O INVASOR

Linha vermelha do metrô. Estação Guilhermina Esperança. 6h30 da manhã. Segunda-Feira. Zona Leste de São Paulo.

- Poxa, Souza! Como você deixou ele passar?

- Não fui eu, Márcio. Deve ter sido fora do meu turno.

- Tá. Mas disseram que ele entrou por volta das 06h. Não é seu turno?

- Claro que é, Márcio. Só que eu não trabalho aqui sozinho, lembra?

- Mas VOCÊ é o chefe da segurança, caramba! Você que devia…

O alto falante transmitiu uma voz interrompendo a conversa:

"Atenção passageiros! Devido à uma invasão no metrô, os trens estão circulando com a velocidade reduzida."

Nesse momento muitos dos usuários do metrô estranharam o comunicado e conversavam entre si:

- Lá vem. De novo… pera. Invasão?

- Invasão de quê? De quem?

- Eu hein. Deve ter sido alguém que se jogou na linha.

- Eu ouvi INVASÃO, mãe. Não atropelamento.

-Ai Jesus! Será que é um homem-bomba?

- Vish. Logo hoje que eu tenho consulta… e meu hospital fica na casa do chapéu.

- Esses guardas aí não valem o que o gato enterra mesmo, hein. Invadiram o metrô e agora estão com essas frescuras. Quem se lasca com o patrão depois sou eu.

- Tô dizendo. Essa linha vermelha é uma bosta! Como já dizia o Alborghetti lá:

"Todo o dia tem uma mer…"

- Cara… na moral… esse governo quer ferrar com tudo…

Enquanto eles falavam sobre o assunto e outros filmavam com seus celulares (alguns com um sorriso no rosto), os guardas Márcio e Souza recebiam um chamado em um dos seus rádios:

- Chefe Souza?

- Positivo. Na escuta, agente Ronaldo. Qual a situação aí na estação do Tatuapé?

- Eu acho que ele está perto da estação Belém.

- Cacilda! Mas já? Como ele chegou aí? Alguém viu ele?

- Não sei, mas os funcionários do metrô disseram que um vagão começou a ter tumulto e muitos saíram correndo pra fora.

- Isso foi que horas?

- Agora, chefe.

- E onde você estava que não viu isso, Ronaldo?

- Senhor… ontem inventei de comer uma feijoada. Aí hoje pela manhã...

- Argh! Tá ok. Já entendi. Estamos à caminho. Entre em contato com os outros agentes das demais estações. Não podemos deixar ele fugir. Se ele chegar na estação central da Sé, vai ser um alvoroço infernal.

- Ok, chefe. QTCPG.

- Que?

- Nada. Nada. Positivo.

Márcio e Souza que estavam na estação do Guilhermina Esperança da linha vermelha do metrô, entraram num vagão e se dirigiram até a Vila Matilde, a próxima estação. Ao desembarcarem, um cheiro de podre estava do lado de fora.

- Ele passou por aqui. Certeza.

Viram que no chão havia rastros de sujeira, pegadas com lama e um pedaço de fone de ouvido também.

Esperaram o próximo trem e desceram na estação da Penha. Por lá tudo parecia normal.

- Ele não desceu por aqui, Márcio.

Os dois agentes do metrô embarcaram em mais um trem e desceram na estação Belém. Por lá o chão estava repleto de manchas de lama e muitas pessoas se recusavam e estação estava lotada do lado de fora. Alguns usuários comentavam entre si:

- Cara, eu nunca vi um negócio desse não.

- Nem eu. Como é que um negócio desses entrou aqui?

- Sei lá. Vai ver um louco jogou ele aqui.

- Mas no metrô? Logo no horário de pico de manhã em plena segunda-feira?

-Ai, meu Deus - dizia uma mocinha - estragou a barra da minha calça todinha. Como é que eu vou trabalhar assim? Que cheiro horrível!

Nesse tempo os agentes Márcio e Souza tentavam localizar de onde as manchas vinham. Perceberam que elas saíam do espaço do vagão do meio da estação e iam se arrastando em poucos rastros até os primeiros do canto esquerdo.

- Márcio?

- Que foi, Souza?

- Na sua opinião, quais são os primeiros vagões?

- Os que estão atrás do condutor, ué.

- Engraçado. Eu sempre contei o primeiro a partir do último que entrava na estação.

- E o último vagão você acha que é qual?

- Não sei. Depende por onde desço. Se eu descer pela direita, então o primeiro vagão é...

- Vem cá. E o que essa conversa tem a ver com nosso objetivo, Souza?

O rádio de Márcio chamou. Era da estação da Mooca, responsável pelo agente Cavalcante:

- Na escuta, Cavalcante! Qual a situação?

Do outro lado da linha se ouviam ruídos e muito barulho de vozes. O estagiário Danilo quem falava:

- Agente Márcio, ele acabou de passar por aqui. O vagão esvaziou completamente!

- Quem tá falando?

- Danilo, senhor. O estagiário da SSO.

- E cadê o agente Cavalcante?

- Ele desceu pra verificar e deixou o rádio comigo. Pra comunicar o senhor.

- E esse barulho? O que está acontecendo aí?

- Parece que ele entrou nos vagões e atacou algumas pessoas. Lá embaixo tá cheio de gente que fugiu do vagão.

- Meu Deus, Daniel. E as pessoas? Alguém ficou ferido?

- Eh… é Danilo, senhor.

- Alguém ficou ferido? Responda!

- Não. No momento não. Só algumas calças rasgadas. Mas muitas pessoas estão assustadas, pois nunca viram isso. Eu mesmo nunca vi.

- Ok. Estamos a caminho.

- Eeehh. Senhor Márcio, posso fazer uma pergunta?

