PROIBIDO CONTAR PIADAS

Escrevo estas memórias para que as futuras gerações recordem a minha triste lida. Para quem está lendo essas anotações, estou agora em meu cárcere, aguardando o meu desfecho. Recebi sentença de morte pelo meu crime terrível, e daqui a alguns minutos meu executor virá me tirar desta existência. Não deixarei o leitor dessas lembranças no escuro, e nem mesmo sem as devidas explicações; eu cometi um crime, mas não sou um criminoso, injustamente vou para o matadouro. Meu pecado foi querer trazer alegria ao mundo, trazer brilho para os semblantes decrépitos da minha terra materna. Recordo tão saudosamente da minha infância, quando desde menino eu contava piadas, e era veemente repreendido. Mamãe dizia:

— Moleque! Você sabe que é proibido contar piadas.

— Por quê? — Eu perguntava na ingenuidade de criança.

— Porque a Lei assim determina, somos um povo sério, e não dado a brincadeiras.

Desde cedo fui arduamente reprimido pelo meu bom humor, minhas travessuras e querer a todo custo ver um sorriso brotar nos rostos daquelas pessoas tristonhas. (Preciso apressar-me com este relato, pois o carcereiro acabou de me informar que a próxima execução é a minha). Enfim, já cansado de tanto ser amordaçado, e de ver tanta desolação, enchi-me de coragem e cometi a transgressão que me trouxe a esta cela. Numa dada tarde, fui até o centro da minha cidade, e gritei a plenos pulmões a minha fatídica anedota, que segue transcrita da seguinte maneira no meu processo judicial:

“No dia 21 de abril, o réu contou, em praça pública, uma piada; tal crime é passível de pena máxima instituída por Lei. A ofensa proferida pelo condenado, de caráter subversivo, foi: — Certa vez, um estrangeiro, dono de um circo, chegou numa cidade. Apressado, foi logo ter com o prefeito, para requer um alvará de funcionamento para dar início ao espetáculo, porém quando o prefeito ouviu as palavras do circense, logo o repreendeu: ‘Não abrimos espaço para conteúdos humorísticos, somos um povo sério e respeitamos nossa mais sagrada Lei, não aceitamos palhaços aqui’. O empresário ficou espantado e deu uma resposta à altura: ‘É verdade, o povo desse lugar não precisa de palhaços, pois já tem um comandando esta cidade’. — Mediante essas palavras, fica o réu sentenciado à morte”.

Fim da minha narrativa.

Fim da minha vida.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 15/04/2020
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