Parto forçado
( Baseado em fatos reais )
Naquele dia eu não estava pra conversa.
Quando cheguei ao escritório, a secretária, como sempre estava do jeito que eu já imaginava em ocasiões como aquela. Embora ela fosse apenas minha secretária, aquela rivalidade entre nós também nos aproximava, na medida exata em que existia entre um patrão e uma empregada.
Naquele dia, quando entrei, fui curto e grosso em meu cumprimento matinal:
-Bom dia.
Depois das duas palavras passei pela recepção rapidamente, tentando evitar os olhares dela que deveriam vir acompanhados de certa ironia, pois naquele momento eu já esperava uma resposta de uma forma irônica, e assim foi:
-Bom dia mesmo né, doutor ?
Eu odiava aquele jeito de ela falar comigo, especialmente naqueles dias, quando tinha que amargar mais uma derrota para ela, digo, derrota do meu time para o time dela.
Essa era nossa maior discórdia, mas eu tinha que aceitar, mesmo sendo o patrão. Ela, além de ser bonita, era também muito competente, coisa muito rara nestes casos. Geralmente a secretária é bonita, mas é burra e apenas é suportada pela beleza, outras vezes ela é muito competente, porém é feia, mas é suportada pela eficiência.
Minha secretária reunia todos os atributos numa só pessoa, porém tinha o grande defeito de torcer pelo time que eu odiava e toda vez que o time dela ganhava eu tinha que suportar as ironias dela. Eu não podia prescindir de uma secretária com tantos atributos.
Sentei-me na cadeira de minha sala e quando começava a folhear o processo que seria objeto de um recurso, ouvi a porta abrir. Fingi não ouvir e tampouco ousava levantar os olhos para vê-la, pois, decerto, viria mais uma vez atormentar-me e contar detalhes da goleada que o time dela dera no meu. Eu só suportava isso dela, como já disse, devido aos seus vários atributos.
Com os olhos baixos, fingia ler os autos do processo, mas fui interrompido quando ela me falou:
- Doutor, há umas correspondências que chegaram na sexta-feira, depois que o senhor saiu, trouxe-lhas para ver se há algo importante:
- Obrigado. Respondi secamente, tentei evitar puxar conversa com ela naquele dia.
Tentando evitar as novas investidas dela, não pude deixar de levantar os olhos em sua direção para receber correspondências que ela me entregava. Somente naquele momento eu a via pela primeira vez naquele dia.
Quando entrei no escritório, procurei não olhar em sua direção ao cumprimentá-la. Ela estava como sempre, linda, mas eu procurava separar a parte profissional da amorosa, por isso eu a via como uma simples secretária.
Ela vestia como sempre um conjunto de muito bom gosto, mas naquele dia usava uma blusa de cor característica do time que eu odiava. Fingi não notar o detalhe e apenas perguntei:
- Há algum recado para mim?
- Sim, um senhor telefonou, perguntando se havia recebido o convite.
- Convite, que convite é este?
Ela, com seu olhar gracioso e sorriso irônico disse:
- Doutor, deve ser este entre as correspondências.
Eu não olhara as correspondências e tampouco sabia que entre elas havia um convite e sabia muito menos de sua procedência, por isso rapidamente peguei-o e ao abri-lo, viajei com a velocidade do pensamento a um passado de mais de vinte anos. Naquele momento um sorriso com certo ar de nostalgia brotou em meu rosto e fiquei daquele jeito por algum tempo e só retornei ao meu presente quando ouvi:
- Doutor, algum problema?
- Não, muito pelo contrário, é que acabo de receber um convite de casamento que me traz muitas recordações.
Ela, que além de bonita e eficiente, também era muito curiosa, perguntou:
- Posso saber?
- Não, agora não tenho tempo para isso, outro dia eu lhe conto.
Embora ela fosse minha secretária muitas vezes eu lhe contava histórias de minha vida profissional e até casos onde havia comédia ou sofrimento. Às vezes eu a fazia minha confidente. Nossa única diferença era o modo de escolher um time para torcer. Nestas horas éramos inimigos, antagônicos, ferozes.
Ela pediu licença e voltou a sua sala na recepção e, quando fiquei sozinho, voltei a viajar e, em segundos estava em frente ao meu escritório recém montado, lendo orgulhoso meu nome escrito na parede e embaixo deste a frase: Especialista em Família. Tinha deixado de colocar a palavra “direito”, tentando com isso dar uma certa intimidade entre mim, o advogado e as famílias que acreditavam que eu iria atender.
