O ENIGMA DO TESOURO REAL
ADENDO AO TEXTO - talvez seja este meu melhor conto. Dará um belo filme, com locações em antigas cidades da Itália e da Espanha. SELENA GOMES seria a mocinha ideal para protagonista.
O ENIGMA DO TESOURO REAL
Corria o ano de 1600, os primeiros dias de um novo século, nova era... os ciganos acamparam nos arredores de Sherwood, cidadela inglesa ornada de castelos e famosa pelas antigas façanhas de Robin Hood e seus companheiros de aventura. Homens e cavalos, quase não havia mulheres, a vida num circo itinerante sempre foi difícil. Oriundos das terras quentes da Espanha medieval, exímios cavaleiros, sabiam manejar facas, chicotes e malabares de vários tipos, com números de equilibrismo e a sensação -- novidade maior aprendida na Itália -- a "torre humana", mais de 6 metros de altura, por vezes 8 ou 10, que um jovem franzino, quase um menino, escalava sem medo, coroando o esforço de todos abaixo, sob os aplausos da platéia. Circo sem lona, dependia de tempo bom para as sessões e as noites de lua cheia eram excelentes para isso. De dia os homens descansavam ou treinavam novos divertimentos, enquanto as poucas mulheres cozinhavam, lavavam roupas ou saíam pelas ruas lotadas, a ler mãos e sondar as belas mansões dos abastados locais, os castelos de condes e duques, lar dos poderosos, anotando as posições e altura de janelas e ameias, observando se tinham guardas ou cães, coisa rara.
Havia estranha "coincidência" entre a saída do "circo gitano" de cada cidade e uma série de roubos misteriosos, inexplicáveis, cuja culpa caía nas costas de serviçais e soldados inocentes, por vezes torturados ou mesmo mortos, quando o montante roubado era expressivo... nesses casos, dias depois, os ciganos já estavam a várias léguas da cidade, comemorando o sucesso da empreitada e planejando a entrada em nova vila ou condado na próxima lua cheia. Vistos como ladrões ou desordeiros, os ciganos eram apenas tolerados, aceitos por pouco tempo em cada local, espécie de mal necessário com data para findar.
Como velha tradição entre eles, cada grupo era formado por um Clã, todos meio parentes entre si, casando com primos sob a supervisão do chefe maior, nesse caso o ancião Josafá, longa cabeleira branca e olhar de águia, a quem todos obedeciam cegamente e ao qual cabia guardar a maior parte do butim, do que faturavam com os shows pois ele provia as necessidades do grupo. Josafá tinha uma neta, cujos pais ficaram na Espanha, reduto maior da ciganagem, origem primeira dos Grupos ciganos que se espalharam pelo Mundo. Mariluz adorava o avô e este tinha na neta a luz dos seus dias. Ao contrário das mulheres todas daqueles tempos, às escondidas seu avô lhe ensinara as primeiras letras embora ela não soubesse escrever. O velho "punha cartas", consultava o "Tarot cigano" e sabia o que estava por vir, daí ter preparado a netinha para sobreviver na sua ausência... saber ler lhe abriria muitas portas.
Naquele exato momento comemoravam lá fora... danças ciganas ao som de "adufes" (pandeiros) e da acordeona de 8 baixos, gargalhadas, gritos, "vivas", palmas, a empreitada fora um sucesso, estavam bem mais ricos todos eles, mas o jovem furtara do castelo o bem maior de Lord Grunewald, o cálice do Rei Arthur -- preciosa jóia tida como sagrada -- usado por Jesus na Santa Ceia. Tudo se dera como planejado, como sucedera em outras cidades e vilarejos, a "torre humana" funcionando como as engrenagens de um relógio, cavalos com as patas enroladas em pedaços de grosso cobertor e o jovem esperto a penetrar janelas e sacadas, sempre com o auxílio de 2 pequenos espelhos, um refletindo o brilho do outro, como tosca lanterna, a bela lua no seu apogeu, 2 ou 3 horas da madrugada, apenas vira-latas como testemunhas.
