sementes de dor
Rodolf era completamente alérgico a pelugens em geral, e um dos seus desgostos sendo tão solitário, era o de não poder ter um animal de estimação para lhe fazer companhia. Dizem que nada compensa o contato humano, mas somos espécies adaptativas, e qualquer outro meio de vida pode ser uma compensação melhor do que nossos semelhantes – a espécie mais imprevisível e vil, e Rodolf em sua tenra experiência pelos escárnios e apelidos por causa da sua timidez e baixa autoestima devido a uma cicatriz que corta horizontalmente a parte direita do seu rosto de um acidente, sabe disso melhor. “Você poderia plantar algo, poderiam ser flores, ou até uma árvore,” a cuja opinião do seu terapeuta ressonou nele durante aquela semana, nunca havia pensado nisso, embora morasse num local florestal perfeito para tal. Rodolf decidiu tentar, e seus pais lhe presentearam com um pinheiro. Ele preparou ao seu pinheirinho um cercado, o plantou, e o regou diligentemente. Rodolf não imaginava que naquela primeira irrigação já depositaria um ensolarado carinho por uma mera planta. Semanas e meses avançavam, e o pinheiro crescia saudável, e o amor de Rodolf pela cuja planta que agora já o ultrapassava em altura crescia junto. A gradatividade rápida com que o seu pinheiro crescia se equiparava à dificuldade que os dias atuais estavam sendo para Rodolf. Os assédios que ele sofria semanalmente nas aulas deixaram de serem mais orais e se tornaram também físicos, por razão nenhuma além da habitual, ao ponto de chegar em casa com o braço ralado em sangue mas ele mentiu a sua mãe sobre ter caído acidentalmente em cacos. Nesse mesmo dia, sozinho, Rodolf se sentou à terra apoiado no seu pinheiro e chorou aquele seu machucado que tinha raízes muito mais profundas do que a sua planta jamais alcançaria. Nas semanas e nos restantes dos meses a vir, aquele pinheiro ofereceria um suporte imenso a Rodolf. As lágrimas do adolescente regavam semanalmente a sua planta, atualmente, já uma árvore jovial. Rodolf conversava com o pinheiro diariamente, e quando havia ventania balançando aos seus caules e folhas, ele sentia que era respondido. Na última semana de aula ante ao Natal, Rodolf ganhou do trio de valentões que especialmente o degradavam um presente de despedida para compensar as férias: uma surra de socos. Naquela tarde, sozinho enquanto os pais procuravam a reitoria do colégio para resolver aquela situação de Rodolf, o adolescente retornou ao seu pinheiro para conversar as suas mágoas, mas desta vez, exaurido, vomitou em voz alta chorosa enquanto chutava à gravetos e a terra em torno da sua árvore aquela dor que agora o socava por dentro ansiando se rasgar afora em qualquer alvo. Rodolf só não esperaria que aquele trio de valentões o observavam aos risos cochichados escondidos entre as árvores em torno, pois continuar a caçar uma presa já ferida é mais excitante, e a pateticidade daquela descoberta a que viam era impagável. “Own, mas ela não é uma jardineirazinha...”, um deles murmurou fino quase arrancando uma gargalhada reveladora. “Cara, eu tive uma ideia! Isso vai ser a cereja do bolo...”, um outro murmurou chamando as atenções, e o seu olhar se afiou rumo àquele pinheiro. O raso vento que chacoalhava ao pinheiro cessou, e Rodolf se virou aos barulhos de gravetos se quebrando sucintamente. Arregalou os olhos ao vê-los, ali, risonhamente fitando ele e ao seu pinheiro. Um deles, o do meio, retirou do bolso um isqueiro, e o do seu lado direito revelou das mãos nas costas um laço emaranhado de cipós. Rodolf tremeu em suas entranhas enquanto recuava para o seu pinheiro. “Quem mexe com madeira também pode ser queimado, Rodolfinho, não sabia?”, o com o isqueiro em mãos risonhava enquanto os outros dois rodeavam a Rodolf e o seu pinheiro, “Hoje, você vai se queimar até o fim,” e então ele acendeu o isqueiro. Rodolf bambeou as pernas e caiu apoiado pelos caules e as folhas duras do pinheiro. Aquele com o isqueiro apontou com a cabeça ao que tinha as mãos livres, “Pega!”, e Rodolf se enfiou mais contra as folhas do pinheiro ao passo que o cujo adolescente avançou, e Rodolf trancou os olhos, mas os reabriu arregaladamente quando gritos dos três e rastejamentos apressados nas folhas secas do chão com solavancos na terra o coagiram a ver. Os três valentões estavam paralisados e presos nos braços e pernas enroladamente por raízes vivas provenientes do rumo do pinheiro de Rodolf que selava até a suas bocas. Só havia temor primal dos seis olhos esbugalhados com clamores engasgados. Rodolf se reergueu bambeando tremulamente. A ventania retornou balanceando calmamente ao seu pinheiro, e uma raiz serenamente se deslizou pelo o ombro direito de Rodolf, e ele paralisadamente temorizado, só sentiu quando ela serpentinamente gélida pousou na cicatriz do seu rosto cuidadosamente. Uma lágrima escorreu dele a regando. “O que desejas que deveria ser feito? Diga-me...”, o raso vento dentre as folhas do seu pinheiro tocando a suas costas o sussurrou. Rodolf pousou trêmulo a mão na raiz que afagava a sua cicatriz, e fitou laminamente aos três se balançando como meros gravetos finos apanhados por mãos gigantes. Um sorriso se arfou delineadamente no rosto de Rodolf, dando vida à cicatriz, e os três valentões esbugalharam mais os olhos ao verem que o pinheiro se movia com a ventania moldando com os seus caules e folhagens mãos gigantes em torno de Rodolf, e acima da cabeça do adolescente se abriu dois buracos dentre as folhagens moldando a dois olhos sangrentos com o sol avermelhado ao horizonte. As raízes que os prendiam se trancou aos seus corpos como a Rodolf momentos antes já desistindo da sua vida, e Rodolf vislumbrou aos três corpos se quebrando todos os ossos e os nervos como gravetos, e os olhos deles voando afora dos corpos ante aos seus pés, e sangue cuspido regando o solo e as raízes vivas. Abruptamente, as raízes retornaram solo adentro por crateras similares à cicatriz de Rodolf e trazendo consigo os três, enterrando a tudo, até sugando os olhos deles e o sangue. O seu prezado pinheiro havia ouvido a cada clamor e dor de Rodolf, a cada desejo inconsciente crescendo como raízes, se regando em lágrimas, até desabrochar em retaliação. A vingança é como o desabrochar de uma flor, exige cuidado, tempo, e podar arestas que revelem as suas falhas. O solo do pinheiro de Rodolf estava devidamente regado e adubado, e desta vez não com lágrimas injustiçadas. A raiz se deslizou do rosto de Rodolf até a sua mão, a envolvendo, e Rodolf retribuiu com um aperto afetuoso. Ele não estava mais sozinho, e ninguém mais se adubaria com as suas lágrimas.