Durante meu curso na faculdade, um dos meus professores tinha dito algo de que eu nunca esqueci: “procurem montar escritórios em cidades do interior, onde serão mais valorizados”
Estava ali, naquela cidade, procurando realizar um sonho, seguindo também um conselho que escutara durante meu curso de direito.
Eu olhava a frase que tinha sido escrita pelo Mané pintor, na pequena casa que havia alugado logo que cheguei à cidade que tinha escolhido para montar minha banca, depois de pesquisa que fiz com outros profissionais mais experientes. Usava uma das salas da casa como escritório, o resto dela era minha residência. Durante o dia atendia os casos que surgiam e à noite, depois de fechar a porta da casa, recolhia-me.
Durante mais de dois meses, as pessoas passavam por mim e faziam questão de cumprimentar-me, tentando muitas vezes mostrar que me conheciam. Sempre que eu os encontrava eles falavam:
- Bom dia, doutor, tudo bem, está gostando da nossa cidade?
Eu que não podia ser descortês e tampouco me mostrar orgulhoso e arrogante, tratava todos com muita consideração por isso ia angariando amigos e conhecidos. Enquanto isso acontecia, eu ficava esperando os clientes que deveriam vir com o tempo. A todos os cumprimentos eu sempre respondia:
- Eu estou adorando, esta é a cidade que escolhi para viver e criar raízes. Não existe cidade melhor para se viver.
Geralmente meus interlocutores saiam sorrindo, satisfeitos, com a atenção que eu lhes dava. Para eles era muito importante conhecer e falar com o Doutor. A cidade, embora não fosse tão pequena, ainda não era comarca, portanto Juiz e Promotor, somente na cidade vizinha, por isso eu passava a ser a mais importante autoridade da cidade, depois do prefeito, do padre e do delegado.
A todos os eventos que aconteciam na cidade, eu sempre era chamado, por isso participava até de enterros. Alguns colegas haviam me recomendado os enterros como forma de ganhar a simpatia dos familiares do “De Cujus” e fazer o posterior inventário, considerado o filé “mignon” da advocacia.
Quando surgia um caso mais complicado e eu ainda não dominava o assunto totalmente, procurava um colega que ficava na cidade vizinha e com ele trocávamos idéias sobre o assunto e com isso um ia completando ao outro, nas questões mais polêmicas.
A vida nas pequenas cidades tem estas e outras vantagens, pela qualidade de vida e pelo sossego que se tem, residindo num lugar onde quase todos se conhecem.
- Doutor, doutor... está me ouvindo ?
Minha secretária trouxe-me de volta ao meu presente e a uma realidade tão sofrida, justamente naquele dia de segunda-feira, pós-goleada.
- Sim ! o que você quer ?
- Doutor, o senhor esqueceu que tem um cliente na sala esperando para ser atendido?
- Ah! É mesmo, mande-o entrar.
O cliente que eu atendia naquele momento era antigo e sempre me trazia um bom rendimento, pois minha assessoria era cobrada a peso de ouro segundo ele mesmo dizia em tom de brincadeira. Embora eu soubesse que era verdade, retrucava, dizendo:
- Ora, pare com isso, Pedro, nós temos é que rever e reajustar nosso contrato.
Eu falava daquela maneira sem muita convicção, tentando, no entanto desviar nosso rumo de conversa.
- E aí, a secretaria já abusou de você hoje?
Pedro se referia à goleada que meu time sofrera no dia anterior, mas eu de forma categórica, respondi:
-Ela que não se atreva!
Depois daquelas brincadeiras que serviam de entrada para o cardápio do dia, que vinha recheado de problemas que ele estava enfrentando com o Fisco, ficamos conversando e tratamos da estratégia de defesa contra as autuações que ele sofrera de “ uns canalhas”, segundo ele.
Quando nos despedimos, novamente eu falei em tom de brincadeira:
-Pedro, nós temos que reajustar nosso contrato de assessoria.
Ele, sorrindo, despediu-se e respondeu:
-Vamos diminuir seus honorários ?
Ele era sempre assim, sonegava o máximo que podia e quando era pego corria procurando meus serviços sempre alegando ser inocente e que um funcionário cometera um erro na contabilidade ou na emissão da nota. Eu sabia que mentia, mas era um cliente que pagava sempre pela assessoria e os honorários cobrados quando a justiça era acionada.
