Homenagem a um Grande Amigo
Laun não sabia que seu marido Steve tinha conquistado todos os prêmios possíveis nos campeonatos em que participara no passado em sua vitoriosa carreira de boxeador. Na opinião dela esta é uma profissão violenta e arriscada. Ainda bem que Steve Diamond já não lutava há quase dois anos e meio; tempo em que já estavam casados. Steve ainda mantinha o mesmo físico que exibia nos ringues. Sua agilidade e a força dos seus golpes em nada se haviam alterado. Lauren não gostava muito, mas na academia que juntos frequentavam ele se exercitava e isto para ela era bom, pois amava no marido sua forma física e seu porte atlético.
Steve tinha amigos no estádio em que treinava para as lutas. Guardava ali, em vez de em casa, as medalhas e os troféus que conquistou; não queria que a visão constante desses prêmios lhe trouxesse saudade e lhe insuflasse a vontade de voltar a lutar. Por amor à esposa, para não contrariá-la, largou a glória dos ringues. Uma contusão séria quase o levou à morte e, na cama do hospital, prometeu que não mais competiria. Embora hoje, são, novamente, precisava cumprir a promessa e empreender vida nova.
No estádio que o viu sagrar-se campeão pela primeira vez, amigos de Steve adoravam suas visitas. Bill, completamente molhado pelo suor, parou o que estava fazendo ao ver Steve aproximar-se para cumprimentá-lo. Batia, vestindo luvas pretas e brilhosas, o saco avermelhado pendurado no centro do ringue. Um soco meio de leve no peito do velho amigo, seguido de outro no ombro esquerdo recebeu o companheiro que chegou sorridente, distribuindo simpatias ao pequeno grupo que ali se encontrava. Todos cumprimentaram Steve, cada um a sua maneira, com abraços, toques de punhos e apertos de mão. Era um daqueles dias de treino que o velho boxeador gostava de apreciar e participar de alguma forma, com suas sábias opiniões sempre bem vindas e respeitadas pelo grupo.
No meio deles, um pouco afastado, estava Carl Lovato. Contrariando ordens médicas de tomar repouso, ali insistia em ficar porque era outro que não conseguia permanecer longe do boxe.
- Como está esse punho, amigo? - perguntou Steve, depois de descer os degraus do ringue e aproximar-se dele.
- Ainda me dói que só o diabo - respondeu Carl, massageando a mão por fora de uma tala de gesso encardido.
- Precisa trocar isso. Está bem sujinho.
- Aquele homem é uma fera, cara. Não admira que tenha perdido o seu título para ele. - Carl falava, mal podendo articular as palavras, dado ao inchaço da boca e olhava para o outro com dificuldade, tendo que erguer a cabeça, pois mal podia mover suas pálpebras. Em volta dos olhos hematomas desfiguravam-lhe a fisionomia.
- Ainda não consegui engolir essa derrota, se quer saber.
- Pois, fique sabendo que a primeira coisa que farei ao recuperar-me será acabar com aquele metido a valentão no ringue - arrematou Carl.
- Você sabe que é melhor do que ele, Carl. Apenas não teve sorte dessa vez. - Essas palavras foram pronunciadas por Bill, o que praticava no saco vermelho, depois de ouvir, de longe, a conversas dos dois amigos. Cada som que emitia era seguido de uma pancada, sempre mais forte que a outra, que arremessava para longe o saco, impressionando os que presenciavam a cena. O bíceps do enorme braço de Bill sobressaia de forma surpreendente, tamanha era a fúria com que batia. - É nessas horas que me arrependo de não ser um peso médio. Mostraria a Bad Smith o que é lutar boxe.
Bad Smith tirara de Steve Diamond o cinturão de campeão já há três anos em sua posse e acabou também o mandando para o hospital tal a ferocidade dos golpes que lhe aplicara. Foi uma luta dura até o sétimo assalto, mas que, a partir daí, a resistência de Steve começou a cair e dar terreno para que Bad Smith o massacrasse. Foram golpes sucessivos e impiedosos nos rins até que uma direita, repentina e muito bem colocada, levou-o à lona. Steve perdeu os sentidos pela dureza dos golpes, só acordando no hospital. Uma semana, duas cirurgias e o amor de Lauren, principalmente, foram o que o fizeram tomar a decisão de abandonar a carreira.
