VIAGEM AO MUNDO PARALELO
Onde estava naquele momento ela não podia dizer.
Sabia que estava deitada em uma cama mas não era a sua. Era mais dura e fria. Parecia que estava numa maca de hospital. O cheiro era de mofo e não podia enxergar nada. Senti-se sufocada com o aparente espaço apertado em que estava.
Levantou-se com dificuldade e aí percebeu o que ocorreu com sua perna. Ela estava bamba. Ela não a sentiu e caiu da cama ao tentar apoiar-se nela.
-Meu Deus! O que é isso? –sua voz saiu trêmula.
Em movimento instintivo pegou a perna direita em suas mãos tremendo. Levantou-a e começou a esfregá-la.
Percebeu que devia estar ali presa e dormindo durante horas e agora todo o seu corpo sentia o efeito de estar acordando. Sua mente também. Agora tentava retomar o raciocínio. Tentou respirar mais lentamente se acalmar e ver se recuperava a memória.
Nada.
Sua mente era um borrão negro. Nada de lembranças. Apenas a escuridão.
Não sabia muitos detalhes. Apenas seu nome vinha à tona naquele momento.
Sara Dias.
Sara Dias Albuquerque.
Ufa! A memória estava intacta!
Mas mesmo fazendo um esforço não se lembrava mais de nada.
Então sua perna a tirou de seus pensamentos. Ela começava a responder. Podia sentir mexendo-a. Conseguiu se colocar de pé novamente e andar. Firmou os pés no chão frio e úmido da casa. Todo de piso frio e branco. Tinha a estranha sensação de que realmente estava em um hospital ou clínica. Talvez tivesse sofrido um acidente e estava se recuperando.
Naquele momento queria apenas avisar ao médico que estava acordada e se sentia melhor apesar de um pouco confusa.
Então procurou alguma campainha. Não havia nada ali nem ao lado nem pelas paredes.
-Maldita escuridão!
Começou a sentir seu coração querer saltar de seu peito. Era estranho demais estar em um hospital tão escuro como aquele. Hospitais não eram assim, nem mesmo a UTI.
Tinha duas opções, voltar a dormir e esquecer tudo aquilo. Talvez estivesse num maldito pesadelo. Ou tentaria caminhar e buscar respostas.
Pensou alguns momentos então decidiu ao menos se levantar. Enquanto firmava a planta dos pés pode sentir o gelo subir a sua espinha. Era terrível, mas precisava se recompor. E aos poucos estava conseguindo. Resolveu seguir em frente em busca de sinais.
Começou a tatear pelas paredes à procura de alguma porta ou uma saída ou qualquer outro objeto que pudesse lhe dar alguma resposta.
Sua visão começou a voltar. Sentiu suas pupilas começarem a enxergar um borrão escuro começar a querer tomar forma. Então com muita dificuldade conseguia ver as paredes. Eram verdes.Típica cor de um hospital. Sentiu-se mais tranqüila. Realmente estava em um lugar seguro. Parecia estar livre de seqüestradores.
Então viu o lugar em que estava deitada. Era uma maca.
-Mas....o que...o que...é isso?...aquela sou eu....
Aquilo era impossível. Ela viu seu corpo deitado na maca. Estava quase translúcida e o olhar quieto e tranqüilo como uma bebê deitada no colo da mãe.
Em total desolação olhou para si mesma e agora enxergando melhor conseguia ver seu corpo. Ela estava em pé e totalmente nua.
-Droga, acho que...estou...não, não pode ser....su tão jovem...não!!!
Então de súbito a memória de seu filho recém-nascido e seu marido vieram à mente.
-Não!!! Eles precisam de mim....agora não Deus!
O marido a beijou. Ela acordou do coma.
Daquele dia em diante decidiu que não iria mesmo se divorciar. A ideia lhe pareceu insana, depois de tudo aquilo. À época ela não conseguia entender por que.
Hoje, passados de 50 anos ela entende.
Olhando sua mesa, enquanto suas cinco filhas, dois filhos, o esposo ao centro, e seus doze netos e netas comendo vorazmente a macarronada que acabara de sair do forno, aquilo tudo se esclarecera.