibida por ela antes de iniciarem seu ritual...
Lavínia se contorcia enquanto Mike continuava a carícia... sua expressão era de um prazer inacessível a simples mortais... ela se inclinava para trás enquanto ele acompanhava seu movimento ainda com a boca exercendo uma sucção agressiva misturada a um desejo primal. Lavínia, parecia estar em transe... se aproximou do ouvido de Mike, e sussurrou...
- Eu vou gozar...
Mike delirou ao ouvir o som de sua voz... e levou uma fração de segundo pra que ele se desse conta de que o som que ouvira era tão familiar quanto o som de sua própria voz... a voz, era a voz de Heloísa... não havia dúvidas quanto a isso... mas também não havia explicação para aquilo...
- Mete... mete... seu porco... mete e vai lá na casa da mamãe... mete... vai... mete porra... vai lá na caixa das minhas cartas... - Lavínia estava quase pulando - embaixo da foto da Hildinha e do Miguel no parquinho... tem um negócio pra tu lá... mete... tu num sempre se achou por meter bem? Vai... safado...
E enquanto Lavínia estremecia, os olhos de Mike se abriram com força, seu coração acelerou e uma sensação bastante conhecida se iniciou partindo de baixo... o prazer inevitável que ele sentiria em segundos, se contrastava com o pavor que experimentava enquanto olhava a garota que rebolava cada vez mais rápido... sua mente perdida diante de uma revelação espantosa... o que ele experenciava, era como o presságio de uma dor...
- Vou gozar... Mikael...
- Não... cala a boca!
- Nem eu, nem você... merecemos o Céu... Cuida da Hilda e do Miguel... ah.. ah... Vai! Vai!
Mike a acompanhou... e tudo ruiu entre escombros de êxtase e depressão...
- Sai de cima... por favor... sai... - ele disse.
- Desculpa... - Lavínia falou - eu pedi pro senhor não... - ela começa a chorar.
- Tá de boa, relaxa ae. Eu te bati, por acaso? Então sem choro pelo amor de Deus.
Eles se arrumaram em silêncio.
Mike desceu cambaleante a escada, e sem olhar pra trás nem cumprimentar ninguém, saiu do Coliseu. Quando entrou em seu carro, suas mãos tremiam no volante. Ele dizia para si que iria parar de beber, que iria parar de pagar prostitutas, que iria ser alguém diferente... quem sabe, alguém melhor...
O sol já estava nascendo e ele percebeu que seu coração pedia para que ele desse uma rápida passada na casa que por tantos anos frequentou, não precisaria de muitas desculpas para justificar a visita diante do fatídico momento. Lembrou que a ex-sogra durante o funeral de sua única filha, no dia anterior, o abraçou e disse que sempre torcera pelos dois, mas que Deus sempre sabia o que fazia. Com certeza ela entenderia uma visita inesperada àquela hora da manhã.
E foi o que ele decidiu fazer. As palavras que ouvira da boca de uma prostituta desconhecida que o recebera com o nome de Lavínia, ainda ecoavam em sua cabeça como a sentença de um julgamento. Ele pensava que isso só podia ter sido uma armação que alguém que o reconhecera havia bolado para abalar ainda mais as poucas estruturas que ainda o mantinham de pé. Ou pura loucura.
Quanto tocou a campainha, parecia que já o estavam aguardando. A voz cansada no interfone avisou que já estava indo quando ele se identificou.
- Bom dia, Dona Wilma, desculpa a hora, mas eu não dormi não. Sei que a senhora entende...
- Entre, meu filho. Você será sempre de casa. Manoel tá tomando café, cê toma um cafezinho também?
- Não precisa se incomodar não, eu só quero usar o banheiro e conversar um pouco. Posso?
- Só se você lembrar de dar a descarga. - a senhora visivelmente anestesiada por remédios calmantes ensaiou um débil sorriso e deu as costas em direção a cozinha.
Mike subiu para o primeiro andar aonde lembrava estar a foto enorme dos filhos pendurada numa moldura de estilo clássico, herança dos pais de Dona Wilma. Ela amava os netos. A foto o fazia recordar da fase em que tudo começou a dar certo pra ele, quando o restaurante começou a render frutos.
Quando se aproximou do quadro, um pequeno baú acolchoado com um veludo vermelho estava com seu cadeado aberto abaixo de uma estante com alguns enfeites. Mike se aproximou e viu que nele estava escrito a palavra “TAROT”. Ele levantou a tampa e centenas de cartas estavam espalhadas, algumas com suas faces voltadas para cima, outras para baixo. Mike observou. As palavras de Lavínia voltaram. Num impulso, enfiou uma das mãos até o fundo do baú e buscou encontrar algo... algo que sentia que encontraria... a mão parecia ávida por uma resposta...