Mas Steve continuou sua vida trabalhando em seu velho e reformado caminhão. Fez algumas viagens, não deixou de ganhar dinheiro, embora nunca se aproximando das altas somas que a carreira de boxeador lhe proporcionava. Essa atividade lhe dava a chance e o prazer de participar, longe dos olhos e da preocupação de Lauren, dos acontecimentos no mundo do esporte que o havia projetado. Sempre podia prolongar em um ou dois dias as suas viagens a fim de estar presente e assistir as Lutas do seu interesse.
A grande revanche entre Carl Lovato e Bad Smith aconteceria no próximo fim de semana. Steve acompanhou, treinando, orientando e estimulando o amigo a que se recuperasse a ponto de arrebentar com o adversário. Carl ficou como novo em folha. Sua energia e seu entusiasmo eram contagiantes. Steve levou-o de caminhão até o local do combate. Pegou-o em casa após o almoço e foram para a concentração no próprio estádio. Carl estava ansioso, não vendo a hora de começar a luta. Socava o ar ininterruptamente e não parava quieto no mesmo lugar. Andava de um lado para o outro, falando e gesticulando. Nem a presença, nem as palavras de Steve o sossegavam.
- Assim não dá, Carl. Já falei; pare e descanse. Não é hora para isso agora. Treinamos e fizemos o que tinha que ser feito. Agora é dar o melhor de si e não se esquecer de nenhuma palavra de tudo que tenho orientado. Sente-se, antes que eu me aborreça e já o leve a nocaute aqui mesmo. - Dizendo isto, puxou o amigo pelo braço e fê-lo sentar a seu lado no banco estofado do vestiário.
Durante os poucos instantes em que durou a pesagem, o olhar de Carl em direção a Bad Smith era de puro ódio e ansiedade. Enquanto o outro, frio e indiferente, também encarava o adversário. Carl pouco se controlava com o olhar provocativo do seu adversário e Steve não via o momento de o amigo avançar sobre o outro e começar a esmurrá-lo. Não via a hora de a lutar iniciar-se e acabar logo com aquilo.
Os três assaltos iniciais não apresentaram grandes surpresas, mas Carl levava uma leve vantagem. Se terminasse ali mesmo o combate era certa a vitória de Carl Lovato por pontuação. Mas, não foi o que aconteceu. Infelizmente para Carl e, para Steve Diamond, um dos dias mais funestos de sua vida. Já vão saber o que aconteceu e o que fez mudar por completo o fim desta história.
A dois rounds do final da luta a vantagem de Carl sobre Bad Smith era surpreendente. Víamos, a qualquer momento Smith ser derrubado. O juiz, por pouco, não interrompe a luta por causa das condições físicas de Bad Smith, realmente lamentáveis. Mas, ocorreu, repentina e covardemente, aquilo que avaliamos de assassinato, pois não pode ser dado outro nome ao ato que foi cometido.
Embora pesos médios, eram, ambos os contendores, fortes e musculosos. No intervalo entre o penúltimo e o último assalto, mais precisamente, segundos após soar o gongo para o intervalo, Carl ia se virar para se dirigir ao seu canto. Bad Smith, tomado por ira ou frustração, pois sabia que não ganharia aquela luta, adiantou-se para frente de Carl e, sem tempo de ser impedido, desferiu com sua perigosa direita, um direto no rosto de Carl, acertando-o de lado, o que o fez sair do solo e ser jogado à distância, tal fora a violência do choque.
A luta foi cancelada. Carl, desacordado, foi levado para a emergência do hospital, vindo a morrer três dias depois por uma hemorragia interna. Isto transtornou a comunidade esportiva, sendo causa de debates, processos, programas especiais de televisão e reavaliação das regras do boxe. Quanto a Steve, sua revolta e tristeza eram incomensuráveis. Teve que resistir a pressões vindas de todos os lados, acusado que foi de permitir e incentivar o retorno de Carl antes de uma total recuperação.
