Amarras da ganância
Manuh um alquimista rico e excêntrico, aproveitava-se da fraqueza humana e mantinha seu sobrinho Emir, durante vinte e quatro horas, a seu lado servindo-o como se um escravo fosse. Tratava-o rudemente dia após dia e humilhava-o sempre quando havia alguém por perto. Sem contar que este não podia se ausentar em hipótese alguma do apartamento onde viviam. Para nada, nem mesmo para efetuar alguma compra por mais necessária que fosse. Tudo era pedido por telefone e entregue na residência pelo serviço de delivery.
Tal imposição era enlouquecedora. Emir pensava em abandoná-lo, porém a herança que tinha a receber o impedia de tomar aquela decisão.
Precisava continuar sujeitando-se aos caprichos de seu tio até sua morte. Dedicara-se a vida inteira cuidando dele, para ter o direito de ser seu único herdeiro. Renunciar agora era perder tudo e isso com certeza ele não faria jamais.
Seu tio além de tudo era sádico, pois não perdia a menor oportunidade de infernizar-lhe a vida.
- Já pensou alguma vez em me matar, Emir?
- Já, meu tio. E posso garantir que foram muitas vezes.
- E por que não o fez ainda? Ficaria livre de mim para viver o que lhe resta de vida.
- Existe um contrato de segurança e eu sei muito bem que eu não posso fazer isso, pois perco o direito da herança.
- Matando-me, você estará me fazendo um bem enorme. Faça isso, eu preciso descansar e você também.
- De forma alguma. Eu prefiro me cansar agora e depois com o dinheiro que vou herdar do senhor, descansarei aproveitando as delícias da vida.
- Aos quarenta anos você já está mais do que cansado. São trinta anos que você está nessa luta e eu não morro. Quanto tempo mais você acha que vai aguentar?
- Falta pouco. Mais um ou dois anos no máximo e eu fico definitivamente rico e livre do senhor.
- Não vai ser tão fácil assim, meu sobrinho. Ainda vou viver muito.
Sempre que mencionava essa frase Manuh balançava nas mãos um pequeno frasco para que Emir o visse.
- O senhor vai fazer cento e oito anos no próximo mês. Acredita mesmo que ainda vá viver muito?
- Quem sabe? Minha saúde continua perfeita.
- Mesmo assim vou esperar a ação do tempo.
- Como alquimista tudo posso transformar. Esqueceu?
- É o que o senhor diz, mas eu particularmente nunca lhe vi transformando nada.
- Então aguarde a sua maior surpresa.
Os meses foram se passando e nada mudava. Emir começava a dar mostra do cansaço por tanto esperar a morte do tio, mas sempre botava a frente de tudo a vantagens que passaria a usufruir quando ele se fosse e assim ia vivendo dia após dia.
Algumas semanas mais tarde Emir acordou e reparou que seu tio ainda não tinha se levantado. Uma alegria estranha tomou conta do seu ser e ele correu para a porta do quarto e parou, pois seu tio o proibia de entrar ali, mas sua curiosidade era tanta que abriu a porta e entrou. Na sua cabeça cansada pensava encontrá-lo morto. Ledo engano, o velho estava lá firme e forte se arrumando para fazer o desejum como sempre fazia, só estava um pouco mais atrasado do que o de costume.
- O que houve Emir? Você não sabe que eu não gosto que entre no meu quarto?
- Pensei que estivesse precisando de ajuda. - Respondeu rapidamente.
- Ou pensou que eu havia batido as botas? - Ironizou o velho alquimista.
- Não meu tio! Pensei realmente que precisasse de alguma coisa por isso entrei.
- Que isso não se repita mais. Já lhe falei a respeito e não vou me repetir, se acontecer novamente nosso contrato será desfeito e você perde toda minha herança. Quando eu morrer é claro. - Dizendo isso deu uma estrondosa gargalhada.
Emir saiu do quarto muito aborrecido e desanimado. Quando estava quase chegando a copa onde serviria o café, escutou um barulho.
Voltou correndo.
Viu seu tio caído no corredor e de sua mão um pequeno vidro rolara para o chão deixando como rastro um filete do líquido que ele acondicionava. Lembrou que seu tio não o largava por nada. A alegria tomou conta do seu ser quando viu que ele estava morto, quebrara o pescoço na queda. Imediatamente associou o líquido do vidro derramado no chão ao Elixir da Vida. Rapidamente lambeu toda a área por onde se espalhara. Estava rico e agora teria uma longa vida, pois bebera do líquido que seu tio inventara. - Pensou.
No mesmo instante começou a passar mal. Tentou chegar ao telefone para pedir ajuda, mas não conseguiu se mover um milímetro.
Ali mesmo junto ao corpo do tio, também, morreu envenenado.