Dr. Augusto

O jovem Augusto é um daqueles intelectuais da escola. Sempre gostou de estudar. Não media sacrifícios. Passava várias horas do dia estudando. Não gostava de Matemática, nem mesmo da Língua Portuguesa, porém se esforçava ao máximo para tentar entendê-las um pouco. Já de Literatura ele sempre gostou. Leu todas as obras de Machado de Assis, José de Alencar. Muitos poetas ele gostava. Às vezes ensaiava escrever alguns versos, mas os jogava fora. Não tinha talento, segundo ele, para escrever. O que mais ele gostava era de Biologia. Células, sistemas reprodutores, biologia humana, nome de músculos, de ossos, de veias, enfim, era isto que ele sempre foi fã. Na escola, sempre foi o melhor aluno em Ciências e se destacando na Biologia. Tirou as notas máximas nas avaliações, contudo ficou em recuperação por várias vezes em Matemática, Português e Física. Só não foi reprovado em alguns anos nestas cadeiras, porque houve a intervenção da madrinha, que era supervisora da escola.

O tempo foi passando e Augusto sempre se destacando nos estudos. Fez vestibular e foi aprovado no curso de medicina. Não quis escolher a veterinária, mas dizia que seria um ótimo médico. Queria especializar em cardiologia, cirurgia, sanitarista, enfim, eram tantas as especialidades que ele especializou em cardiologia e cirurgia em geral.

Muito respeitado no meio acadêmico. Fez carreira sendo o chefe de cirurgia de um importante hospital. Foi também professor na faculdade federal e muito brilhante. Os textos dele sempre eram uma dúvida. Não tinha o dom de escrever, mas a esposa fazia todas as correções. Ela era professora de Língua Portuguesa e os dois se conheceram na faculdade. Casaram-se. Tiveram dois filhos. Eles estão estudando, mas nenhum deles quis seguir a profissão do pai. Um quis ser pecuarista e o outro, um pouco mais dedicado, está estudando a Física, o terror do pai.

Augusto sempre dedicou ao trabalho. Nas horas vagas estava perto da família, mas sempre precisava atender emergências e a vida sempre corria as mil maravilhas. Muito bem financeiramente, viajou muito a trabalho, a passeio e gostava muito de fazer caminhada nas matas, nas serras e parques. Dedicou-se, nas horas vagas, à pescaria. Muitas viagens ao Pantanal e até pescarias internacionais.

No trabalho, sempre estava dedicado. Quando perdia um paciente por morte, ele ficava desconsolado e muito triste. Chorava e ficava muito abatido. Não ia aos velórios e nem mesmo passava perto de funerária ou cemitério. Não definia o que seria a morte, mas sempre definia que a vida é o melhor dom de Deus. Deus deu o maior presente para os seres vivos: Viver e ser feliz. Esta frase era pintada no quadro, que ficava no consultório.

Um dia, precisou ser chamado às pressas para atender o sogro, que estava passando mal. Foi, mas não chegou a tempo e o homem morreu. Quando chegou, encontrou a esposa, os filhos, a família, os parentes e outros que ali estavam. Demorou para chegar e se recusou a fazer o diagnóstico. Foi preciso chamar outro médico, filho do defunto, para assinar o atestado de óbito. Era assim, não gostava de ver mortos.

Certa vez, ele foi a um hospital para realizar uma cirurgia. Fez a referida cirurgia e se perdeu no hospital. Entrou em uma sala e se deparou com três defuntos, todos ali esticados, que foram vítimas de um acidente automobilístico. Olhou, começou a gritar e saiu correndo. Deu uma trombada em uma paciente anciã e a derrubou. O resultado foi uma perna quebrada e ele bancando todo o tratamento da anciã. Sempre era assim. Consultava, fazia as cirurgias, mas tinha o maior medo de ver defunto.

A cunhada, já sabendo deste problema dele, quis fazer várias seções de psicologia com ele, mas ele se recusava e dizia que jamais queria pensar em morte. A morte, dizia ele, é uma invenção da humanidade. Eu não consigo ver uma pessoa morta, eu não consigo acreditar que depois de tantos anos de vida, de tantos anos tratando com um médico, o paciente morra. Isto não entra na cabeça enquanto eu existir.

Ministrava várias aulas, cursos e um destes cursos, um participante lhe perguntou sobre a morte. Então a resposta dele foi:

- Meu jovem aluno. Aqui não se fala em morte. Aqui se fala em vida, em salvar o cidadão por onde ele esteja bem perto de acabar. Uma cirurgia bem feita é o milagre que Deus pôs em nossas mãos. Pensem todos, que o importante para nós é a vida. Ver alguém sorrir após ser curado de uma enfermidade é a mais pura emoção. Ver o valor monetário de nosso trabalho e colocar na consciência que combatemos o bom combate. Pensem sim na vida e não nesta palavra que não vou citar, mas não a diga mais aqui neste congresso.

Foi muito bem aplaudido, mas não gostava de falar em morte. A vida, para ele, era o melhor dom.

Em um dia, após o plantão cirúrgico no hospital, já de saída, encontrou com um enfermeiro que conduzia um paciente deitado na maca. Não se conteve e foi logo pegando a cabeceira do carrinho para ajudá-lo. Tinha uma rampa e Dr. Augusto estava na frente segurando. Andando sempre rápido, o enfermeiro não conseguia alcançá-lo e o próprio Dr. Augusto quem o conduzia. Apressado perguntou ao enfermeiro:

- Amigo, para qual quarto vamos?

O enfermeiro, não sabendo de nada, pois era novo no hospital, disse:

- Doutor, vamos levá-lo para o necrotério. Ele morreu há pouco. A funerária o espera lá embaixo.

Dr. Augusto não se conteve. Saiu da frente e virando o rosto, soltou a mão e o carrinho desceu velozmente a rampa, indo chocar-se na parede. O impacto foi forte que o defunto caiu e saiu rolando rampa abaixo.

O tempo foi passando e sempre Dr. Augusto tendo medo de defuntos. Os amigos morreram e ele jamais comparecia.

Certa vez, quando já se preparava para a aposentadoria, foi passear na fazenda do filho, em uma pequena cidade de Minas Gerais. O dia estava bonito e o sol estava muito forte. Feliz com a nova camioneta, ele se dirigia tranquilamente, mas a tranquilidade foi chegando ao fim, quando subia a uma rua, deparou-se um enterro de um político. Ficou traumatizado e resolveu dar marcha a ré e bateu na viatura da polícia. Quando os policiais desceram, Dr. Augusto saiu correndo, mas não corria dos policias, mas corria de medo do enterro. Foi difícil para esposa dizer que ele tinha medo. Pagou as despesas e não mais quis voltar à fazenda.

Já no fim de vida, ele, um dia, ligou para mim e disse que tinham muitos casos para me contar. Porém, quando cheguei à cidade dele, fui informado que ele havia falecido. Fui ao velório dele. Cumprimentei a família e o vendo ali, dentro do caixão, lembrei-me dele. Se ele estivesse vivo, ele dizia:

- Não vou a meu enterro, nem que o galo cante.

Quando pensei isto, ouvi o cântico de um galo lá longe, em sua cidade natal.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 21/04/2020
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