CAIXA ? - 1º Episódio - FÉLIX E RENATO SOFREM UM GRAVE ACIDENTE
Era num domingo qualquer do mês de Junho, próximo das festas juninas, e caía uma forte tempestade com ventos pouco velozes, nas redondezas da imensa Fazenda Mattos, situada no Sertão Nordestino. Temos ali uma vasta propriedade, com área extensa superior a 10.000 hectares. Planta-se aqui, principalmente: caju, soja e cacau, além da criação de alguns animais, entre ovelhas, cavalos, galinhas, bodes, e algumas milhares de cabeças de gado. Seu único dono é o poderoso Renato Duarte de Mattos, 46 anos, um dos mais ricos fazendeiros da região, e ele tem como braço direito na administração e manutenção da fazenda, seu capataz e supervisor de produção, Félix Salgueiro.
Renato confia plenamente e, às vezes, lhe pede uma opinião para tomar decisões importantes. Félix, seu funcionário mais antigo, porém, nem imagina que sua amizade com o patrão está prestes a acabar de forma surpreendente. O rico fazendeiro não tem esposa nem filhos, mas está namorando há dois anos a bela veterinária Lúcia Meirelles Fernandes, 38 anos, uma mulher decidida, apaixonada pelos animais e pela vida no campo, mas será um alvo permanente e vítima da crueldade e dos ciúmes doentios de Renato, pois acabará apaixonando-se e encantando-se por outro homem, com quem mantém uma relação sigilosa.
Félix Salgueiro, nosso herói de apenas 32 anos, é o capataz e supervisor geral da fazenda, braço direito dos negócios de Renato Mattos. Félix é um homem forte e alto, moreno claro e sedutor, mas não muito humorado e de poucas palavras, que passa o dia resolvendo os problemas na fazenda, montado na sela do Cometa, um cavalo preto, forte e veloz, portando junto ao peito sua espingarda. Ele sai logo cedo à procura de um animal selvagem, que há tempos está matando as ovelhas na fazenda de seu patrão, provavelmente seja uma raposa ou uma onça pintada.
Cometa toma um grande susto ao entrar numa área de mata fechada, e levanta as patas dianteiras para sinalizar algum perigo à
vista. Félix reage, tenta acalmar o animal, e após muitas tentativas, consegue deixá-lo mais tranquilo, porém ainda agitado depois do que viu dentro da mata. Félix salta da sela do Cometa, apontando a espingarda na direção em que ele pensa estar o motivo do susto do cavalo, mas é surpreendido com um grunhido baixo e agudo pelas costas, e vira-se lentamente para não enfurecer e agitar o animal que o observa, além do Cometa.
- Calma, Félix!... é só uma onça!
Ao perceber que está diante de uma onça pintada com pelo menos 1,5 m de comprimento e uns 100 kg, Félix entra em pânico, enquanto o animal vem aproximando-se dele percebendo todos seus movimentos mínimos. Tensão. O felino abre a boca, mostra seus dentes afiados, e dá um grunhido alto e ameaçador, Félix se prepara para atirar, e decide arriscar tudo:
- (sussurra p/ si) Vamos lá, coragem! Só um tiro... certeiro na cabeça, e tu morre!
Ele destrava a arma lentamente, mas já é tarde demais. A onça percebe o perigo que a ameaça, e avança rapidamente na sua direção, para atacá-lo sem lhe dar chances nenhuma de defesa, mas é alvejada por um tiro originado de algum lugar, e atingida mortalmente no peito. O animal cai de lado no matagal a poucos centímetros do seu alvo, está muito ferido, mas ainda vivo e rangendo com os dentes para Félix!
O caçador olha para a onça, muito assustado, sem conseguir falar nada:
- Quê isso?! Ela ia me atacar, mas eu não atirei! Então...
Um homem sai da mata, e se revela para o capataz:
- Se eu não tivesse visto, você a essa hora já estava virando o alimento desse bicho! E com essa chuva, quase ia passando sem te ver!
Félix, ainda sem entender, aponta a arma para o sujeito que o salvou da morte:
- Quem é você? O que está fazendo nas terras de meu patrão? Fale!
- Abaixe essa espingarda, rapaz!... Não sou nenhum marginal, tanto é que lhe salvei a vida...
- Então, responda!... Quem é você? O que faz aqui, nunca te vi pelas redondezas!
- Calma, posso explicar como cheguei aqui!...
Félix não está convencido da honestidade do seu salvador, e continua a empunhar a espingarda carregada de balas, sem paciência:
- Então, explique duma vez, e sem rodeios... ande logo, to esperando...! Não tenho todo tempo do mundo pra cê não/
- Calma!... Me chamo Ronaldo Xavier, mas todos me conhecem como Naldo, sou de São Paulo, e estou interessado em comprar uma fazenda nessa região!