Quando ele saiu, novamente a secretaria surgiu para informar-me que a dona Marieta estava na sala aguardando, precisava falar comigo sobre o divórcio. Eu já estava dando razão ao ex-marido da minha cliente, pois ela era uma chata, mas não podia dizer isso a ela nem a ninguém por isso disse:
- Mande-a entrar.
Novamente começava meu suplício de ter que aturar uma cliente que passara a ser um verdadeiro tormento para mim. Toda semana vinha ao escritório para saber sobre o andamento do processo. Queria ficar livre daquele “sem vergonha”. Eu, no entanto, achava que realmente quem deveria ficar mais feliz com a separação seria ele, pois estaria livre daquela “chata”.
Durante longos e cansativos quinze minutos, eu ouvi e aconselhei-a ficar calma e esperar, pois nada estava dependendo de mim mas, da lentidão da justiça. Ela parecia não acreditar e com certa relutância quando já ia saindo disse:
- Posso voltar na semana que vêm?
Não adiantava eu dizer que não precisava, pois as coisas estariam do mesmo jeito, pois eu sabia que ela estaria ali novamente com as mesmas conversas e reclamações. Pobre coitado esse ex-marido, pensei.
Quando saiu, respirei aliviado, ela conseguia me tornar tenso e aborrecido, justamente por não poder falar para ela o que o marido tivera coragem de fazer.
Além da Marieta eu tinha outra cliente que se havia separado a pedido do marido que alegava sua frigidez e não o satisfazia. Quando ela falava comigo, portava-se como se fosse uma religiosa, cheia de medos e pecados, por isso num dia eu lhe disse:
-Dona Sílvia, liberte a prostituta que existe dentro da senhora, senão nunca será feliz na vida conjugal, mesmo que venha a se casar várias vezes.
Parece que ela entendeu o recado, pois, tempos depois, encontrei-a novamente e, segundo ela mesma me disse, estava muito feliz com o novo marido e agradecia-me por isso.
Voltei para minha cidade e quando passava perto da praça onde havia um velho coreto, algumas moças conversavam animadamente sobre alguma coisas que queriam ter como segredo, pois quando me viram calaram-se e falaram ao mesmo tempo, como se tivessem ensaiado.
- Boa noite, doutor.
Respondi educadamente e segui rumo à farmácia do José da Lica, para comprar medicamentos contra uma contusão que sofrera quando jogava futebol no último fim de semana. Eu jogava futebol com alguns amigos que eu conquistara e da última vez me dei mal durante uma bola dividida.
Cheguei em casa e depois do banho, quando já ia aplicar o linimento sobre a contusão que sofrera, ouvi alguém bater desesperadamente na porta.
- Doutor, doutor, o senhor está aí?
Levantei-me e depois de vestir-me adequadamente fui atender ao apelo daquele que estava me procurando para algum caso de urgência durante a noite. Eu sabia que advogado não dá plantão, mas aquele chamado parecia ser desesperado.
Ao abrir a porta, do lado de fora estava o sr. Juvêncio, fazendeiro muito rico e conhecido na região por sua riqueza e por sua fama de bravo e muito corajoso. Antes mesmo que pudesse falar boa noite, ele falou:
- Doutor o senhor precisa vir comigo, minha esposa está precisando dos seus serviços.
Sem entender o que ele queria dizer “minha esposa está precisando dos seus serviços”, tentei questioná-lo e aconselhá-lo a procurar-me no dia seguinte, mas ele, antes que eu falasse qualquer coisa, replicou:
- O senhor tem que vir comigo agora e sem demora.
O Juvêncio além de muito rico e valente era também muito rude no trato com as pessoas, por isso, sem mais demora, concordei e pedi que esperasse enquanto ia trocar de roupas.
Minutos depois saímos e fiquei calado sem falar nada, esperando apenas chegar ao destino para saber o que a esposa dele queria comigo. Talvez fosse a separação ou algum fato relacionado ao casal. Eu conhecia o Juvêncio apenas de ouvir dizer e nunca estivera em contato direto com ele ou com sua esposa.
Depois de meia hora de viagem por uma estrada esburacada, chegamos à sede da fazenda onde eles viviam.
Descemos e depois que entramos na casa, ele quase que me empurrava pelos corredores da casa rumo a sua mulher que, segundo ele, estava aguardando o Doutor.
Antes mesmo de chegarmos ao destino, ou seja, ao quarto do casal onde ela estava, ouvi gritos por isso fiquei arrepiado de medo. Eu imaginei que ela deveria estar sendo torturada por querer acabar com o casamento e pedir o divórcio e ele resolvera trazer-me como testemunha do fato ou fazer com que ela assinasse algum documento, renunciando a sua parte na partilha.
