A MISTERIOSA VILA 29 - EM BUSCA DE ASGARD

O sangue jorrou da sua garganta, como uma cachoeira espalhando-se sobre o convés do Gaivota, a torrente ocre penetrava entre as frestas da madeira, produzindo bolhas que refletiam nossas imagens distorcidas e avermelhadas. Ele se contorceu sem emitir nenhum ruído, não reagiu, aceitou como um cordeiro aceita seu sacrifício. Segurando firmemente pela grossa corrente em volta do seu pescoço, cravei-lhe o sabre no coração. Seu olhar moribundo me revelou algo, me trouxe de volta a leveza e o espírito de pescador que havia perdido há muito tempo. Esta alucinação se esmaeceu em minha mente, tão rápido como chegou. A loucura me abraçou por alguns instantes, mas a razão, me expeliu do fundo poço para a superfície, foi um delírio passageiro. Os dias foram foram passando e meu peito ardia de ansiedade, ocultava esses sentimentos poupando Isabelle.

Nossas vidas seguiam tranquilas, mas entre os precipícios da minha mente, uma pergunta urgia por respostas, ela tinha um nome... Asgard, preciso encontra-lo, irei até Kalle procurar o velho cocheiro, quem sabe ele tenha notícias do paradeiro dele, somente assim, banirei do horizonte as sombras que nos espreitam, além disso, darei um destino digno a criatura, pois aprendi a respeita-la.

Coloquei o animal de volta dentro do porão, com água e alimento, retomei para casa. Cheguei ainda na penumbra, Isabelle já me esperava ansiosamente. Nos sentamos na cozinha, uma xícara de café quente e reconfortante, me aguça os sentidos. Embora Isabelle já estivesse bem, em sua alma ainda habita o temor da perda.

Ela e eu, sabíamos que era preciso encontrar Asgard, ele é o elo que nos separa do bem e do mal. Se estiver vivo, certamente me dirá o que devo fazer, mas caso esteja morto, receio que a luta ainda me perseguirá, mas honrarei seu nome, lhe prestarei uma última homenagem, um tributo que não pude dar ao me pai.

Quanto ao cão, o libertarei no desfiladeiro entre os remotos e profundos paredões, ou o deixarei com Asgard que é o que mais desejo. Ficar com aquela criatura em Kikivo, seria um erro fatal, a fera pode causar grandes danos na vila. Depois de conversarmos, asseveramos que a minha partida seria importante. Assim, aguardei mais alguns dias, na esperança que notícias chegassem.

Na véspera da viagem conversei com meus amigos, e lhes contei quase tudo. Ariel se prontificou a me acompanhar, mas eu recusei era muito perigoso.

- Partirei amanhã cedo.

- Deixarei Isabelle, em segurança com vocês amigos, caso eu não volte, por favor cuidem dela.

Aquelas pessoas sofreram por muito tempo, em busca de notícias do nosso misterioso desaparecimento. Tomadas pela surpresa e impotentes, só lhes restou esperar. Agora, temiam que o fato se repetisse, mas, não havia tempo para lhes contar tudo que aconteceu, chegaria o momento certo. A pequena Kikivo, fica no arquipélago de Faroé muito distante de Kalle, isso nos deixa em segurança.

Ainda estava escuro quando vesti meu velho e surrado sobretudo, peguei meu sabre embainhei, beijei Isabelle e prometi que retornaria em breve. Uma lufada de brisa fria me lambeu o rosto, e me transportou ao dia que deixei minha casa na Noruega com destino a Baltimore. Com passos largos e firmes, me desloquei com destino ao desconheci-do. Não olhei para trás, não queria arriscar ver o vulto de Isabelle me acenando, seria como dizer adeus.

No porto, emergiu das sombras, talvez a última traineira da temporada. Lentamente ela atracou, subir a bordo, e me dirigi ao homem que comandava a embarcação. Ele tinha cabelos totalmente brancos, uma barba espessa, olhar severo e perscrutador, percebi que mancava de uma perna.

Me apresentei ao capitão. Homens do mar se unem pelo mesmo proposito, e são cordiais entre si, pois o mar é impiedoso.

Começamos a conversar.

- Capitão, pela linha D’água da sua embarcação, creio eu que tenha conseguido boa pesca. Exclamei!

Ele Responde vagarosamente.

- É... Estamos no final da temporada, consegui um bom peso, o suficiente para descansar até a próxima temporada. Continua ele.

- O que o traz aqui a essa hora?

- Preciso de uma informação, sei que próximo da Ilha do Urso tem um pesqueiro de bacalhau, o senhor vem de lá?

- Sim, de lá mesmo.

- O senhor viu alguma coisa estranha na Ilha do Urso?

Ele franziu o sobrancelha desgrenhada, acenou negativamente com a cabeça, e disse.

- Na lua nova, ouvimos barulhos intensos, gritos de agonia se espalharam pelas redondezas, o próprio céu escureceu, a luz não costuma abandonar o mar completamente, mas aquela escuridão jamais havia presenciado, me afastei de lá.

– O senhor conhece o capitão Asgard, da Noruega? Perguntei.

Desta vez arregalou os olhos e com surpresa.

- Sim, conheço Asgard, há muito tempo não o vejo, a última vez que nos encontramos, foi quando ele embarcou para Baltimore, ele e Ake, eram amigos pescavam juntos, e pelo que sei, ambos morreram na guerra.

Suspirou profundamente, encheu os pulmões e completou.

- Eu não pude ir, não tenho a perna direita, ela me foi tirada por um demônio tigre. Exclamou.

De repente, olhou detidamente para mim como se eu o lembrasse de alguma coisa.

- Você é Aros, filho de Ake, eles estão vivos? Respondi.

- Sim capitão sou eu mesmo, meu pai morreu na guerra, mas Asgard sobreviveu, estou a sua procura, talvez rume até a ilha do Urso, preciso encontra-lo. Respondi.

Olhando diretamente para meus olhos ele exclama.

- Filho, não o conselho ir lá, se Asgard esteve naquele inferno tenebroso, com certeza, não restou muito dele, vi corpos e coisas estranhas boiando em torno da Ilha, houve ali uma carnificina.

Um frio atravessou meu estomago como uma lança fina e pontiaguda, não saberia dizer que pavor que desespero me tomou, minha esperança se chocou contra aquela muralha de pedras. Respondi concordando com seu conselho.

- Sim, sim senhor, mas vou até Kalle, lá tenho um conhecido, a quem creio que me trará notícias dele.

- Mesmo assim, muito cuidado, Kalle tem alguns lugares sombrios e perigosos.

- Obrigado capitão, muito obrigado, preciso ir.

Novamente o silencio de um mundo fóssil invade meu cérebro. Estou a caminho.