A LUA ESCUTA SAX
Era noite de sábado, perto das onze horas, quando peguei o conversível preto e segui estrada. No painel de combustível a agulha vermelha balançava freneticamente. Um saxofonista tocava ao longe. Curvei a pista e segui na direção Sul. As nuvens espessas no céu cobriam a lua como uma cortina que se fecha após o espetáculo, mas a lua ressurgia teimosa a radiar sua luz pela longa estrada, explorada pelos faróis. Eu queria encontrá-lo e parei no primeiro posto de gasolina para abastecer. Estacionei. Desci do carro para esperar no restaurante em frente ao posto, sentei numa mesa distante, abri o jornal para disfarçar e pedi uma garrafa de vinho. Ele entrou com os dois amigos e riam obstinadamente. O garçom serviu o cardápio. Fiquei a observá-los em silêncio, degustando pouco a pouco a taça de vinho.
Os três amigos não demonstravam pressa, passadas as horas, as pessoas começavam a sair do restaurante para pegar estrada, e antes que notassem a minha presença fui para o carro. Do lado de fora era possível ainda acompanhar pela porta de vidro os movimentos dos lábios dele, conversando com os outros dois amigos. Fecharam a conta e ele saiu na frente com a chave, apontando o controle para o carro, desativando o alarme. Os dois – um de cada lado – entraram no automóvel. Não mantive nenhuma discrição ao começar a segui-los na estrada do Sul, a mais longa estrada em que deslizávamos como lanchas no mar. Eu me aproximei aos poucos para deixar mais evidente a suspeita. Porém, não desconfiavam, riam, continuavam rindo, um olhando para o outro, e ele com a mão no volante sem hesitar, parecia ter deixado o carro no piloto automático.
Por que não posso ser bom na vida? Quero ser bom, mas sou um homem mau, quero fazer algo que possa tocar os meus semelhantes. Ser mais generoso, talvez, e não me afastar quando receber amor em demasia, pois o amor tem sido um peso constante. Juro, juro que desta vez vou me doar por inteiro, sem esperar nada do outro, nenhuma recompensa, prometo a mim mesmo. De repente tive a ideia de fazer pisca-pisca com os faróis, e assim, eles notariam a estranheza, mas não notavam de jeito algum. Aproximei energicamente o carro, de modo que, se eles freassem, o acidente seria inevitável. Eles diminuíam a velocidade ao mesmo tempo em que eu me aproximei. A lua se fazia mais visível, as nuvens se afastaram e a noite estava tão iluminada que desliguei os faróis inúteis, enquanto eles fizeram o mesmo, como imitação.
A clareza de que pouco se importavam com a perseguição me tornou mais atraente, pois segundo a minha intuição, eles sabiam que estavam sendo seguidos por mim e aparentemente dissimulavam a contingência.
Nada parecia adiantar e eu já estava decidido a fazer o retorno, quando vi o carro parar. Era o saxofonista pedindo uma carona. Ele entrou no carro e seguiram estrada. Resoluto, prossegui. Abri a janela lateral e o som do saxofone invadia-me com aquela sonoridade flutuante. A lua era nossa. Eles tinham a mesma visão que eu naquele instante. A estrada continuava reta, mas se inclinava para o alto, como se fizesse uma ponte para o céu. Pisei no acelerador, o som do saxofonista diminuía e, agora eles passavam dos limites. Aquilo me dava desespero, vontade de me unir ao som, de entrar naquele carro e sorri com eles, afundar-me na noite. Aquela velocidade era a mesma que habitava o espaço da morte, espaço onde moramos antes do nascimento e para onde vamos após cumprida as missões entre os mortais.
Eu descobria nesses atos noturnos, costumeiros, o sentido da minha vida. Fazer girar, outra vez, a engrenagem do tempo. No dia seguinte, parei no posto de gasolina, sentei na mesma mesa, pedi um café e abri o jornal diante dos meus olhos. Na capa de notícias principais a seguinte matéria: morre de acidente de carro o maior saxofonista da estrada do Sul. Abaixo, via as fotos do acidente e os três amigos lado a lado, vivos. Esperei por longas horas, mas eles não apareceram, o restaurante estava cada vez mais frívolo, abandonei o café e decidi tomar a estrada rumo ao Norte.