Enquanto era atropelado por pensamentos funestos, ouvi novo grito e segundos depois, quando adentrei o quarto do casal, tal foi minha surpresa que quase cai de costas.
Sobre a cama do casal, a esposa do fazendeiro estava deitada, tendo ao seu lado duas mulheres que faziam o trabalho de parteiras e rezavam ao mesmo tempo.
Quando vi aquela cena, mesmo sem entender a razão de minha presença no quarto, olhei para o fazendeiro que estava ao meu lado que foi logo dizendo:
- Depressa, doutor, faça minha mulher parir e não a deixe morrer, senão o senhor morre.
- O quê? Eu não sou médico, sou advogado !
- O senhor não é doutor em casos de família?
- Sim, mas de direito de família e não sei fazer parto.
Ele que parecia não me ouvir, colocou a mão no coldre onde ostentava um trinta e oito e disse:
- Doutor é doutor de qualquer jeito, por isso faça o parto, agora.
Os argumentos dele eram fortes e estava na cintura e na sua maneira incisiva de falar, eu não tinha como me recusar de tão “delicado” convite.
Quando ainda era criança na fazenda do meu avô eu tinha visto algumas éguas parirem e tinha noções básicas de como fazer.
Além disso, sabia que se a mulher morresse, eu morreria e se não fizesse o parto eu também morreria, por isso pedi as mulheres que aumentassem suas rezas e que ele mandasse trazer água quente, algumas roupas limpas, além de uma tesoura.
A mulher do Juvêncio tinha grandes ancas e talvez não fosse assim tão difícil fazer um parto.Além disso eu não tinha outra escolha.
Eu estava decidido a arriscar tudo ou morrer sem fazer nada. Diante destas duas alternativas resolvi arriscar. Durante mais de duas horas de gritos, rezas e suores a cabeça da criança apareceu e em pouco tempo a herdeira do fazendeiro vinha ao mundo.
Ele que esperava o parto do lado de fora, irrompeu ao quarto no momento que ouviu o choro da criança. Quando viu a menina ser entregue à mãe, o rude fazendeiro começou a chorar como se fosse uma criança e entre choros e soluços falou:
-Eu sabia, Doutor, que podia confiar no senhor.
Sentei-me em uma cadeira que havia no quarto- e observei que minha camisa e minhas calças estavam molhadas como se tivesse entrado debaixo de um chuveiro. Talvez tenha sido do esforço em fazer o parto. Talvez tenha sido do medo ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Enquanto tentava me refazer do susto, bem como me dar conta do que havia acontecido, vi que ele tinha na mão direita uma garrafa e na outra dois copos. Ofereceu-me um copo e disse:
- Doutor, vamos beber a esta nova vida.
Eu não sabia se ele se referia a vida de sua filha ou a minha que havia sido poupada e nem mesmo quis saber e naquela noite bebi como nunca tinha feito antes e tive que ser carregado até minha casa.
No outro dia, só depois da doze horas, consegui levantar-me, quando ouvi alguém batendo na minha porta.Minha cabeça doía da ressaca de tanto beber cachaça, já minha perna nada tinha e nem mesmo tinha usado o linimento que havia comprado.Até pensei em devolver ao Zé da Lica, mas o valor era tão pequeno, que resolvi assumir o prejuízo. Poderia ser usado em outra ocasião.
Na parte da tarde, o Juvêncio, que agora dizia que eu era o seu melhor amigo, veio buscar-me para ver minha paciente bem como a filha. Ela desejava ver-me para agradecer. Depois de ficar mais de meia hora ouvindo os agradecimentos dele, da esposa e de todos os serviçais da casa, ele chamou-me à parte e disse:
- Doutor, quando é que o senhor vai cobrar por seus serviços? E complementou: Pode pedir sem cerimônia que eu pago.
Em certo momento pensei em cobrar, mas não poderia, pois estaria admitindo ser médico, ou que tinha praticado um ato privativo destes profissionais e estaria municiando outros que necessitassem de um médico com urgência virem procurar-me, por isso respondi:
- Meu caro amigo Juvêncio, você me ofende imaginando que eu teria coragem de cobrar por um serviço deste. O amigo nada me deve e será um prazer se um dia me convidar para o casamento de sua filha.
Aquela tinha sido a sentença que dava origem ao convite que eu tinha agora em minhas mãos.
