“Mãe?”

*{conto inspirado no filme “Goodnight Mommy”—2014

Aquela mulher que voltou para casa depois de duas semanas no centro da cidade passando por cirurgias plásticas não era a nossa mãe. Não poderia ser, o seu rosto embalado por bandages largos deixando só os olhos e a boca à mostra desfigurava a maternidade que ambos eu e o meu irmão conhecíamos. A voz dela lembrava a da nossa mãe, mas era encenada, como se nos temesse. Os seus olhos são o mesmo, mas não estão presentes, fixos em nós. Ela tentava nos evitar o quanto podia. E nós colávamos mais a atenção nela. Eu e meu irmão passamos a ficar temerosos a partir do terceiro dia. Estávamos numa casa de campo exilada por matas alugada por nossa mãe um dia antes dela ir ao centro para um compromisso segundo ela muito importante, e agora a nossa babá tinha ido embora. Aqui qualquer coisa poderia acontecer e não se notaria. Poderia matar uma pessoa e enterrar num dos cantos da inóspita e imensa área florestal que nos cerca. Lá dentro há túneis de pura penumbra onde poderia muito bem desovar um corpo também e deixar à deriva do tempo. Ou poderia afogar no fundo do imenso lago silencioso nas costas da casa. Com facilidade e tranquilidade. Eu não sei por que penso em tais coisas, mas desde que essa mulher entrou pela a porta, essas hipóteses assombram a minha imaginação. Mas não parece assombrar tanto o meu irmão, ou pelo menos eu precisaria que ele falasse para mim compreender, já que é mudo e surdo. Eu não sei por que tínhamos que ficar aqui, nesta casa, afastados, quando suponho que a nossa mãe poderia ter feito o que foi fazer sem nos deslocar para outra cidade e no interior ainda. Aqui é tedioso, embora tenha espaço muito vasto, e odeio admitir que sinto falta da escola. Ontem, eu a ouvi ao telefone escondida no porão da casa falando com alguém. “Não sei por quanto tempo vou conseguir fazer isso...é insuportável... tem certeza de que fazer isso desse jeito foi a escolha certa?”, ela murmurava se controlando para não erguer o tom de voz. Ontem à noite eu tive um sonho ruim, no qual eu queimava aquela mulher num incêndio dentro da nossa casa anterior, mas então o seu rosto se transfigurava no do meu irmão. Acordei assustado. E hoje mais cedo aconteceu algo incômodo. Ela nos preparou um suco de acerolas e quando me serviu, nossos olhares se fitaram atônitos e silenciosos por compridos segundos. Havia algo feroz e fatal no olhar dela, talvez ódio, talvez pena, mas pude avistar de relance a maternidade que ambos conhecemos nos olhos úmidos como vidraças úmidas e isso me perturbou. Me perturbou mais ainda que ela não pôs outro copo para o meu irmão e nos largou na cozinha trepidando para o seu quarto às pressas. Eu não poderia suportar mais, e compeli o meu irmão que devíamos agir. Precisávamos descobrir quem era aquela mulher nos abdicando. Esperamos ela dormir, e nos infiltramos no seu quarto proibido por ela de entrar durante os seus repousos. A amarramos calmamente e lentamente com grossas tiras de panos, os seus pulsos nos apoios da cama e os seus tornozelos. Eu amarrava e o meu irmão segurava um arco com uma flecha apontada para ela com o qual costumamos brincar. Mal terminei de amarrá-la, e ela acordou abrupta, se debatendo turva dos calmantes. Acendi a luz e ela fitou aturdida à mim e ao meu irmão apontando para ela. Ela se avulsionou a gritar soluçante pelo o meu nome. “Cadê a nossa mãe?”, perguntei calmamente, e ela começou a tremer o rosto choramingando. “Não...não...de novo não...”, ela repetia chorosamente se debatendo, as amarras a prendendo o suficiente. De repente, me veio à mente o cujo sonho da noite anterior. Fui até as gavetas com ela me fitando e clamando por mim, e encontrei um isqueiro. Os olhos dela se arregalaram além dos bandages. “Por favor, diga para nós onde está a nossa mãe”, pedi calmamente mais uma vez. Ela arfou um riso soluçante choramingando baba. “Nós?! Não tem mais nós, sociopata de merda!!”, ela esbravejou chorosamente pulando à frente, “Olha bem o que você fez comigo e com o meu rosto, demônio!! Não lembra mais do que fez comigo e com o seu irmão?!? Era você quem devia ter morrido queimado no lugar dele!!!” Os gritos dela ecoavam ensurdecidos dentro do meu crânio, havia só uma escuridão memorial onde o que ela esbravejava não preenchia quaisquer lógicas. Entreolhei afobado pelos meus ombros e o meu irmão não estava mais ali. Fitei as minhas mãos e eu segurava tanto o pequeno arco com a flecha travado quanto o isqueiro na outra mão. Ela se debatia gritadamente prestes se soltar à qualquer segundo. As assombrações imaginativas de um corpo desovado naquele vasto lugar parecia tomar vida se ela se soltasse. E, num impulso, clamando pelo o meu irmão, decidi sozinho tomar as rédeas, e acendi o isqueiro nas colchas ante aos pés presos dela enquanto ela bradava se retraindo. A rapidez com que o fogo aumentava tanto quanto o desespero dela me fez permanecer paralisado ao pé da cama a assistindo se queimar gritadamente pouco a pouco. Por fim, decidi por misericórdia desferir a flecha presa nela. O seu corpo queimando caiu, e só restou os barulhos raivosos das chamas se alastrando. Por um momento, me senti dentro daquele sonho, e avistava a minha mãe e ao meu irmão em meio à chamas bruxuleantes na sala de estar da nossa casa anterior. Avistei ao rosto da minha mãe queimado, e avistei ao meu irmão desfalecido em seus braços fracos demais para suportar aquela situação sufocante enquanto ela me fitava arregaladamente chorosa bradando soluços indistinguíveis. Avistei a mim segurando um isqueiro diferente, sentindo a mesma necessidade de momentos atrás, de procurar por um isqueiro e atear fogo. Apenas senti a necessidade de fazer, como algumas das nossas ações, não há uma explicação lógica. Apenas quis atear fogo nela, e no meu irmão. Agora, me avisto numa sala tão branca quanto fora outrora o quarto da minha mãe, sendo interrogado incompreensivelmente por pessoas tão desconhecidas quanto a mulher que retornou no lugar da minha mãe sobre a incógnita do quanto eu seria culpado ou inconsciente das minhas ações devido a minha tenra idade, um veredito sendo repetidamente debatido, tanto quanto o que eu debatia sobre aquela mulher. Fora um acidente? Crianças não são capazes de discernir? E, de fato, eu não sei por que fiz o que fiz. Tanto quanto não sabia quem era aquela mulher.

ilLoham
Enviado por ilLoham em 05/01/2020
Reeditado em 13/11/2023
Código do texto: T6835110
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