Noite em Saigon

Minha namorada, Ly Thuy, havia insistido para que eu saísse antes do toque de recolher, mas eu havia passado uma semana inteira sem vê-la e decidi que merecia ficar mais um pouco na companhia dela.

- O toque de recolher começa à meia-noite. Ainda são dez horas, e eu moro a três quarteirões daqui - minimizei. - Vou estar em casa muito antes da polícia começar a perseguir os retardatários.

Ly Thuy não me pareceu muito convencida, mas consentiu que eu ficasse mais um pouco. Finalmente, me expulsou de sua cama.

- Não vou me perdoar se alguma coisa acontecer com você - declarou enfaticamente.

Tive que me vestir, calçar os sapatos e finalmente sair para a noite de Saigon, a qual, aliás, me pareceu estranhamente vazia. Consultei o relógio de pulso: dez e meia. Mãos nos bolsos, fui caminhando pelas ruas desertas, até que ao dobrar uma esquina, deparei-me com os faróis altos de um automóvel que vinha em sentido contrário. Engoli um palavrão e parei, automaticamente: era a polícia. Dois "ratos brancos", em uniformes impecavelmente alvos.

- Documentos, cidadão - inquiriu polidamente o policial ao volante, pondo a cabeça para fora e olhando por cima dos óculos escuros.

Aproximei-me, identidade na mão. Ele a examinou, sem pressa.

- Estudante da Universidade Católica, hein? - Comentou, passando o documento para o policial sentado no banco do carona.

- O que faz um rapaz de boa família como você na rua, à essa hora, Hoàng Tân? - Questionou o segundo policial lendo minha identidade.

- Estava justamente indo para casa - defendi-me.

- Mas você está atrasado, Hoàng Tân - ponderou o motorista.

- O toque de recolher é a meia-noite - repliquei.

- O toque de recolher começou às 22 h - disse o segundo policial. - Você está... 35 minutos atrasado.

Engoli em seco.

- Podíamos dar uma carona para o universitário até em casa - sugeriu o motorista. - Certamente, ele não parece ser um vietcongue.

O segundo policial lançou-me um olhar enviesado.

- Por mim, tem cara de quem lê livros comunistas.

- Eles não têm esse tipo de livros numa universidade católica - afirmou convictamente o motorista. - Só livros sobre a Virgem Maria e coisas assim, não é, Hoàng Tân?

Fiz que sim com a cabeça. Obviamente, estavam dispostos a se divertir às minhas custas.

- Então... vamos levar o garoto para casa? - Insistiu o motorista voltando-se para o colega.

- Transporte VIP tem um custo - argumentou ele.

- Está bem - redargui. - Quanto querem por uma carona até a minha casa?

Não que eu precisasse de uma, muito menos numa viatura policial. Porém...

- Duas mil piastras - replicou o motorista.

Isso dava cerca de quatro dólares americanos; bem, eu podia pagar, felizmente. Abri a porta traseira da viatura e me instalei nela.

- Podemos ir cavalheiros? Não quero desviá-los em demasia da sua ronda noturna.

- Rapaz educado! - Aprovou o motorista.

Informei meu endereço e ele deu a partida. O policial no banco do carona devolveu minha identidade.

Podia ser pior, pensei, enquanto o automóvel seguia pelas ruas mal iluminadas. Eu poderia estar na cama com Ly Thuy e a polícia aparecer para dar uma batida aleatória; oh, eles faziam esse tipo de coisa. Dependendo do bairro e da classe social, sequer se davam ao trabalho de bater na porta: colocavam-na abaixo.

Eu estava tendo o tratamento VIP, consolei-me.

- [09-03-2020]