Fantasmas

O ano é 2009, o mês é abril, o lugar é a minha casa, a hora é 1:30 da madrugada, sei disso porque o meu despertador tocou enquanto eu lia um livro distraidamente na cama, quase que morro do coração. Passado o susto eu caí no riso, e foi bom para eu poder me tocar que já estava na hora de dormir, resolvi ler mais um capítulo do livro e levantei para tomar um copo de água antes de me entregar ao sono, naquele momento eu me sentia muito cansado, havia ido resolver umas coisas pendentes no “meu” banco e aproveitei para passar em um sebo e comprar o livro que agora lia. Tem aquele momento em que por mais que você tente se concentrar para ler parece que tudo o que você leu sumiu em um segundo, se você gosta de ler, sabe exatamente do que eu estou falando. Bom eu me sentia assim quando resolvi levantar da cama, calcei minhas havaianas e andei vagarosa e preguiçosamente até a cozinha, quase que me arrastando literalmente, mas a sede me incentivava a continuar. Finalmente cheguei à geladeira, abri a porta sentindo aquele vento gelado, peguei a garrafa de agua no compartimento à porta, e levei a boca, sei que talvez você não ache um ato muito higiênico mas quando se mora sozinho se adquire hábitos um tanto quanto estranhos, mas nem tanto pois quando eu era criança sempre sonhei em tomar agua direto na garrafa já que nos filmes da tevê os atores sempre faziam isso e pareciam tão “descolados”, tomei um gole enorme de agua, tanto que até derramei sem querer no meu peito, respirei bem fundo já que estava sem camisa e a agua gelada em contato com o meu corpo me fez dar uma espécie de suspiro.

Estou nesse ano de 2009 estudando administração, não sei o porquê de ter escolhido esse curso, na realidade me dou melhor com letras do que com números, gosto de escrever poemas, não escrevo profissionalmente, escrevo apenas para a minha apreciação e deixo alguns amigos chegados lerem. Um dia antes de tudo acontecer eu havia dentro do ônibus me sentido inspirado a escrever, quem escreve naturalmente sabe da sensação da qual eu me refiro, guardei o pensamento das palavras e quando desci do ônibus corri para casa antes que me esquecesse, o meu caderno estava em cima da cama e a caneta estava pelo chão, devia ter caído e eu não vi, peguei a caneta e o caderno e escrevi rápido, antes que esquecesse e então escrevi assim:

A pedra que não conhece o amor

A flor que o representa mas não é

Há de te encontrar ó meu amor

Tu que há de ser minha mulher,

A fúria do tempo que não passa

A força do amor que ainda não existe

Peço-te à Deus em graça

Pois tu és a busca da metade que o meu corpo insiste.

Não me recordo o porquê da folha do caderno em que escrevi esses versos, estar em cima da mesa na cozinha, mas quando passei para beber agua me recordo de tê-la visto e “escrever” uma nota mental de leva-la para o quarto, e guardar em uma pasta junto com outros poemas. Fechei a porta da geladeira e de cabeça baixa me encaminhei à mesa da cozinha para pegar a folha de caderno, quando levantei a cabeça quase morri de susto, me arrepiei da cabeça aos pés, fiquei paralisado, não consegui dar mais nem um passo. Ali parada na minha frente estava uma jovem, loira, de camisola, parada em frente à mesa da cozinha, estava debruçada sobre a folha de caderno, lendo ou sei lá o que, só sei que tomei coragem e falei com ela: “Moça, ô moça, como você entrou aqui?”, era inútil, ela parecia que não ouvia, continuava concentrada na folha de caderno na mesa, foi quando olhei para baixo e notei que ela não tocava os pés no chão, quase desmaiei, nunca fui de acreditar em fantasmas mas se aquilo não era um, o que era aquilo então? Foi quando de repente ela se virou e a coisa ficou mais estranha ainda, eu não conseguia ver o rosto dela, parecia embaçado, e ela continuava como se não me visse, então ela disse algo: “Que bonito, quem será que escreveu?”; mas ela dizia isso de si para si, ela não me enxergava. Ela então olhou para as mãos e falou baixinho: “É tudo um sonho, eu estou sonhando, estou dormindo, isso não é real.”, e sumiu diante dos meus olhos.

Naquela madrugada lembro que corri para o quarto todo arrepiado, me ajoelhei e falei com Deus, e não consegui dormir, fui para a faculdade com cara de quem passou a noite na farra, mas também não contei para ninguém, iriam me chamar de louco, passei muitos dias assim, dormindo com sede, você pode até estar rindo agora, eu mesmo hoje em dia rio dessa experiência, mas foi a experiência mais estranha que eu já passei em toda a minha vida, e você deve estar curioso se isso aconteceu outra vez, então eu já adianto para você que isso nunca mais me aconteceu, toda vez que olho o meu pequeno verso eu lembro daquela moça loira da voz suave, elogiando o que escrevi.