Porém, um sonho, um desejo irresistível de vingança e reparação rondava o espírito de Steve Diamond. Voltaria a lutar. Na verdade não suportava estar longe dos ringues e, para convencer Lauren usou de todos os argumentos e ela, contrariada, acabou aceitando. A queda do padrão de vida do casal foi uma razão forte para convencer Lauren; mas foi difícil mesmo assim.
Preparou-se desesperadamente para o confronto que seria o mais significativo de sua vida. Porque não representava apenas uma vitória ou uma classificação a mais, mas, acima de tudo o descarrego de um sentimento incontrolável: justiça. Passava horas no ringue; afastou-se das atividades rotineiras para se dedicar melhor. Seus músculos ganharam novo tônus. Apenas um desejo lhe alimentava a alma: vencer. Mas do que isto: humilhar Bad Smith.
Chegou o grande dia. Nunca o Fight Stadium recebera maior público maior; foi uma noite de gala e de esplendor. O trânsito parou a cidade, os ingressos esgotaram-se antes da hora. Carros entupiram os estacionamentos. Pessoas se aglomeravam em toda parte. Nos guichês, nos coffee shops, enquanto não se abriam os portões para o evento. Uma vez liberados os aficionados do pugilismo, deu-se a correria. Logo, não restava um só lugar nos camarotes e nas arquibancadas de frente para a grande arena.
Segundos antes do início da luta Bad Smith, no seu canto, aguardando o gongo para o primeiro assalto, era só ansiedade. Dava socos intermitentes no próprio corpo, acertando os quadris por cima do short branco brilhoso. Não tirava os olhos de Steve Diamond, que dava sinais de tranquilidade; este parecia tremendamente confiante. Ao contrário de Bad Smith, respirava tão calma e profundamente que era possível notar o movimento de seus ombros subindo e descendo ritmicamente.
Ao soar o sinal para o primeiro round, Bad Smith partiu com tudo para cima de Steve Dimond. Este, como já conhecia a estratégia do outro, tantas vezes bem sucedida, desviava-se, jogando para os lados a cabeça, sempre tirando-a da direção de cada investida da potente esquerda de Bad Smith. Smith movia com incrível agilidade, ambos os braços, sacolejando-os no alto, como a se preparar para uma desatenção de Steve. A estratégia de Steve consistia em pequenos saltos, em meio círculo, para a esquerda e direita e vice versa, na intenção de cansar seu adversário. Isto estava irritando Bad Smith que não conseguia acertá-lo; esta situação perdurou praticamente inalterada até o soar do gongo. Ele realmente se cansara, jogando-se com tudo sobre a cadeira, totalmente esbaforido como se quisesse tirar o máximo proveito do intervalo para descanso.
No segundo assalto, Bad Smith volta mais cauteloso, poupando mais sua energia. Era o que Steve estava querendo, pois deixava seu adversário mais à vista para o que ele, Steve, pretendia fazer. E o fez com sucesso. Até ali muito poucos golpes haviam tido endereço certo, apenas resvalando em ambos os rostos. Mas a situação se alteraria dali em diante. Para começar a esquentar a luta e tirar murmúrios da plateia alvoroçada, Steve conseguiu acertar o queixo de Bad Smith depois de desviar-se de um direto poderosíssimo que, por pouco, não lhe manda a nocaute. Ao desferir esse golpe e, milagrosamente, não acertá-lo, Smith abriu a guarda e Steve Diamond não perdoou. Meteu-lhe a esquerda no queixo, pegando de baixo para cima e levando-o às cordas. Mas Bad Smith recuperou-se rapidamente e veio, no impulso, com tudo para cima de Steve. A meio caminho, porém, foi impedido pelo juiz da luta que se interpôs no meio dos dois, pois soara o gongo para novo intervalo.
