A ruiva do 782 II

Numa manhã de segunda-feira, eu subia pelas escadas do meu prédio, pois o elevador principal estava passando por manutenção e para não utilizar o elevador de serviço usado por empregados do prédio, preferi subir pelas escadas. Apesar do cansaço na respiração já ofegante pelo meu uso constante de cigarro, subi os setenta e quatro degraus, carregando minha mala, entupida de roupas sujas de viagem. Eu acabava de chegar de Florianópolis, estava participando de um festival de sapateado, juntamente com meu grupo de dança. Talvez, esse seja o último, já não tenho mais idade e nem disposição para este tipo de atividade, cuja qual participei por 30 anos...não fiquei rico e nem mesmo, tenho minha aposentadoria garantida. Meu apartamento? Um dos poucos bens que me restaram da herança de mamãe. Tudo que fiz, foi pela arte e o amor a dança.

Enfim, subido os degraus...chego ao meu apartamento. Na porta já encontro algumas correspondências, a minha espera, as recolho do chão e só tem contas para pagar. Suspiro fundo e penso: “_tudo pela arte!”, abro a porta, entro e cheiro de mofo, misturado ao cigarro e a bebida invadem meu sistema nasal. Deixo a mala sobre a mesa, acendo um majestoso cigarro, ligo o meu som, coloco uma fita da banda blitz e começa a tocar a minha música preferida: “Você não soube amar”, abro uma garrafa de Bacardi, e não existe nenhum copo limpo na cozinha, então viro direto na boca mesmo. Depois de quatro goles, deito-me no sofá e acabo adormecendo, por duas ou três horas, e acordo assustado com o telefone tocando, atendo e uma voz feminina do outro lado diz:

¬¬_Boa noite, meu amigo! Fiquei sabendo que chegou hoje de viagem. Que tal nos encontrarmos hoje, para dançar?

Era Regina, automaticamente, franzi a testa...pois dançar para mim se tornou, um martírio. Mas aceito o convite, ela sempre foi louca comigo, em meio a esse convite para dançar existe um toque de malícia. Me levanto do sofá, e vou tomar meu banho, visto meu único terno limpo do armário...talvez o mais odiado por mim, um terno cinza que comprei por ódio em uma loja de granfinos do centro chamada Houstinol. Me lembro deste dia como se fosse hoje, havia entrado para comprar um terno, mas percebi que os vendedores de lá me olhavam como se eu não fosse capaz de ter dinheiro o suficiente para estar ali. E não tinha mesmo! Mas sempre fui um homem que quis demostrar o contrário, e vendo o desdém dos funcionários comigo, resolvi que aquele dia, eu iria levar o mais caro da loja, e desta forma cheguei a uma funcionária ruiva que trabalhava lá, muito bonita por sinal, mas me olhava com cara de nojo, e isso me causou um ódio imenso. Escolhi o mais caro, este! Este horrível terno cinza, paguei no cartão, fatura que pago até hoje. Saí de lá com a alma leve, sapateando literalmente na cara dos funcionários, em especial da ruiva que me tratou com um enorme desprezo.

Bom, visto o meu tão odiado terno cinza, passo o meu único perfume...que já está no fim, acendo um cigarro, e saio afim de encontrar Regina. O elevador, agora já estava em funcionamento, desço até o térreo, e pego meu opala luxo preto, e saio deslizando os pneus. Nos encontramos, na estudantina da Sé, e lá já estava ela ...linda! Deslumbrante, com um vestido vermelho, seus cabelos cor de mel faziam com que seus olhos verdes se destacassem ainda mais. Nos colocamos a dançar, e entre uma dança e outra, eu virava goles e goles de bebida, fumava um cigarro e outro. E quando me dei conta, Regina já dançava com outro, e eu caído no chão, sentia a estudantina ficar cada vez mais vazia, e o som que tocava ia ficando cada vez mais abafado. Levantei-me, ainda cambaleando, mesmo sem condições de dirigir fui até o meu carro. Inacreditável!! Minhas chaves sumiram, meu opala também! _ Reginaaaa, desgraçada...roubou meu carro!_ Mal sabia eu que nos episódios de dança, entre uma bebida e outra, e um cigarro e outro ela roubava minhas chaves. Então, me pus a caminhar, até a algum ponto de ônibus mais próximo, e o primeiro ônibus que parou, me lembro de ter entrado, passado pela catraca e entregado ao trocador, uma nota de dez reais. Me sentei no ônibus ainda vazio, a angústia tomava conta de mim, no que eu havia me tornado. Olho para o lado, e lá estava para completar ainda mais o meu fim de noite, a vendedora ruiva da Houstinol, sentada exatamente ali, do outro lado do meu banco, e ela me olhava com cara de desprezo. Mas desta vez infelizmente tenho que concordar com ela, realmente eu sou desprezível, e me tornarei um verme pior ainda. Que ironia do destino! Eu, a vendedora ruiva e o terno cinza, juntos no mesmo ônibus, que eu mal sei para onde está me levando. Ela se levanta, para descer no próximo ponto, e eu em um ato aleatório, desço a fim de persegui-la. Isso mesmo! Persegui-la. Me coloco a dar passos cada vez mais rápidos, o álcool já não me atrapalha mais, o ódio agora já havia sobreposto o efeito dele, percebo que ela entra em uma viela, e ela começa a andar cada vez mais rápido, mas eu consigo toma-la em minhas mãos, ela começa a gritar, mas eu no meu impulso de ódio, dou-lhe um murro e faço com que ela fique inconsciente. Arrasto ela até, abaixo de um viaduto, próximo ao Tietê e tiro-lhe a calça e começo a matar o meu prazer, naquele objeto nu feminino, _ “Se não com a Regina, então essa vadia me serve”, após o ato eu percebi que ela carregava em seu pescoço um escapulário de alguma santa, que não me veem a mente qual seja ( nunca fui de ir a igreja, vai saber se realmente exista um Deus...ou se simplesmente somos regidos, pela teoria do big bang). Com a ajuda desse escapulário, me coloco a enforcá-la, ela tenta se livrar de mim, mas já era tarde demais, eu tinha todo o domínio de macho alfa, ela não passava de um ser frágil, e agora desprezível...um cadáver. Arrasto o corpo até a beira do rio e lanço nas águas escuras de tanta poluição do Tietê. Caminhando de volta, vejo que o escapulário que estava em seu pescoço se perdeu, o pego e coloco no bolso de meu terno cinza. Guardarei de lembrança, como um caçador que guarda a cabeça de um animal para recordar o feito. Começo a caminhar, em busca de voltar para meu velho apartamento, já é quase de manhã, hoje tenho apresentação com meu grupo de sapateado, no teatro municipal. Muitos irão para me aplaudir, muitos conseguem ver um homem incrível em mim através da arte, mas no fundo eu não passo de um homem desprezível, que leva uma vida boêmia e que comete crimes enquanto a cidade dorme...

Amanda Alda
Enviado por Amanda Alda em 21/03/2020
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