A chuva começa a afinar, os relâmpagos e trovões já ocorrem com menor frequência. Félix continua a apontar a arma na direção do sujeito desconhecido, e faz mais perguntas:
- Mas isso não te dá o direito de invadir a terra dos outros!... Saia, ou tenho que lhe mostrar como sair de outra maneira?
Ronaldo aproxima-se, desafiando o capataz, e o encara:
- Atira! Vamos, o que tá esperando para terminar com isso, rapaz? Atira em mim!... e você verá as consequências do seu ato arredio!
- (dá risadas/ irônico) Eu podia já ter atirado em você, sabia? Não sei por que ainda não fiz isso!... Presta atenção: eu sou Félix Salgueiro, não tenho medo de nada, nem de ninguém... Muito menos dum mauricinho lá de São Paulo... que acha que vem do quinto dos infernos dar ordens pra mim... é de rir, né não? Vou dizer pela última vez para você: sai ou estouro todos os miolos da sua cabeça!
O sujeito dá meia volta, e resolve se render e aceitar sair dali... Mas pára e, sempre de costas para Félix, arremata enquanto afasta-se do capataz da Fazenda Mattos:
- Nossa conversa ainda não acabou, Félix Salgueiro!... Não tenho medo de ninguém também, mas vou respeitar as terras do teu patrão, mas é claro, enquanto eu não as comprar!... Todas elas, e aí sim, volto para te colocar no teu lugar! Até mais breve!
Félix fica com a arma apontada enquanto o sujeito ainda está próximo, com vontade imensa de dar um tiro pelas costas e matar o invasor, mas não é homem de matar pelas costas, então resolve cumprir sua promessa:
- Não ouse voltar aqui nessas terras, entendeu?... Se eu cruzar com você novamente por aqui, não terá outra chance!
Ele sobe e monta na sela do Cometa, que já está um pouco cansado, e volta para a casa principal, que fica logo na entrada da propriedade. Os urubus sentem o mau cheiro dos restos mortais da onça, e aproximam-se para iniciar o banquete.
Anoitece. A chuva já cessou. e uma belíssima Lua Cheia ilumina o céu sobre a fazenda, com poucas estrelas. Na casa principal, Félix toma banho em seu quarto, e deixa a porta entreaberta. Renato entra no quarto, e chama pelo empregado:
- Félix?!
- Oi, Renato, pode falar!... Tô aqui, no banho!
- Não, fique à vontade, não quero atrapalhar seu banho... era só mesmo pra pedir para quando você terminar, ir até o escritório, quero falar com você!
- Sim Renato, termino daqui a pouco, não demoro!
- Não tenha pressa, estarei lá esperando...
Renato vê algo que chama sua atenção, e aproxima-se da bancada de roupas de Félix: sobre ela há uma caixa de aço, trancada por um cadeado grosso...
- Certo!
Renato estranha a presença do objeto, e tenta abrir o cadeado com uma chave que vê ali nos pertences do capataz, mas acaba se atrapalhando e faz um barulho chamativo, e Félix surge diante dele imediatamente, enrolado numa toalha:
- Você disse que ia para o escritório... O que ainda tá fazendo aí? Há algum problema doutor?!
Renato guarda a chave no bolso discretamente, e vai saindo de fininho, tenso:
- Sim, eu já ia mesmo... É que bati meu braço sem querer nessa caixa! Acho que ela feriu meu cotovelo, vou passar um gelo pra ver... É sua?
- O quê?
- a caixa! Ela é sua, né? Guarda recordações de família, imagino...
Félix sorri, enigmático. Olha para caixa, a examina e pega cuidadosamente no cadeado que a tranca. Depois, vira-se para Renato:
- É uma relíquia que guardo comigo há mais de vinte anos, herança de família... você entende, né Renato?!... Não tentou abrir essa caixa, tentou?
Renato percebe que Félix já sabe que ele tentou abrir o objeto para ver o que tinha no interior dele, e tenta consertar o erro:
- Me desculpe, realmente eu fiz uma coisa muito errada: tentei descobrir o que tinha na sua caixa, mas juro: Não ia abri-la, achei que era uma caixa qualquer, com ferramentas suas do trabalho, mas vi que estava trancada, e desisti... Nunca pensei que você guardasse lembranças de família, do seu passado...
Félix pega a caixa, vira-a de cabeça para baixo, e abre um pequeno compartimento no fundo, onde há uma chave dourada:
- Não tem problema, Renato!... Entendo perfeitamente sua curiosidade, mas pro caso de bater mais um interesse em alguém... Vou escondê-la num local mais seguro!
- Me perdoe pela curiosidade, por favor, Félix! Eu não deveria ter feito isso, estou muito envergonhado disso!... O que posso fazer para reparar?
