Reunião

Parte I

- Vamos... Tu já está demorando demais. Vamos perder toda a carreata.

- Estou indo o mais rápido que posso.

- Por que mulheres demoram tanto assim para se arrumar?

- Isso é normal Fábio, fica frio.

Fábio e Marcela são amigos e estão indo para o centro da cidade comemorar um campeonato de futebol em que seu time, o Grêmio, saiu campeão.

- Vamos tomar todas hoje Marcela, todas mesmo.

- Eu não vou te levar bêbado para casa, tu já está avisado.

Os dois riem. E continuam a caminhar. É uma cidade pequena, de interior, tudo é perto, todos da cidade se conhecem.

- Olha lá Fábio, não é o Maurício?

- É ele sim, e está com a namorada dele. Vamos chegar por ali.

Eles se aproximam. Se cumprimentam, dão risadas, conversam, bebem cerveja. Até que um assunto acaba tomando conta da conversa.

- E ai Fábio, tu acredita em fantasmas ou espíritos?

- Olha cara, eu acho que acredito sim. Já tive algumas experiências, eu até acho que sou sensitivo.

- Eu não gosto muito de contar isso, mas eu psicografo.

- Sério Maurício?

- É sim.

- Maurício, para de falar sobre isso. Tu sabe muito bem que eu não gosto desses assuntos. - fala Rita, a namorada de Fábio.

- Amor, deixa de ser boba.

- Se tu vai continuar com esse assunto, então me leva embora. Depois tu volta aqui e segue conversando sobre essas bobagens.

- Tá certo. Eu vou ali levar ela e já volto aqui.

- Tá Maurício. Eu e a Marcela vamos te esperar ali no posto de gasolina. Vou comprar uma cervejinha ali e te esperamos ali na frente.

- Combinado.

Maurício e Rita saem discutindo. Fábio e Marcela entram na loja de conveniência do posto de gasolina pegam duas cervejas e se sentam em uma das várias mesinhas que estão dispostas à frente da loja.

- Maurício, tem uma coisa a meu respeito que não te contei. Quer dizer... nunca contei para ninguém.

- Tu é lésbica?

Os dois dão gargalhadas.

- Não é isso não. Até se fosse não era nada. Eu vejo espíritos e fantasmas.

- Guria, nós somos amigos a uns três anos e tu nunca me falou sobre isso.

- Eu sempre tive vergonha de contar sobre isso para outras pessoas. Minha mãe nunca acreditou nisso e até já me levou a psicólogos.

- Que chato.

- Fábio, me diz uma coisa. Qual é a probabilidade de um encontro desse acontecer?

- Que encontro Marcela?

- Um sensitivo, um psicógrafo e uma vidente.

- Acho que a probabilidade é nula.

- Pois é. Se bem que...

- O que Marcela?

- Já faz algum tempo que não enxergo nada. Eu acho que acabei “fechando” o meu chacra da visão.

- Mas por que?

- Tu não tem ideia de quanto é difícil ter esse “dom” que eu tenho.

- Eu meio que imagino sim... Olha ai, chegou o Maurício.

Maurício se senta junto com eles e seguem conversando sobre os dons que possuem. O assunto segue noite a dentro.

- Gente, eu vou ali pegar mais umas cervejas para nós e já vou no banheiro.

- Vai lá Maurício. Finalmente vai abrir a mão e pagar umas.

Maurício se levanta e sai. Os outros dois continuam sentados.

- Fábio, como eu estava te falando... Fábio !!!!

Marcela olha estarrecida para Fábio, ele está com os olhos parados para a rua. Nem sequer um piscar de olhos.

- Marcela... Ele está aqui e quer falar.

- O que?

- Ele está aqui e quer falar. - Fábio repete e as primeiras lágrimas começam a cair de seus olhos.

- Fábio, tu está chorando.

- Ele quer falar. Chama o Maurício rápido.

Marcela olha para trás e enxerga Maurício conversando com um dos atendentes do posto de gasolina e o chama.

- O que houve guria?

- O Fábio está estranho.

- O que houve Fábio?

- Ele está aqui e quer falar, consegue papel e caneta agora.

- Aqui?

- É aqui mesmo.

- Sem chance cara. Vamos até meu apartamento.

- Mas que merda guris. Quem é ele?

- O Fábio está em transe Marcela. Algum espírito procurou ele para se comunicar.

- Mas por que agora?

- Ele deveria estar perto de nós enquanto conversávamos e acabou vendo que podemos fazer esse tipo de coisa. Vamos para o meu apartamento agora.

Os três se levantam e seguem para o apartamento de Maurício. No caminho seguem conversando sobre o ocorrido e sobre o que ainda pode ocorrer. Os três estão tensos.

Parte II

Chegam no apartamento. Maurício abre a porta e eles entram. Ele faz sinal para que eles se sentem em uma mesinha pequena que está no meio da sala, vai até o quarto dele e volta com um caderno e uma caneta.

- Olha, de repente até não dá certo.

- É eu sei disso. - responde Fábio. Passam alguns minutos.

- É mesmo, acho que não vai dar nada. Vamos voltar para o centro e seguir...

