A BARREIRA

Ela deu a mão ao filho e acelerou os passos com medo de se atrasar. Seria sua segunda visita àquela igreja. A sua primeira experiência lhe deixara convicta de que naquele local aconteciam coisas sobrenaturais. Como aquele pastor poderia saber de coisas tão pessoais? Como poderia revelar tantos segredos? Que outra explicação poderia haver senão uma intervenção espiritual? Sua mente ainda tentava diluir a última exortação daquela autoridade eclesiástica: Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar; A sua alma, entretanto, rejubilava e o seu interior clamava por uma nova experiência. A noite, porém, se apresentava como grande e intenso obstáculo. Densa, fria e desafiante. As luzes da cidade, deficitárias, como de costume, corroboravam a previsão nefasta. Buscou então manter-se firme e determinada a fim de que nada fizesse oposição ao seu propósito. A alguns metros à frente viu algo que a surpreendeu ardentemente: vultos que se aproximavam. Parecia uma visão ou uma ilusão de ótica, mas quanto mais se aproximavam mais dificuldade tinha para distinguir os vultos. Eram criaturas horrendas, de porte médio, com enormes dentes e afiadas garras que riscavam o chão de pedras por onde passavam. Eram peludas e fediam a sangue envelhecido. Todos estavam vestidos de branco e tinham os seus pescoços adornados com guias e colares de dente do cão do lobo. Em suas mãos, velas de gel acesas das mais diversas cores e aromas. Estava convicta de que se tratava de uma seita satânica. O principal do grupo se aproximou dela e tentou convencê-la a experimentar as suas liturgias. Tinha nas mãos duas grandes garrafas de bebida alcoólicas, as quais abriu e derramou sobre a sua boca, vindo em seguida a quebrá-las e a espalhar os cacos de vidro sobre o chão. Num gesto extremamente insano e irracional, deitou-se sobre aqueles fragmentos cortantes como se fosse um grande tapete vivo. Os seus seguidores, em ato não menos insano, pisavam sobre as suas costas pressionando-as contra os vidros numa espécie de veneração satânica. Neste momento, Maria ouviu um som desconfortante, como um rugido de leão e se deu conta de que seu filho havia sumido. Desesperada, começou a buscá-lo, mas era severamente atrapalhada pelo grupo de fiéis que a rodeava e a perturbava com suas danças e cantos. Em um feroz rompante depois de ter suas vestes rasgadas, Maria se desvencilhou de toda aquela oposição e, enfim, conseguiu visualizar o seu filhinho. Ele parecia perplexo. Olhava-a fixamente tentando entender tudo o que se passava. Maria, meio confusa, buscou se acalmar e se deu conta de que sofrera um delírio persecutório e, num misto de apreensão e constrangimento, seguiu seu destino. Durante a caminhada voltou a ouvir um som como um rugido de leão, mas achou melhor não dar nenhuma importância. Ela deu a mão ao filho e acelerou os passos com medo de se atrasar. À frente, uma longa caminhada, para trás, apenas pedras riscadas.

Vander Cruz
Enviado por Vander Cruz em 13/04/2020
Reeditado em 13/04/2020
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