Félix procura algo embaixo da sua cama, e puxa de lá uma mala: abre e coloca a caixa nela, fechando-a e atirando sobre a cama. Depois, vira-se para o patrão, arrematando:
- Você não precisa se preocupar, ok?... Não estou com raiva, é normal as pessoas terem curiosidade, perguntarem! Quem não tem, né mesmo? Está tudo como sempre foi: o senhor é meu patrão, e eu lhe sou muito grato pelas oportunidades que me deu na vida...
- Você tem certeza? Não está com raiva de mim mesmo? Sou muito curioso, não devia ter metido meu nariz onde não era da minha conta!... Mas o que vai fazer, Félix?... Vai viajar? Não, claro... já entendi... Tá indo embora, não quer mais trabalhar comigo, né? Você está coberto de razões!
- Não, Renato!... Eu não vou embora, imagina! Enquanto você me quiser como seu braço direito, estarei às ordens!...
- Ah!, assim fico mais aliviado!... Obrigado, me desculpe mais uma vez, Félix! Nunca mais entrarei no seu quarto e bisbilhotar suas coisas!
- Eu sei, confio em você, Renato! Mas eu vou acabar com isso, vou levar essa caixa para um lugar bem longe daqui, escondê-la onde apenas eu possa ter acesso! Não é que você não pudesse ver o que tem nela, não estou escondendo nada, entende? (risos) Não cometi nenhum crime, não tenho nenhum segredo... são apenas recordações de famílias mesmo: fotos, algumas joias antigas, e outras coisas, enfim... nada disso interessaria pra você, são só bobagens!
Renato cumprimenta Félix com um aperto de mãos, e lhe dá um abraço forte e alguns tapinhas nas costas:
- Você é meu melhor funcionário, e um grande amigo! Não ia me perdoar nunca se perdesse sua confiança e sua amizade, Félix! Você me ajudou a construir isso tudo aqui... Essa fazenda não existiria se eu não tivesse tido sua ajuda em tudo! Sou muito grato, e parte dessas terras serão suas um dia, porque eu... eu
- Pára com isso Renato, você vai viver muitos anos ainda... (grita) Doutor...
Renato passa mal de repente, sente falta de ar e uma forte dor no peito, ele cai sobre Félix, que fica em pânico, sem saber como agir, segurando-o pelo braço:
- Seu Renato... Está me ouvindo? Pelo amor de Deus, não vai ter um treco aqui, hein!... O que você tá sentindo?
- (ofegante, cansado) Eu... não con-si-go... respirar... di-reito!... Liga pro Dr.Fontes... meu médico!
Renato desmaia nos braços de Félix, que o coloca deitado na cama... Enquanto sai para pedir ajuda às empregadas da casa.
- Meu Deus do céu!... Ei, alguém rápido, aqui no meu quarto!... Dr. Renato está passando mal, ele desmaiou!...
D. Chica, 72 anos, uma simpática senhora de cabelos brancos e curtos, branca e de baixa estatura, é cozinheira da Família Mattos há mais de quarenta anos, entra no quarto de Félix e vê o patrão desacordado sobre a cama dele, fica logo desconfiada do capataz:
- O que você fez com Dr. Renato, seu moleque?
Félix fica tenso, olhando para a mala ao lado de seu patrão:
- Eu não fiz nada Chica, ele estava conversando aqui comigo, e sentiu-se mal de repente, começou a falar umas coisas, nem entendi direito, e desmaiou! Liga pro Dr.Fontes, é médico dele, tem que ser rápido! O Renato tá passando mal, ele pode morrer!
Chica estranha a forma como Félix se referiu ao patrão:
- Que maneira desrespeitosa é essa agora de chamar seu patrão: "O Renato tá passando mal"... Ele tem problema no coração! Vou ligar pro Dr. Fontes, mas não sei se vai dar tempo dele chegar aqui na fazenda... O que você disse para ele? Não pode tá emoções fortes, nem grandes surpresas ou sustos! O que vocês conversaram?
- (toma uma decisão) Ele é meu amigo além de patrão, eu não posso deixá-lo morrer assim, sem prestar socorro!... Por isso, ele me permite chamá-lo apenas pelo nome, sem "Senhor ou Doutor"... Vou levá-lo na minha caminhonete até a cidade, lá eu vou para o hospital público, diz ao médico dele que vá imediatamente para o pronto-socorro! Entendeu? E não se meta também na minha vida particular, garanto que o assunto do qual estávamos falando aqui jamais iria causar qualquer problema de saúde no "Dr.Renato"... pra você!... Porque pra mim, é só Renato!
- Está bem, vamos deixar de conversa fiada... e vá logo levar teu patrão para cidade!... É bom colocar uma erva para ele cheirar enquanto chega ao pronto-socorro...