Antes de terminar a frase a cabeça de Fábio é jogada a frente, quase batendo na mesa e quando consegue levantá-la novamente seus olhos estão vermelhos e cheios de lágrimas.

- Fábio, tu está bem? - pergunta Marcela. Imediatamente Maurício começa a escrever no caderno.

- Ai meu Deus, que porra é essa? - Marcela está cada vez mais apavorada.

- Eu estou sofrendo muito. O sofrimento é infinito. - fala Fábio em meio ao choro.

Marcela se levanta. Seus olhos estão brancos de pavor.

- Eu não aguento mais sofrer desse jeito. - Fábio continua falando.

Repentinamente Fábio para de chorar ao mesmo tempo em que Maurício larga a caneta.

- Isso foi louco Maurício, caralho.

- Muito mesmo.

- Eu quero ir embora. - grita Marcela.

- Tu enxergou alguma coisa guria?

- Não e nem quero, eu vou embora.

- O que está escrito ai Maurício?

A caligrafia é horrível, mas os dois tentam decifrar o que está escrito.

- Fábio, aquela hora tu disse que estava sofrendo muito certo?

- Sim Maurício, mas não era eu, entende?

- Eu sei cara. Escuta essa parte aqui, foi só o que eu pude decifrar. “Às vezes a vida nos é tão injusta.”

- Tem tudo a ver... o sofrimento dele...

- O que tu sentiu Fábio? Na hora.

- Cara, foi louco. Um aperto, uma vontade de chorar, uma angústia. Foi horrível.

Marcela se senta novamente, está mais calma.

- É. Terminou. Vamos embora agora?

Marcela termina a frase e Fábio sente novamente sua cabeça ser jogada a frente, o seu choro recomeça e Maurício novamente pega a caneta e segue escrevendo.

Fábio soluça, o choro é muito maior do que da primeira vez. Marcela toca na sua cabeça e pede calma para ele.

- Eu estou chorando porque estou feliz agora. Finalmente consegui. Ela não entende o que ele quis dizer. E novamente tudo passa.

- Louco, muito louco.

- É...

- Eu ainda quero ir embora.

- Agora foi mais estranho ainda Maurício. Não senti tanta angústia, senti uma leve sensação de felicidade. O que foi escrito dessa vez?

- Cara, está foda. Não consigo ler nada.

- Que merda. Vamos esperar mais um pouco, de repente ele volta.

Os três continuam sentados em silêncio. Não se atrevem a falar nada. Marcela não para de olhar para todos os lados do apartamento. Fábio de cabeça baixa e Maurício com a caneta na mão. A espera é em vão, já se passaram quinze minutos e nada.

Fábio olha para a porta do quarto de Maurício e seus olhos ficam parados como no posto de gasolina.

Parte III

- Ele está no teu quarto Maurício.

- Como tu sabe?

- Ai meu Deus, eu vou embora sozinha.

- Eu somente sei, a gente precisa ir ali.

Fábio e se levanta e segue em direção ao quarto. Ao passar pela porta sente um enorme calafrio. Era o sinal, ele realmente estava ali.

- Ele está aqui, venham.

Os dois vão até o quarto. Maurício se senta na cama e Marcela fica em pé ao lado de Fábio. Desse vez ele não há choro enquanto Maurício rascunha algumas coisas no caderno.

- Fábio, onde ele está? - pergunta Marcela.

- Está bem aqui, do meu outro lado.

Marcela se estremece toda. O medo toma conta por completo. Fábio se vira para ela e fala:

- Fica tranquila, eu não quero e não vou fazer mal a nenhum de vocês.

- O que tu disse Fábio?

- Eu não disse nada, não fui eu. Perdi o controle e falei isso. Caralho, isso está muito estranho.

- Gente, saca só o que escrevi agora.

- Fala.

- “A vida é muito injusta para nós, passamos por muitas dificuldades, sofremos e às vezes nem sabemos o porque de tudo isso. Mas isso um dia passa. Agora estou feliz, consegui reunir vocês, eu precisava fazer isso. Não posso contar o motivo da reunião. Muito obrigado.”

- Reunir nós os três? Mas por que?

- Não sei. Três pessoas com poderes mediúnicos? Três pessoas que têm pendências no passado com esse espírito? Acho que nunca iremos saber a resposta.

- É verdade. Mas a experiência foi louca.

- Foi sim. Ele ainda está por aqui Fábio?

- Não. Ele já partiu.

- Será que de alguma forma nós os ajudamos? - pergunta Marcela.

- Talvez... Nunca saberemos ao certo.

O três se despedem. Fábio vai levar Marcela em casa. Os dois não conversam muito durante o caminho. Maurício se deita sempre pensando no que estava escrito naquela folha de caderno. Eles passaram por uma experiência muito curiosa, e tanto um quanto outro têm certeza de que a verdade sobre as mensagens não será revelada a eles. A dúvida sempre permanecerá. O que o espírito quis dizer com tudo aquilo? Eles ainda não sabem.

Baseado em fatos reais.

Cláudio Borba
Enviado por Cláudio Borba em 11/01/2020
Código do texto: T6839384
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