O terceiro e o quarto assaltos não apresentaram grandes diferenças, mas um empate técnico entre os dois. A artimanha de Steve Diamond de girar na frente do outro prevaleceu o tempo inteiro. Mas parece que Bad Smith o vinha estudando, pois passou a fazer o mesmo e a luta se igualou. Mas no assalto seguinte a situação mudou completamente. Quase todos os golpes foram certeiros, embora leves, devido à distância. Todavia houve vantagem para Bad Smith. Uma pancada forte abriu o supercilio esquerdo de Steve Diamond; isto passou a dificultar sua visão. A um minuto do final do assalto já grande quantidade de sangue escorria sobre seu rosto. Com a visão prejudicada tornou-se alvo fácil. Um Jabe de direita de Smith o fez tontear e passar os derradeiros quinze segundos protegendo-se com as luvas sobre o rosto, apenas aparando as investidas do adversário.
Este intervalo foi a salvação para Steve. Desta vez foi ele quem jogou-se sobre o banquinho, prostrando-se por um bom tempo enquanto seu assistente, ao mesmo tempo em que o cuidava, orientava-lhe o que precisaria fazer em seguida a fim de reverter aquela situação. As palavras firmes e determinantes devem ter causado o efeito esperado, pois Steve voltou com um novo ânimo. Bad Smith surpreendeu-se logo no início, pois partido para cima de Steve, logo ao soar do gongo, na intenção de decidir a luta, foi rechaçado logo em sua primeira investida. Socando sem parar os braços e as luvas de Steve, deixou, por um momento, o estômago desguarnecido. Foi quando Steve, com uma rapidez impressionante, desferiu-lhe uma série de golpes rápidos e fortes sobre o fígado e rim, o que fez Bad Smith arquear-se de dor.
Aproveitando essa deixa, Steve mandou-lhe outro direto, desta vez no o maxilar fazendo-o girar sobre o pescoço; isto mandou Bad Smith novamente às cordas. Só que desta vez não teve gongo. Smith balançou nas cordas e voltou grogue e desnorteado. Outro golpe no meio da barriga o fez curvar-se. Só faltava agora um bem colocado por baixo do queixo. E foi o que aconteceu. E ele foi para o chão, caindo estatelado. Aí veio a contagem: um, dois, três. Smith continuava caído. Quatro, cinco, seis. A plateia vibrava. Gritos eufóricos ecoavam pelo estádio dando Steve como vencedor. Mas. Bad Smith não era de se entregar facilmente. Ao número sete, ergueu-se e viu-se em pé, lépido e pronto para uma reação. Estava dando tempo apenas para o soar do gongo.
Voltou revigorado em busca de uma virada. De todo jeito investia seus golpes. Direita, esquerda, por cima e por baixo. Mas Steve reagia bem, rechaçando-os um a um. Steve se descuidou e deixou que Bad Smith lhe acertasse de jeito. O soco pegou no lábio inferior. Essa região, por ser delicada, sangra com facilidade. A impressão que se tinha era a de que Steve Diamond perdera um ou mais dentes em função da deformidade que apareceu em sua boca. A visão do sangue deixou ainda mais excitado Bad Smith, como que o atiçando a definir o combate. Assumiu sua característica de mover com rapidez os punhos, esperando um descuido do adversário. A menos de um minuto do fim desse assalto era visível o seu cansaço pelo desgaste de energia e pela estratégia do rodopio de Steve Diamond a sua frente. Steve aguardava o mínimo da abertura de guarda para lhe desferir um golpe.
A chance surgiu. Bad Smith levou, dessa vez, um direto que ele não esperava; acertou-lhe de frente, bem em cima do nariz. Era o que Steve estava querendo para definir a luta. O esgotamento de Smith mais o soco nesse local altamente sensível fizeram-no bambear por segundos. Foi o suficiente. Uma série certeira de direita e de esquerda não deu mais chance a que ele reagisse. Foram muitos golpes sucessivos e bem aplicados que minaram toda e qualquer resistência de Bad Smith. O derradeiro e fatal foi tão forte que o sangue espirrou do nariz de Smith levando-o sem sentidos à lona.
A aclamação foi geral. Descobriu-se ali, pela intensidade dos gritos e pelos resultados das apostas que foram feitas, a ira do público superando a satisfação da vitória. Não seria para menos, a julgar pelo ato cruel que cometera. Carl Lovato estava vingado e já podia descansar em paz. Uma atuação do fenômeno Steve Diamond. E uma lição. Que serão para sempre. Lembradas e comentadas. Pelos amantes do pugilismo.
Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 18/12/2012
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