Ficamos conversando por muito tempo enquanto ele tentava me convencer a aceitar algum presente como recompensa. Mas eu recusei, não queria criar um vínculo que me levasse a prática ilegal da medicina.
Dias depois, fui até a capital procurar um amigo que se havia formado na mesma época que eu, porém em medicina.
Quando lhe contei o fato ocorrido, ele ficou mais de trinta minutos rindo. Ele era realmente um médico e depois de muita insistência e convencimento levei-o até minha cidade e lá abrimos um consultório para ele atender aos pacientes que iriam fluir para mim.
Ele era de família pobre e trabalhava na capital como empregado de hospitais, ganhando, segundo ele, pouquíssimo.
Dias depois mandei trocar o letreiro da fachada do meu escritório para “ Especialista em direito de família” Fiquei ainda mais dois anos na cidade atendendo a todo o tipo de caso, exceto partos.
Meu amigo o médico que levei para a cidade, em pouco tempo casou-se com a filha de outro fazendeiro e logo montou um hospital. Hoje ele administra um complexo de saúde que eu ajudei a criar quando o levei para me substituir “nos partos da cidade”.
Olhei atentamente o convite várias vezes e enquanto sorria das lembranças do passado, ela chamou-me de forma atrevida:
- Doutor, o senhor está bem ou tudo isso é ressaca do dia de ontem?
Ela tinha sido atrevida. Só que naquele momento eu era outro, devido às boas lembranças e recordações de um passado que estava de volta com o lado festivo da vida.
Olhei a secretária de cima em baixo, demoradamente, sem nenhum pudor que a deixei ruborizada e antes mesmo que ela falasse qualquer coisa, perguntei:
- Quer ir a um casamento comigo?
- Como, doutor, está brincando comigo ou está delirando?
- Delirando, eu?
- Sim, o senhor mesmo, parece que está longe e de repente me convida para um casamento e se esquece que eu tenho um namorado?
- E que problema tem isso? Afinal você sabe que eu não sou ciumento.
Ela riu e se virou para sair foi quando eu lhe interpelei:
- E aí, topa ir ao casamento ou não?
- Doutor, o senhor está falando sério?
- Claro que falo sério. Vai ou não vai?
- Posso pensar um pouco?
Quando ela disse isso, eu sabia que tinha vencido, em pouco tempo ela estaria ali de novo para confirmar e aceitar meu convite.
Depois que li e revi cada detalhe do recurso que estava fazendo para interpor ao Tribunal, ela abriu a porta e com um jeito meigo e um sorriso malicioso disse:
- Doutor, o que eu devo falar para meu namorado?
Eu,naquele momento estava absorto e com o pensamento todo focado no recurso, havia esquecido o meu convite, perguntei:
- Sobre o quê?
- Sobre o casamento !
- Ah! Qualquer coisa, você é quem deve decidir sobre isso.
Ela novamente sorriu de forma maliciosa e disse:
- Deixe comigo!
Na arte de dissimular e inventar estórias algumas mulheres tiram nota dez e eu sabia que ela iria arranjar uma desculpa convincente para enrolar o namorado.
Conforme foi combinado, sábado, bem cedo, passei pela casa dela e depois de apanhá-la, segui o destino aonde eu iria ter um reencontro com amigos e com minha própria história.
Ela havia avisado à família que iria acompanhar-me a um casamento de um cliente muito importante, por isso não poderia deixar de ir. Quanto ao namorado, disse a ele que iria com uma amiga a um retiro espiritual e que só estaria de volta na segunda-feira.
Eu, como homem livre, sem compromissos com ninguém, iria rever amigos, assistir a um casamento que nunca podia imaginar ver e acompanhado de uma bela mulher.
Eu sabia, no entanto, que nada deveria ocorrer entre nós, senão o vínculo de emprego e respeito estaria quebrado e isso eu não queria, para não perder uma secretária considerada boa em todos os sentidos.
Quando chegamos na entrada da fazenda, havia uma faixa enorme escrita da seguinte forma: “doutor especialista em família” e completava dizendo: Seja bem vindo. Ela tinha sido elaborada pelo meu amigo com a aquiescência do dono da fazenda.
Naquele momento, lágrimas escorreram rosto abaixo e enquanto tentava limpá-las e evitar que a secretaria visse, ela me disse:
- Doutor ! o senhor também chora ?
Ela falava aquilo porque eu sempre demonstrara ser durão e ela nunca vira eu me lamentar ou reclamar sobre alguma coisa. Então, não querendo parecer um fraco, respondi-lhe:
- E quem disse que eu estou chorando? E completei: Um cisco entrou em meus olhos.