"Trabalhando" em perfeita sintonia o "Bando do Fogo Eterno" -- assim o circo mambembe se denominava -- preparara a cena noite após noite. Uma das pedras da sala do tesouro fora escavada com o auxílio de 2 finos ferros circulares em L, a argamassa milenar de barro e palha cedendo facilmente. Era chegada a hora de retirá-la... usando os 2 "Ls" como "braços" foi balançando e puxando a pedra centímetro por centímetro, apoiando os joelhos contra a muralha para acelerar o processo. O granito cedeu e iria estatelar-se lá embaixo atingindo membros da "escada" humana, não fosse a intervenção de Hércules que, nas apresentações do circo, carregava sem esforço um potro de mais de 200 quilos. Iniciara menino com o cavalinho com dias de nascido e, agora, seu corpo se adaptara ao peso. (O atleta "escalava" os muros com o auxílio de pequenas adagas, que trazia num cinturão de couro, cruzando o tórax.) Trepado no telhado da torre, desceu "cesto" de grosso tecido unido às suas costas por cordas resistentes. A pedra "pousou na mesa" improvisada e o "bambino" -- apoiando-se nela -- galgou com facilidade para entrar no "santuário" de ouro, prata e pedras preciosas. Atrás da porta maciça, 2 guardas sonolentos nada ouviram, a garrafa de vinho "batizado" que uma das ciganas lhes presenteara fazia efeito, os deixando num torpor aliado ao cansaço. Lá fora, a "escada" fora desfeita e seus participantes escondiam-se nas sombras... bem distante, seus cavalos pastavam.
Não demorou meia hora e o jovem desceu lentamente volumoso saco, sustentado com dificuldade pelo quase menino... a operação fora um sucesso. A "escada" se refez, o jovem saiu de costas pelo buraco e, com seus pés colocados nos ombros dos demais, repoz a pedra que o gigante sustentara por meia hora sem o menor incômodo. Por sinais se despediram, saindo do local em grupos separados. Mulheres jamais participavam de tais aventuras... Mariluz, sentada numa esteira na barraca, olhava seu avô meditando. Este falou-lhe:
-- "Prepara-te, vais deixar o grupo em breve... será preciso. Corte um pouco os cabelos, retire brincos, pulseiras e colares e mude suas roupas para as de um colono comum, os ciganos serão muito perseguidos, é o que diz nas cartas do Tarô" !
Nem era preciso consultá-las, o jovem trouxera entre moedas e jóias o "Santo Graal", o cálice sagrado que fora do Rei Arthur "da Távola Redonda", herdado por seu trineto, o terrível e temido Lord Grunewald. O chefe Josafá sabia que o príncipe não descansaria até encontrá-lo. Três dias depois o nobre mandou buscar a taça, queria lustrá-la para usar no baile que daria. Seu ministro voltou apavorado, a peça sumira junto com moedas e jóias. Intimou os guardas todos que cuidaram da sala do tesouro naqueles dias. Ninguém explicava coisa alguma e, mesmo torturados, não confessaram. Ordenou ao mago do palácio preparar beberagem que os fizessem "abrir o bico"... nem assim ! Hipnotizou-os -- para espanto do "rei" que viu no bruxo um perigo -- e NADA. O mago pediu para examinar a sala, onde ninguém entrava. Em meio minuto, sorriu para o Lorde e declarou:
-- "Pode soltá-los, são todos inocentes" !, e mostrou ao nobre sinais de calçado de couro na poeira e a pedra sem reboco !
-- "Uma grande escada foi postada na muralha, é coisa pra muita gente junta, não foram 2 nem 3" !
O príncipe deu um berro e exclamou:
-- "Por Satanás, a "escada humana"... foram aqueles malditos ciganos, quero todos mortos, atrás deles já" !
Josafá lera no "Tarô" seu próprio fim e de todo seu clã e queria salvar ao menos a neta. Ela não dormiu, enquanto a festa continuava lá fora, alheios ao perigo, grossa cavalaria já em marcha para exterminá-los. Seu avô sumiu na bruma, passou horas fora e findou a madrugada desenhando num pergaminho. Ao amanhecer abraçou-a longamente, deu-lhe 1 saquinho com moedas de prata, selou "Aldebaran", seu magnífico puro-sangue árabe e ordenou que fosse embora. Ela montou "a cavaleiro", como um homem faria. Ele a repreendeu, lembrando a ela que se portasse sempre como o restante do povo.