- Faça logo, filho! Não temos tempo a perder!

- Quando vocês o virem… vocês vão atirar nele?

Márcio fez silêncio do outro lado da linha

- Não sei. Se ele for um perigo para os demais passageiros, podem ser necessárias medidas drásticas. Alguma coisa a gente tem que fazer.

- Mas vão atirar nele?

- Oh, Douglas! A gente é agente de metrô. Não policial. A gente não trabalha com revólver. Como é que eu vou atirar? Com o dedo?

- Ee… é Danilo, senhor.

- Tá. Tá bom. Já estamos a caminho.

Márcio e Souza correram para pegar o trem que chegava em direção a estação da Mooca. Entraram em contato com a central das estações Brás e Pedro II para que os trens circulassem ainda com maior lentidão para chegassem a tempo.

Descendo na estação do Brás, todos os vagões foram esvaziados. Os agentes que já estavam por lá se juntaram a Marcio e Souza vasculhando vagão por vagão. Em um localizaram pegadas.

- Márcio, vamos pegar o trilho alternativa. Que vai por fora da linha das estações.

Ambos entraram no metrô com apenas o condutor e eles e foram por fora das estações. Enquanto se dirigiam para a estação central o rádio de um dos agentes chamava:

- Socorro! Enviem reforços! Urgente!

A voz era feminina

- Souza na escuta. Qual a situação?

- Vocês precisam ver isso. Ninguém conseguiu segura-lo. Ele escorregava das mãos de todos. Parecia ter mais força que nós.

- Mas o que aconteceu? É você, agente Yasmin?

- Positivo. Só eu estava cuidando dessa estação, foi quando o trem chegou e o invasor desceu expulsando todo mundo que estava em um vagão. Eu tentei conte-lo sozinha, mas ele é muito rápido, muito forte e fede muito. Que horror. Quase me mordeu.

- Estamos indo para a Sé, a estação central. Mande paralisar todos os trens agora e só reativem ao nosso comando.

Márcio e Souza chegaram até a Sé, estação essa que além de ser a principal de toda a linha vermelha, fazia baldeação para a linha azul. Aquela estação era cheia por suas muitas escadas, acessos e amplo espaço sempre repleto de gente. Era exatamente 7h00 da manhã.

Um trem que saía do Pedro II, estação anterior a Sé, chegou. Os agentes pediram aos gritos para que ninguém embarcasse e todos se afastassem das entradas dos vagões.

Quando as portas se abriram, o caos se instalou.

Uma multidão se empurrava e tropeçava uns nos outros ao tentar sair de dentro de um vagão que exalou um odor fortíssimo. Na mesma hora, um enorme porco gordo e rosado com manchas de lama por todo o corpo saiu correndo e grunhindo.

- Olha o invasor ali! - gritou Souza.

- Pega! - Márcio corria junto com seu companheiro.

O porco subia e descia as escadas rolantes trombando em muitas pessoas. A estação ficou repleta de lama. O animal corria passando por entre a multidão que se alvoroçava de todos os lados.

Os agentes chamaram reforços e ordenaram pelo rádio para que nenhum trem circulasse mais até que prendessem o porco, que mais parecia ter a força de um touro bravo do que de um porco.

Nessa estação haviam dois policiais que chegaram e apontaram suas armas para atirar no porco:

- Vocês estão loucos? - gritou o agente Márcio - vão acabar acertando um inocente! Abaixem as armas!

- E vamos deter esse animal como? - questionou um policial.

- Vai ter que ser no braço.

Souza corria como uma criança atrás do porco que grunhia alto. Não parecia um agente correndo atrás de um homem perigoso, mas uma criança de fazenda brincando com seus animais.

Alguns usuários do metrô se uniram para pegar o animal, que driblava a todos e de alguns escapava pela força do seu sacudir, ou pela mordida, enquanto outros filmavam pelo celular a cena inusitada de um porco correndo no metrô em horário de pico.

O porco pulou os trilhos e correu pelo túnel da estação. Os agentes Marcio e Souza junto de um grupo de mais vinte homens pularam também e saíram correndo.

- Porco desgraçado! - vociferou Márcio.

- Uma hora ele cansa! - Souza falava enquanto corria ofegante.

A multidão seguia correndo atrás do animal pelos trilhos vazios do metrô. Por fim o porco saiu dos trilhos indo em direção à rodovia, pulou uma grade e invadiu a pista, sendo bruscamente atropelado por um caminhão que passava na mesma hora.

No dia seguinte, Márcio e Souza conversavam sobre o ocorrido:

- Cara, aquele porco deu canseira, viu? - Souza dizia.

- Deus me livre! Isso porque só foi um.

- Pode crer. Se um já foi difícil de pegar, imagine se fosse uns três.

- Ainda não me entra na cabeça como é que ele entrou. - falava Márcio enquanto ajeitava seu cinto de agente de metrô.

- Uma coisa é certa, Márcio, todo o mal que entra sem explicação, da mesma forma ele pode ir embora.

- Huummm...

- É verdade. - Souza filosofava - pensa bem. O porco fez uma bagunça, mas fez com que muitos nos ajudassem... percebemos as falhas da segurança. Você não acha que um alvoroço desses teve lá seus benefícios?

Márcio abaixou a cabeça. Lembrou de toda a correria e da possível bronca que levariam do chefe de ambos por terem deixado um porco entrar na estação. Colocou a mão no ombro do amigo:

- Tá bom, Souza. Esquece esse papo. Vamos trabalhar que é melhor.

(Para entender melhor esse conto, pesquise sobre o mapa ferroviário e as linhas de trem e metrô do estado de São Paulo).

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 16/04/2020
Reeditado em 16/04/2020
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