ANJO AZUL
Ana era uma mulher muito bela, de porte elegante e extremamente inteligente. Conceituadíssima escritora e nome proeminente no meio acadêmico. Seu esposo, Charles, não a via assim. Tratava a esposa com menosprezo o tempo todo. Depois que Ana passou a frequentar uma igreja e a se dedicar a sua vida religiosa, Charles passou a diminui-la ainda mais. Falava mal do seu sorriso, lhe chamava de magrela e colocava defeito em tudo que fazia. Ela já estava ficando deprimida com aquela situação. Acreditava, porém, que Deus podia mudar aquele quadro. Enquanto isso não acontecia, Ana mantinha a sua condição de esposa fiel e comprometida como sempre foi. O destino, porém, começou a reescrever aquela história. Charles, inesperadamente, foi acometido por um câncer no fígado, fato que entristeceu toda a família. Por conta disso, iniciou um tratamento no Hospital do Câncer, referência nacional no tratamento dessa doença. O hospital distava cerca de duzentos quilômetros de sua residência e Ana não estava acostumada a dirigir em rodovias movimentadas. O trânsito em sua cidade, no interior, era bem mais tranquilo. Não obstante, Ana se prontificou a realizar a condução do esposo. As primeiras semanas foram mais tranquilas, Charles ainda estava bem, conversava, brincava e se tornou sua melhor companhia. O relacionamento que antes estava por um triz, foi revigorado e melhorava a cada dia. Com o passar do tempo e a relativa piora do estado de saúde de Charles, as viagens passaram a parecer mais pesadas. Charles estava debilitado e mal conversava. O sentimento de medo cresceu então e Ana passava toda a viagem tensa e insegura. Sempre que precisava passar pela região da baixada fluminense passava mal. Sentia dores de cabeça, azia e queimação no estômago. Sua pressão baixava e a sudorese causava-lhe a sensação de desmaio. Era um trecho muito perigoso, conhecido como “rota do terror”. Bandidos armados com armas de guerra aterrorizavam os condutores que passavam por ali. A maior parte dos assaltos acontecia durante a noite. Geralmente, em trechos com pouca iluminação ou nos trechos onde a pista se encontrava mais precária e obrigavam o motorista a diminuir a velocidade. No trajeto não tinha sinal de telefonia e nas chamadas áreas de sombra, celulares e rastreadores não funcionavam. Todos esses fatores tornavam essa viagem extremamente perigosa. Certa vez, quando retornavam do Hospital, Ana decidiu acelerar um pouco para evitar passar pela “Rota do terror” à noite. Infelizmente, sua pressa tornou-se muito prejudicial. Por distração, Ana acabou errando o ponto de acesso à Serra e dirigiu por vários quilômetros no caminho errado. Ao cair da noite se deu conta de que errara o caminho e não tinha a menor ideia de como efetuar o contorno. A via estava muito escura. Sem nenhuma iluminação e completamente deserta. Para piorar a situação, Ana acaba se dando conta de que o pneu dianteiro estava furado e necessitou estacionar o veículo. Foi tomada imediatamente por um pânico funesto. Charles, apesar da sua condição tentava acalmá-la, mas não tinha muito o que fazer. Ana nunca trocara um pneu, sequer sabia onde se encontrava o estepe. De repente, uma luz brilhou na penumbra da noite. Parecia um veículo se aproximando. Naquele momento foi tomada por um misto de alívio e medo. Sabia que podia ser a ajuda que tanto almejava, mas temia que fossem homens maus. Quando o veículo aproximou-se, enfim, cessou a dúvida. Um veículo de passeio de cor escura, com cinco homens em seu interior, todos trajando toucas pretas. Malvestidos e mal encarados. Tudo remetia aos estereótipos de criminosos. Passaram por eles em velocidade muito reduzida. Nada falaram. Os ocupantes do veículo apenas fixaram os olhos neles, numa clara demonstração de sondagem. Mas, por sorte, seguiram um pouco mais à frente. Ana temia que retornassem e atentassem contra eles e desabou em lágrimas. Charles tentou confortá-la e confidenciou que estava orando a Deus e suplicando o seu socorro. Ana sentiu-se revigorada vendo a transformação que correra na vida do esposo e se sentiu até um pouco mais aliviada. Mais um poucochinho e o farol voltou a reluzir. Parecia que estavam retornando. Mais uma vez a tensão os dominou. Na medida que aquela luz se aproximava a apreensão aumentava. Os nervos ficaram sem controle e um grande nó na garganta dificultava-lhe a respiração. De repente outra luz se acendeu, uma luz vermelha e intermitente. Não teve dúvidas. Era uma viatura policial. Um enorme jipe azul e branco. A sensação de alívio e de gratidão a Deus se apoderou deles. Os militares se aproximaram e ofereceram ajuda para trocar o pneu. Deram ciência do grande perigo que corriam ali, mas, ao mesmo tempo, passaram toda a tranquilidade de que precisavam. Em seguida, ofereceram escolta até um ponto mais seguro da rodovia. Assim foi a viagem de volta, Ana observava no retrovisor do seu veículo o brilho do giroflex, acendendo e apagando como o pulsar do seu coração até que ele inexplicavelmente desapareceu. No dia seguinte Ana e Charles fizeram questão de proceder até o posto de polícia para agradecerem a gentileza. Para a surpresa de ambos, o oficial lhe garantiu que nenhuma viatura fora deslocada para aquela área. Não havia possibilidade nenhuma de adentrar em um local de tamanho risco com uma única viatura. Foi incisivo em afirmar que não dispunha de nenhuma viatura tipo jipe. Por fim, verificou o sistema de monitoramento da via e verificou o momento em que o veículo de Ana trafegava sozinho, razão pela qual demonstraram não acreditar muito na versão de Ana. Ao contrário do que poderia parecer, eles saíram dali ainda mais felizes. Com a convicção plena de que os anjos do Senhor acampam-se ao redor dos que o temem, e os livra. Certos de que anjos existem. Anjos azuis.