Capitulo 2 do Livro Sangue e Gelo

Para que não houvesse a possibilidade de arrepender-me da decisão tomada, levantei-me rapidamente e fui em direção ao banheiro. Deixei o moço James na companhia da Remy, e fui peguei alguns baldes com água na torneira próximo a banheira, e fui enchendo-a. Passava pela minha cabeça tirar a barba usar minha melhor roupa, mas, observando a água caindo da torneira no balde, me veio que eu ainda não fui inocentado, e com a verdade vindo a tona provavelmente nunca serei, por tanto, eu ainda era o Sr. Inglês, o foragido, mesmo que ninguém ali em Turim soubesse.

A luz do sol passava levemente entre as brechas da madeira do meu banheiro, deixando-o um pouco claro, a água muito fria necessitava de um pouco da água da chaleira pra ficar numa temperatura aceitável, voltei a cozinha e percebi o James brincando com a Remy, mas, ela meio que não dava muita atenção a ele, mas parecia contente, ao me ver passar, sorriu e comentou:

-Ela é muito dócil

-Sim! Mas acho que está doente, de uns tempos para cá ela está muita quieta, também quisera, tem quase 20 anos minha cadela.

Fui pegando a chaleira e voltando ao banheiro, e ele continuou lá, como se a cachorra brincasse com ele também.

Despejei a água quente, experimentei a temperatura e tomei apenas um banho sem muito esmero, ao me vestir, coloquei sim, uma roupa das menos gastas que eu tinha, afinal nem lembro a ultima vez que desci até a cidade. Sai do banheiro abotoando a camisa e chamando e James para irmos logo, aproveitar o dia todo, afinal, não seria fácil contar com detalhes o que aconteceu a quase 30 anos.

Fui caminhando mais devagar que o convencional, certamente com os pensamentos muito longe, provavelmente tentando organizar tudo que foi vivido e que fosse de relevância tanto para a história, como para o policial que seria minha chave para a liberdade mental que pra ser sincero era algo que pra mim não fazia mais sentido, porém, talvez fosse interessante provar novamente do prazer e o poder de usar meu rosto, meu nome, contar quem sou eu de verdade pra quem perguntar. Esse pensamento até me arrancou um leve sorriso, e garanto ser algo raríssimo. A Remy não me seguiu até o estabulo e achei estranho, então falei com o James que vinha caminhando no meu encalço.

-O Senhor poderia voltar e ver o que a Remy está fazendo?

-Claro, acho que ela não estar bem, Sr. Finnagan.

Foi dando meia volta.

Enquanto tirava minha égua no seu estabulo, observei o quanto o cavalo do Sr. James era bonito, não sou um profundo conhecedor de cavalos, mas, um puro sangue inglês se conhece a distância. E apesar da distância percorrida estava muito robusto e inteiro ainda. Enquanto admirava o cavalo do moço, ouvi sua voz vindo da minha casa, parecia um tanto desesperado os gritos, parecia gritar algo sobre as Remy, ficou apreensivo e aflito, lógico, sai correndo em direção a entrada da minha casa, ele esta na porta com o olhar triste e acalmou a voz ao me ver.

-Sr. Finnaran – James tirou o chapéu e colocou contra o peito – Acho que a Ramy terminou sua estada nessa terra.

Sinceramente, não sei o que senti, descrever seria muito difícil, apenas me virei lentamente sem mesmo se quer olhar no rosto do O’Connel, maneirei o passo e fui em direção a minha casa, não sei bem, mas não queria ver a morte da Remy ou ela morrendo, então, fui andando quase parando, sabe quando tudo era meio fora da realidade, parecendo um sonho, ou melhor, um pesadelo, principalmente pelo o fato de eu estar sentindo algo, me importando com algo, sempre foi o contrário, ela que se importava comigo. Confesso que nos últimos 20 anos, não lembro de sentir ou me importar com algo ou alguém, nem sabia que a Remy fosse tão importante, nunca parei para perceber que ela era tudo que eu tinha, tudo que falo é tudo mesmo, algo vivo. Desde minha chegada em Trata, me sentia um moribundo, e aquele momento foi o primeiro desde que coloquei os pés naquela terra que me senti vivo, pois senti algo. De imediato não era dor, uma certa dificuldade de engolir a saliva, algo do tipo.

Quando cheguei a cozinha, vi ela estendida no chão próximo ao fogão, talvez buscando um lugar quente, abaixei-me coloquei a mão sobre ela e vi que quase não respirava, certamente o James tinha razão, era o fim da jornada da minha maior e mais fiel companheira. Por um instante não me senti ali, naquela casa, com o James olhando para nós dois com aquele olhar triste de velório, o entalo no peito se transformou em algumas lagrimas que enchia meus olhos, e começava lentamente a cair sobre meu rosto pingando próximo a Remy. Meus pensamentos passaram a viajar, até Lyon, onde o Sr. Tillie me deu a pequena Remy, ele mesmo já havia colocado o seu nome, batizando-a com o mesmo nome de sua falecida mãe, e disse-me que ela me protegeria como a mãe dele o protegeu. E sabe de uma coisa, ele estava certo. Ela cuidou de mim, de minha casa, esteve ali, quando ninguém podia ou queria estar, alerta, forte! Nunca refleti, nem sequer percebi o ciúme, cuidado que ela tinha por mim, e naquele momento, entendi o por que eu estava vivo, por que não havia tirado minha própria vida, seu amor e cuidado me atingia sem que eu percebesse. Enquanto eu pensava nisso tudo, vi que ela já não respirava mais, Deus a usou até em morte, para me fazer reviver, na dor, mas me sentir vivo. Nos últimos vinte anos, não temo em dizer, que, as vezes que sorri foi olhando pra ela, sua atenção, entendendo tudo que eu ordenava, as vezes que eu dava uma ordem e ela apenas dançava, se jogava no chão. Não era desobediência, ela apenas sabia que eu precisava sorrir, sempre fazendo de tudo pra ter minha aprovação. Hoje realmente me senti vivo, mas com uma enorme vontade de partir, e receber os cuidados da Remy por mais alguns longos anos.

Infelizmente tive que voltar a realidade, e voltando a sentir a realidade, olhei para o Sr. James e pedi ajuda para enterrar a Remy.

-Você pode me ajudar a fazer um enterro para minha cadela.

Ele apenas acenou com a cabeça em sinal de concordar com meu pedido. Sai com a Remy nos braços e apontei para o canto da cozinha onde ficava uma pá, mostrando ao James o que usar para me ajudar, ainda não conseguia falar direito, sai e ele logo atrás de mim, num silêncio que fazia as coisas ficarem mais difíceis ainda

Chegamos num lugar um pouco longe da casa, por trás dos estábulos, onde ficava umas arvores, ela sempre gostava de brincar por lá, caçar, correr, essas coisas de cães, enquanto eu ainda estava meio fora de mim, olhando minha cadela agora sem vida, o James cordialmente e mostrando entender um pouco o que se passava, começou a cavar o gelo até chegar a areia que ficava logo a baixo, o gelo ainda não era tão espeço. Coloquei com bastante cuidado o corpo da Remy no buraco e começamos a fechar, o frio começava a diminuir, mas, ainda era muito forte para estar do lado de fora de uma residência.

Ao fechar o buraco e colocar algumas pedras ao redor, fomos pegar os cavalos no estabulo, colocamos as montarias, a minha bem velha e gasta e a dele nova, parecia ser confeccionada naquele momento, não pude deixar de observar.

Leandro Cavalcante
Enviado por Leandro Cavalcante em 20/11/2019
Reeditado em 21/11/2019
Código do texto: T6799000
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