ESCURIDÃO.

Exausto, adormeceu, dia cansativo, jornada extensa de trabalho. João chegou tarde em casa, buscou no armário da cozinha algo para comer, na geladeira pegou o que havia sobrado do suco. O corpo pesado, a sensação era como se fosse desfalecer, os braços e pernas doloridos. João devorou rapidamente o pacote de bolachas, tomou todo o suco em um só gole, a cabeça ainda doendo, tomou dorflex para amenizar as dores pelo corpo. Depositou a louça suja na pia, foi para o quarto, pegou toalha e roupas e foi para o banheiro, 'nada como um demorado banho para relaxar', pensou, e foi o que fez. O relógio na parede do corredor avançava na madrugada...

Terminado o banho, deitou-se, o cansaço era tanto que não demorou nada para dormir.

SONHO.

O lugar onde estava era completamente diferente de tudo o que já havia visto. Era um mundo formado por máquinas, um mundo sobre rodas. Haviam algumas pessoas conhecidas, colegas do passado, cada um em seus afazeres dentro da grande máquina, ele, logo percebeu que era parte daquele mundo estranho, um trabalhador daquela fera misteriosa, era uma cidade inteira sobre rodas de esteiras gigantescas e descomunais. O céu tinha tons alaranjados, às vezes mais para o vermelho, ficava o tempo todo assim. As pessoas vestiam roupas que ele nunca havia visto. No sonho, ele e os demais colegas consertava uma plataforma de transferência elevada. Uma espécie de elevador gigantesco que transportava casas do nível inferior daquela espécie de arca gigante para a parte superior. Algo extraordinário, mas que, para ele, no sonho, era como se fosse completamente normal, no sonho ele tinha conhecimentos específicos de cálculos, engenharia e materiais.

João despertou com os barulhos do vizinho. Era de manhã, domingo, folga. Ficou curioso a respeito do que sonhou, anotou tudo o que lembrava, foi um sonho diferente de todos os que ele já teve. João passou a manhã inteira pensando a respeito.

Segunda-feira.

Antes de ir para o trabalho fez diversas pesquisas, encontrando das mais simples às mais bizarras explicações e teorias. Alguns dos seus sonhos anteriores ainda estavam vivos na memória, outros, no entanto, figuravam esquecidos.

João sempre teve interesse em assuntos de mistérios, mundos proibidos e ocultos, e toda coisa relacionada direta e indiretamente a esses assuntos. Inclusive, já havia pesquisado um vasto material relacionado a mundos paralelos, viagens no tempo através dos próprios sonhos, as inúmeras dimensões existentes. Um assunto que nenhum de seus amigos conhecia, não havia com quem ele falar sobre aquilo, mas, estava determinado a descobrir algo. O sonho da última noite despertou sua mente para novas possibilidades.

João concluiu que, em alguns dos seus sonhos, na verdade, eram visitas às suas consciências em planos existentes paralelos. Ele entendia que nesses planos, o seu eu do presente assumia aquela vida na realidade paralela como sendo dela, contudo, o seu eu do presente, ou seja, quem ele era na realidade, não existia na outra dimensão.

Na realidade presente João era um simples balconista de açougue, mas, no último sonho ele era um importante engenheiro de cálculos e matérias, conhecendo e dominando assuntos, realizando projetos e cálculos que jamais imaginou fazer. Tudo aquilo o assustava. Ele lembrava-se do sonho, todavia, não conseguia reproduzir os conhecimentos que tinha lá. Era tudo muito complicado em sua cabeça, mas, que o despertou para algumas possibilidade, embora teoria do absurdo para muitos, revelava-se para ele perfeitamente possível se executado corretamente. João estava decidido a tentar viajar no espaço tempo usando como veículo as realidades paralelas presentes nos seus sonhos. A dificuldade estaria em despertar nos sonhos e realidades paralelas a plenitude de sua consciência presente e de seu eu real. Feito isso, seria em teoria, possível comunicar-se com os mestres espirituais ascensionados e ter deles permissão para atravessar os portais dimensionais para outros pontos no espaço tempo. Era uma possibilidade absurda para muitos, não a João, decidido a provar todas essas teorias a si mesmo.

Nova noite.

Após outro dia cheio de tribulações, ainda mais exausto, João achou que nem sonharia naquela noite, tamanho era o seu cansaço, e se caso o fizesse, não conseguiria despertar sua consciência no sonho… Àquela noite reservava grandes surpresas.

João adormeceu rápido, muito rápido…

SONHO.

O lugar era estranho, às pessoas não, a sua casa era maior, havia todo o tipo de invenções ali, eram todas dele. João reconhecia as pessoas, o sobrinho que na vida real era especial, ali, era o seu ajudante, menino muitíssimo inteligente.