Ele toca algo. Algo que não é uma carta.
Mike retira o envelope amarelo das entranhas do mar de cartas que ele vira por muitos anos nas mãos da mulher com quem havia construído uma família, reproduzido vida e vivenciado as agruras do ego em eterna guerra com a natureza do ser. O Tarot respondia o que ela perguntava, mas o que será que ela tanto perguntava? As cartas por muito tempo acalentaram o coração de uma mulher traída e abandonada em seus sonhos... uma mulher a quem Mike tinha roubado parte de uma vida que agora era um... nada... uma ilusão... parte do passado do Mundo... Mikael, havia sido o grande vilão da história dela... sentia-se culpado e não havia como pagar pelo que fizera.
Quando retirou o conteúdo do envelope, a primeira coisa que viu trincou seu bunker ao meio: Heloísa jovem, nua, sorridente, acenava para alguém que batia a foto, mas Mike não se recordava daquele momento... ele olhou a próxima e outra vez ela sorria, dessa vez, segurando um acessório cilíndrico... Mike estava anestesiado diante do que via, continuou passando as fotos e o que viu foi como um golpe preciso do carrasco: Heloísa rodeada por homens nus mascarados... Heloísa tocando seus corpos com o sorriso que Mike tanto admirava... Heloísa sendo penetrada por 3 homens desconhecidos ao mesmo tempo... por dois... Heloísa escancarando sua intimidade com expressão delirante... Heloísa com outra mulher aos beijos... Heloísa com a boca aberta escorrendo um líquido esbranquiçado... as fotos cobriam um grande período da vida dela, Mike percebia pelo modelo dos cortes de cabelo que a ex-esposa usara ao longo dos anos. A tatuagem no ombro esquerdo feita quando ela completou 20 anos não deixava dúvida alguma. Eram mais de 30 fotografias, e cada uma delas foi como uma flecha que perfurara mortalmente o corpo de Mike, que todo trêmulo, deixava as lágrimas escorrerem em profusão... Heloísa não precisava de nada daquilo... mas... por quê... por quê...
Porque eles eram iguais.
Mike desceu as escadas e da mesma forma como saiu do Coliseu saiu da casa da ex-sogra. Na mão, o tétrico envelope contendo o final mais surpreendente para sua história.
Ao chegar em casa, não havia mais nada. Nada que fizesse com que Mike quisesse prosseguir. Ele pegou a pistola nunca usada em seu guarda-roupas. Talvez fosse a melhor hora para inaugurá-la. Mikael caiu na cama, ao seu redor, as fotos espalhadas. Depois de olhá-las longamente por horas, ele as juntou e as atirou no forno do fogão. Tomou um banho e sentou em frente a TV, o que restava de seu coração, destroçado pela ilusão que o vitimara. Mikael dizia a si mesmo que não iria chorar... iria esquecer... morrer... pra renascer...
Pegou seu celular e na agenda encontrou o número de Leila, sua garçonete preferida. Discou e aguardou. Não sabia se o número ainda era dela.
- Alô... - a voz era de sono - Quem é?
- Leila aqui é o Mike, tava aí ontem contigo, tu lembra?
- Oi Mike... acordado uma hora dessa... aconteceu alguma coisa?
- Nada não, só queria te pedir um favor... de coração mesmo...
- Pode falar, se eu puder te ajudar...
- Ontem eu fiquei com uma tal de Lavínia aí, será que você poderia me passar o número dela por favor? Gostei dela... tô querendo tirar ela dessa vida... mas não fala nada pra ela não.
- Sério? De verdade mesmo? Tu num tá bebo querendo tirar onda ou comer a pobre de graça não, né?
- Não, Leila. Tô falando sério. A não ser que ela...
- Pera aí... - Leila fala com alguém afastada do celular.
- Alô? - uma voz diferente assume a linha.
- Lavínia? É o Mike... de ontem... eu queria saber se...
- Sim - ela fala - Eu quero. É só vir me buscar.
- Mas eu ainda não te falei nada. Foi a Leila?
- Não... foram as minhas cartas... elas disseram que você voltaria...
- E o que mais elas disseram?
- Elas me disseram que meu amor me chamaria pelo meu nome de verdade... e você fez isso, Mike... não sei se se lembra...
- Não lembro... mas... qual é seu nome?
- Me chamo Heloísa... não quero que fique chateado porque eu menti... alô? Alô? Mike?
Do outro lado da linha, Lavínia, ou melhor, Heloísa, ouviu um disparo...