A MISTERIOSA VILA 28 - VOLTANDO A KIKIVO

Passamos a noite entre os outros barcos pescadores, nas águas da enseada das Ilhas Faroé. A lembrança dos guerreiros, jogando suas vidas para nos permitir seguir em frente, latejava em minha mente, queria estar ao lado deles especialmente Asgard, mas precisava proteger Isabelle, já tinha ido longe demais, longe demais, para resgata-la. Agora tudo o que me resta é chegar naquele pedacinho de terra, descansar da batalha que travo desde a noite tempestuosa, que conheci a moça dos olhos verdes em Baltimore.

Mal dia amanheceu, navegamos vagarosamente entre os barcos em direção a pequena Kikivo. Ansioso por chegar, deixava-me escorregar um pensamento por assim dizer, segurava freneticamente o cabo do meu sabre, porque uma única ideia ainda me domina, o medo que aqueles guerreiros falhem, ou que aquela súcia maldita os vença e chegue até nós.

A nossa chegada a kikivo, foi um momento de hesitação, atracamos no pequeno porto e desembarcamos rapidamente. Subimos até o cais, e dali avistamos a estradinha costeira, confirmando que nos levaria a pequena Vila onde um dia fomos felizes.

No meu pensamento, materializava-se uma muralha de pedra, e por cima dessa muralha, podia avistar dezenas de lápides, era desagradável esse pensamento em contraste com a beleza da pequena Vila. Não havia estátuas ou túmulos ornamentados, apenas lapides lisas sem nenhum nome, sem nenhum símbolo para identificar os falecidos, como não encontraria respostas ali, abandonei o pensamento e segui em frente.

Ao chegarmos à pequena rua, avistamos um grupo de pessoas vindo em nossa direção, eram nossos amigos, fomos recebidos com muita alegria e incredulidade, era como se tivéssemos chegado de outro mundo, como se tivéssemos passeado além das tumbas. Isabelle foi felicitada por todos com muito carinho, depois nos dirigimos rua abaixo em direção a ravina onde nosso pequeno chalé nos esperava, nossa casa, ela estava do mesmo jeito, mas apresentava sinais de abandono e tristeza, sentíamos como se nos cobrasse uma explicação. Nos curvamos ao mesmo tempo e beijamos o chão, entramos efusivamente, como outrora. Sentia uma certa necessidade de ter a certeza, que o sonho era real, ao mesmo tempo algo me dizia que atras de mim, havia uma legião de mortos. Não vou ao encontro de Asgard, porque ele próprio me proibiu, e se assim o fizer, estarei deixando Isabela, não, não faria isso mais uma vez. Exaustos desabamos e dormimos como pedras.

Antes que os raios do sol se derramem sobre a vila, desperto, ao meu lado como num sonho, Isabelle ainda dorme, seu rosto angelical transfigura um semblante misto de felicidade e sofrimento. Me sento na cama, olho para teto espalhando o pensamento, algo me preocupa, preciso ir até o barco buscar o cão, tenho que ocultar a criatura antes que a rua acorde, a sua presença pode ser perigosa para a vila, e seus habitantes. Deixei-o dentro do porão da traineira. Levantei quase anônimo, não queria desperta-la, mas ela me interpelou antes que eu saísse do quarto. Sua voz suave e firme me asseverou:

- Aros, mate-o

Suas palavras me soaram como uma pedra batendo em um vitrô, parei olhei para ela, nesse instante tive certeza do que ele queria me dizer. Respondi:

- Mata-lo não seria injusto? ele nos ajudou a chegar até aqui.

- Precisa livrar-se dele o quanto antes, temo que já seja tarde.

- Sim Isabelle, se você pensa assim, assim farei.

Abri a janela que dava para a encosta da montanha e vislumbrei a madrugada, a brisa soprava sobre as estacas da sebe, produzindo um som singular, mas o peso no coração me incomodava. Me despedi de Isabelle, e saí no meio da madrugada. Cheguei ao porto caminhei pelo cais até o Gaivota, entrei pela sua popa. Abrir o porão e lá estava ele sentado, ereto com seu olhar penetrante e frio, mas, havia algo nos olhos prateados daquela fera, que transcendiam alguma ternura e respeito por mim. Ele levantou veio em minha direção, encostou sua cabeça descomunal no meu peito, e rosnou como uma forma de comunicação e alegria.

Meus nervos estavam retesados, não de medo, mas de compaixão e duvidas, em parte devia aquela criatura de aparência excêntrica e bizarra, minha vida. Acariciei sua cabeça e quase involuntariamente a envolvi em meus braços. Olhei para o grande sabre pendurado no passadiço, e engoli a seco, pois não havia saliva em minha boca.