João trabalhava em numa nova invenção, era uma máquina, capaz de viajar no tecido do espaço tempo, tanto para frente como para trás. Ele fazia os últimos ajustes na máquina. Faltava testar. De repente, no sonho, teve um lampejo de consciência percebendo que estava em um sonho. Ficou aflito, eufórico, por alguns segundos não soube o que fazer… Pensativo, teve uma idéia, testar a máquina… Dentro dela fez os ajustes, posicionou controles, no visor da máquina digitou o alvo que desejava alcançar no espaço tempo. 'Tempo presente, minha casa, enquanto durmo', acionou o botão avançar. Movida a energia quântica e matéria escura, elevou-se rapidamente, atravessando as nuvens naquele céu alaranjado, um portal energético abriu-se em sua frente, atravessou-o, do outro lado estava o seu quarto, o seu corpo repousando na cama espaçosa, o relógio no criado mudo marcava quatro da manhã, no sonho pareciam apenas alguns minutos, no seu mundo real, haviam se passado quatro horas. Maravilhou-se com o feito, de repente, uma força misteriosa puxou-o de volta, em uma velocidade inimaginável por alguns segundos…

Despertou assustado, olhando para todos os lados, o relógio no criado mudo marcava quatro e meia, madrugada fria. João estava assustado… 'Sim é possível', pensou ele. Em alguma realidade paralela ele conseguiu construir uma máquina do tempo que funcionava. As suas idéias rodopiavam, a cabeça doía. Por algum motivo, inexplicado, conseguiu despertar a sua consciência no sonho, e, agora acordado, conseguia conservar parte da sua consciência do mundo paralelo dos sonhos, era tudo confuso demais, Maravilhoso demais, absurdo. Ele tinha na mente conhecimentos nunca antes imaginados, ciência, cálculos, astrofísica, mecânica quântica, tecnologia reversa. Na sua cabeça habitava as duas consciências, a do João balconista de açougue, e do cientista brilhante. Com medo de adormecer novamente e perder àquela dádiva única na vida tratou-se de levantar, às dez para cinco da manhã. Seria um longo e novo dia, 'o que fazer agora?', pensava, 'o que fazer?'…

Fez o café às sete, foi a padaria e comprou pães, na cabeça as idéias fervilhavam, era outro homem, de retorno em casa, na mesa do café, pensou em algo ousado. Talvez se ele voltasse no tempo, só mais uma vez, e tentasse alterar certos eventos, 'qual seria o resultado', pensava no assunto com relativa insistência.

No trabalho, a rotina de sempre, horas intermináveis… O penoso dia arrastava-se, o trabalho não trazia glórias, apenas enfado, insatisfação, revolta. João tenta conversar com os amigos sobre o que havia descoberto, ninguém lhe deu ouvidos, fizeram chacotas, riram, disseram que era louco.

Àquele dia pareceu mais longo que os demais, chegou em sua casa tarde, muito cansado. João não havia percebido, mas acabou por esquecer completamente do sonho, fato que o deixou ainda mais triste - quem sabe talvez - pensava ele, naquela noite tivesse o mesmo sonho. Tomou o banho rapidamente, dessa vez não comeu nada, deitou-se, o cansaço era tanto que logo adormeceu.

SONHO.

O mesmo céu alaranjado, na Oficina, João fazia ajustes na sua máquina maravilhosa, seria mais um teste. Ligou-a, digitou novamente o destino, dois dias no futuro real. A máquina elevou-se além das nuvens, o portal energético abriu-se… Não havia nada do outro lado, tudo era escuridão, não havia pessoas, nem casas, nem nada, somente a escuridão.

Despertou assustado, pensando no que poderia significar àquilo. O futuro que tentou ver era no outro dia. Talvez não fosse possível ver o futuro. Pensou João.

Levantou, fez o café, foi para o trabalho. O dia teve seu curso rotineiro, muito trabalho, muita chateação, fregueses aos milhares.

A noite veio apressada, João venceu mais um dia de trabalho, de rotina. Embora cansado, voltou para casa feliz, no outro dia seria folga, aproveitaria para visitar um amigo que a muito não via.

Raiou um novo dia.

João despertou cedo, tratou de fazer o café o quanto antes, queria aproveitar ao máximo a folga. Tinha muito a contar para o amigo, muitas novidades, tinha também as loucuras do sonho.

Ligou o carro.

Passou no posto, enquanto o frentista completava o tanque, digitou no GPS do celular o endereço do seu destino.

Nove da manhã.

Duas horas de viagem separava ele de seu amigo, não muito depois já estava na Castelo, pisou fundo, pista tranquila. João resolveu ligar o som do carro, colocar uma música para relaxar.

Quando, por alguns segundos abaixou os olhos para ligar o som, agigantou-se em sua frente a traseira de uma carreta, não houve tempo de frear, não houve tempo de mais nada, o impacto foi eminente, muito forte… João não viu mais nada, apenas a escuridão, silêncio…

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 03/10/2019
Reeditado em 06/10/2019
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