Ela, querendo me questionar, respondeu em tom de pergunta:
- Nos dois olhos? Ora doutor, chorar é comum a todo ser humano!
Fiquei calado e tentava evitar novas lágrimas, enquanto descia do carro. Uma multidão vinha em minha direção capitaneada, pelo Juvêncio, a esposa e a noiva. O noivo vinha ao lado do meu amigo médico no meio da procissão.
A casa da fazenda era outra e enorme. Aquela que eu havia conhecido no passado parecia um casebre e agora era ocupada por empregados da fazenda.
Depois das apresentações, conversamos durante muito tempo sobre assuntos diversos até a hora do almoço. Quando, finalmente chegou a hora do casamento, eu já estava pronto, vestindo um terno novo tendo ao meu lado a bela secretária que também seria madrinha da noiva. Quando acabou o casório e durante a festa, a noiva chamou-me de lado, longe de todos, inclusive dos pais e, ao meu ouvido, disse baixinho:
-Doutor, quando eu for dar a luz posso chamá-los como meu médico parteiro?
Eu ri da piada e até achei engraçada, porque vinha de alguém que tinha o direito de fazê-la, afinal tinha sido eu quem havia trazido-a ao mundo, embora de uma forma não usual e sobre a força convincente de um trinta e oito.
O acontecimento havia virado piada na cidade e todos sabiam do ocorrido, porém era com muito carinho que aceitavam o fato ocorrido há mais de vinte anos. Eu era quase que venerado entre aquele povo, que tivera que deixar devido à morte de meu pai, na capital, onde tive que assumir os negócios da família.
Minha secretária, quando viu a noiva cochichando no meu ouvido, chegou de forma rápida como se tivesse com ciúmes e perguntou:
- Afinal o que ela queria e disse para você?
Ela havia me tratado de você e eu, tentando dar certo ar de mistério ao fato, falei:
-Depois eu conto. Agora nós vamos beber, comer e nos divertir, afinal casamento é pra isso, né?
Já era madrugada quando me recolhi aos aposentos que haviam arrumado para mim. A secretária dormiria no quarto ao lado. Tomei um banho bem quente, para relaxar e dormir depois de tanta agitação.
Quando saí do banho, vestindo o roupão que havia trazido, encontrei minha secretária semi-nua debaixo dos lençóis da cama que eu deveria usar.
- O que está fazendo aqui, menina, está louca ou coisa parecida?
As mulheres sabem realmente seduzir um homem. E ela de um jeito manhoso e sensual disse:
- Sou tão feia assim, doutor?
O problema não era esse, eu sabia que iria perder uma secretária por me envolver com ela, mas como ninguém é de ferro, senti que o leão urrava querendo sair da jaula. E então deixei que ele se libertasse.
Quando o sol já estava alto, eu ainda estava sonolento, quando a vi se esgueirar ao meu lado enquanto sussurrava no meu ouvido uma máxima que eu sempre lhe falava quando ia ao Tribunal para interpor um recuso de algum caso que eu julgava difícil.
-Alia Jacta Est.
Talvez estivesse perdendo naquele momento a melhor secretária que eu já havia tido, mas não estava arrependido, porque ela era uma bela e fogosa mulher que sabia muito bem fazer um homem sentir-se satisfeito.
Não sabia como seria nosso futuro relacionamento de patrão e empregada, nem tampouco o que eu deveria fazer a partir do primeiro dia de serviço. Se a demitisse estaria cometendo uma injustiça, por outro lado não sabia como deveríamos me portar a partir daquele dia.
Ficamos ainda mais um dia na fazenda do amigo e somente na segunda-feira, de madrugada, voltamos à capital. Eu queria aproveitar o máximo a companhia daquela fogosa mulher, pois não sabia como seria o nosso relacionamento a partir de segunda-feira.
Quando nos despedíamos, o amigo Juvêncio chamou-me de lado e perguntou de forma discreta:
- Doutor, está namorando este avião?
Eu sorri e sem responder despedi-me de forma calorosa, prometendo voltar muito em breve para uma visita mais demorada.
Enquanto dirigia, ela a meu lado se portava como se fosse minha namorada e me cobria de carícias de todos os jeitos possíveis. Delicadamente pedi que parasse para que eu não perdesse a atenção na estrada. Ela era muito ousada e insaciável.
Ela atendeu ao meu pedido, então respirei fundo, sorri e repeti mentalmente.
A sorte está lançada, doutor.
20/12/06