- Lá vem você de novo com suas ervas idiotas!
Chica aproxima-se de Félix e lhe dá uma bofetada na cara:
- Nunca mais se refira às minhas ervas nesse tom, seu moleque... Já disse, que não sou nenhuma bruxa...
- Tá, desculpa aí, d. Chica! Não quis lhe ofender, só não acredito nessas coisas, é isso!...
- Cala sua boca!... Eu tenho uma sabedoria antiga, passada de mãe para filha... você não sabe de nada da natureza!... O poder das plantas medicinais... Conheço uma ótima para aliviar o problema dele, vou pegar ali... ela serve para amenizar e retardar o processo de infarto, mas não tem efeito por muito tempo...Tem que ir logo, depressa!
Chica sai, e Félix aproveita para vestir sua roupa, fecha a porta. Passados alguns minutos, Chica entra com uma chaleira contendo o chá da erva, e um pano molhado amarrado na asa...
- É muito simples... Você só precisa molhar esse pano aqui, e passar sobre o peito dele, massageando-o, vá conversando o tempo todo com ele, não deixe o doutor perder os sentidos... Faça isso até chegar ao hospital da cidade! Vá, o que tá esperando?
Ele sai, colocando o braço de Renato envolto sobre seu ombro, e leva-o até a frente da casa. Lá, Chica abre a porta do carona, e Félix acomoda o patrão no banco, coloca o cinto dele, e a chaleira ao lado, e bate a porta... Vira-se para Chica, jogando a mala que estava sobre a cama na caçamba da caminhonete:
- Liga agora para Dr. Fontes!...
- Já liguei, Félix! Vá logo, senão o patrão pode não chegar vivo com essa sua lerdeza!
Ele resmunga:
- (risos) Velha encrenqueira!... Um beijo pra senhora também!
Félix entra no carro, liga o motor, e dá partida. No interior do veículo, ele conversa com Renato, que está desacordado:
- Renato, meu amigo, aguenta firme aí!... Logo vamos chegar no hospital e você será socorrido!... Ele sente o pulso no punho e sorri: ele tá vivo, graças a Deus!
Renato abre os olhos, fragilizado, olha em volta, percebe que está dentro de um carro em movimento, e vê Félix na direção:
- Para onde você tá me levando?,... O que houve Félix?
- OI, Renato, ainda bem que acordou!... Você passou mal, não lembra?
- Ah!, acho que sim, e pra onde iremos?
- Para a cidade, estamos indo para o hospital encontrar seu médico, Dr. Fontes, né?
- Ah, entendi... Não precisa, já estou me sentindo bem, só senti um mal estar... (vê a chaleira) Quê isso? Uma chaleira!... Isso é invenção da D. Chica, acertei?
- Exatamente, não bebe isso!... vai lá saber o que essas ervas fazem no nosso organismo!... (ri, debocha) Ela queria que eu molhasse esse pano e massageasse em seu peito, imagina,né?... Eu sei muito bem que você nunca acreditou nessas ervas, assim como eu também não acredito! E aí, vamos fazer o quê? Ainda quer ir ver seu médico no hospital?
Os dois riem, misteriosos. Um carro vem ultrapassando outro na direção oposta e avança violentamente contra a caminhonete de Félix. Um impacto violento dos dois veículos faz o carro capotar várias vezes, até que para com as rodas pra cima.
Renato, no interior do veículo, preso ao cinto, está muito ferido, e com um pedaço de vidro cravado em sua perna, sente muita dor e sangra bastante. Longe do veículo, debruçado sobre os capins, Félix encontra-se com o rosto completamente irreconhecível, sangrando muito na cabeça e quase desmaiando... Ele vê uma fumaça que sai do veículo e grita:
- Não, não, não! Sai daí, Renato!... Cuidado, o carro vai explo/
O carro começa a pegar fogo, e em poucos segundos, Félix rasteja-se com dificuldade em direção ao carro para tentar tirar Renato de lá... Mas o carro explode, o corpo de Renato voa pelos ares e cai a vários metros de distância de Félix. Ele sofre ao ver o que aconteceu com o amigo, e desmaia.
Ambulâncias chegam ao local, e o colocam sobre a maca, saindo às pressas para a cidade. Em meio aos destroços do veículo, a Caixa de Aço com uma imensa figura do ponto de ? na sua parte inferior, guardada com tanto cuidado por Félix, manteve-se intacta após a explosão do carro, sem qualquer impacto.
Um carro de luxo aproxima-se do objeto, pára. Alguém salta, abaixa-se e pega a caixa usando uma luva para não deixar suas digitais, entra no carro novamente, que dá partida e desaparece na estrada, levantando poeira...
e a história da CAIXA ? continua...
FIM DO 1º EPISÓDIO