O VULTO
O ruído estranho me despertou em alta madrugada. Levantei devagar. Pensei que fosse o gato, mas logo esbarrei no rabo peludo do bicho dormindo sobre o tapete do quarto. Abri a porta com o coração disparado. O som cessara, mas mesmo assim eu me mantinha em alerta. A luz acesa da sala me tranquilizou até eu reparar que a cadeira estava torta. Não era daquele jeito que eu a havia deixado antes de ir para a cama horas antes. Logo após tê-la colocado no lugar, percebi algo estranho no prédio vizinho. Uma sombra me observava dois andares acima. O vulto estava próximo a janela e não dava para distinguir se era homem ou mulher.
Outra vez o barulho. Vinha da cozinha. Fiz força para as minhas pernas saírem do lugar de tão moles que já estavam. Empurrei a porta com o pé e apertei o interruptor para acender a luz. Foi tudo muito rápido. Gritei.
Um morcego desgovernado passou voando por mim, esbarrando seu pequeno corpo justo no meu rosto. Me debati, apavorada, respirando com dificuldade. O bicho voou para a sala, mas a luz era sua maior inimiga. Desorientado, ele dava voltas em círculos pela sala em meio aos meus murmúrios nervosos. Entre esta confusão toda, o vulto permanecia na janela. Distingui, entre a escuridão do ambiente em que ele estava, dois fachos amarelos.
Seriam... olhos?
O morcego me atropelou de novo e eu gritei. Apaguei a luz na esperança de o bicho se acalmar e encontrar a saída pela janela que eu acabara de abrir. O vulto desaparecera. Suspirei, aliviada. O morcego, enfim, saiu janela afora e eu a fechei no segundo seguinte. Fiquei parada junto às cortinas, respirando fundo, tentando me acalmar. Eram 3:30 da manhã. Eu precisava dormir, meu dia seria cheio.
Espreguicei-me em um bocejo alto. Alguma coisa roçou na minha mão. Virei para o lado bem devagar. Aqueles dois olhos amarelos estavam sobre mim.