***** ***** *****
A farra estava boa mas o velho bateu um sino e todos lhe deram atenção. Precisavam partir, a qualquer momento o roubo poderia ser descoberto. Já trotavam a 2 dias, carroças abarrotadas de mantimentos comprados com as moedas do príncipe, deixadas em estalagens, pequenos mercados e matadouros, "miolos de pão" que os soldados do príncipe seguiam sem esforço. Abordaram o "comboio" no quarto dia e cumpriram as ordens à risca: mataram todos, queimaram tudo, recuperando praticamente todo o tesouro roubado, exceto o cálice de ouro.
Mariluz aceitara emprego como aia dos filhos de um duque do condado vizinho e recebia presentes dos senhores ao arredor para ceder seu esplêndido cavalo andaluz para reprodução. Vivia com conforto, assediada pelo pajem Igor, tão jovem quanto ela, a quem não "abria guarda", não correspondia aos galanteios, flores e olhar apaixonado. Certo dia "encostou-o à parede", olhos nos olhos:
-- "Sou cigana, Igor -- era o mesmo que ser judeu naqueles tempos, "o povo que matara Jesus" -- você casaria comigo" ?!
O rosto do jovem ruborizou, ele pigarreou, tossiu !
-- "Era o que eu imaginava, "senhor" Igor" !, concluiu com voz gelada, uma sombra de mágoa no fundo dos olhos negros.
Igor não dormiu direito, fugiu aos encontros com ela, mil dúvidas se chocando no cérebro, como nuvens de tempestade.
-- "Eu caso, senhorita Mariluz, eu caso... pouco importa sua origem, eu a amo de todo o meu coração, dou-lhe minha palavra"!, falou quase gritando, voz entrecortada pela emoção. Palavra empenhada não tinha volta, recuo.
-- "Não é tão simples... precisas te tornar cigano, depois pedir permissão a meus pais"!, no que ele concordou célere.
-- "É feita uma cerimônia e serás marcado a ferro e fogo com o brasão da Família, bem aqui"!, pondo sua mão suave e perfumada sobre seu coração. Tocado por ela estremeceu, de prazer e pavor. Segurou a mão dela entre as suas e "gemeu":
-- "Aceito tudo, aceito qualquer coisa, desde que não tenha que renegar a meu Deus, minha religião" !
-- "Deixe de asneiras, são apenas calúnias de quem nada sabe sobre nós, cada cigano crê no que bem quiser" !
Nesse entardecer de felicidade uma nota triste: amigos do duque recém-chegados de Sherwood lhe narraram sobre a chacina de ciganos sucedida meses antes. Discretas lágrimas desceram de seus olhos, cabeça baixa para não perceberem. Seu coração já sabia há tempos, o cavalo "Aldebaran" também... relinchou com desespero a noite toda naquela época !
Chegara a hora de partir ! Chamou Igor e comunicou-lhe que pediria dispensa do emprego aos nobres, o cavalo era patrimônio da família e precisava voltar aos seus. Igor tranquilizou-a... iria junto para protegê-la, a viagem da Inglaterra para a Espanha era longa e perigosa ! Sentados sobre o feno na baia de "Aldebaran" conversaram a noite inteira, abraçados e felizes. Foi então que ela lhe mostrou o desenho que o avô lhe dera, ao se despedir:
-- "Vovô me disse que era muito valioso, mas ainda não consegui decifrar do que se trata" !, exibindo num pergaminho estranho retângulo com vários quadradinhos e, à esquerda, 1 corcel negro empinado, uma pata sobre pequena coluna xadrez (do tipo que sustenta vaso de flores) e a outra a "apontar" o quadro cheio de letras. O jovem sorriu, já vira algo assim antes, na mansão do amo anterior, o Barão de Rothschild, onde fora cavalariço.
-- "Ah, não tenho a menor dúvida... trata-se de XADREZ, passatempo surgido na Índia, passando pela Arábia e hoje praticado por nobres em toda a Europa. A coluneta xadrezada é insinuação sutil. Tudo indica que as letras seguem o "salto do cavalo", isto é certamente um ENIGMA" !
Igor conseguiu lápis e papel e, na base da tentativa e erro, surgiram as 2 palavras iniciais: "big tree" !
-- "Oh, meu Deus... é o grande carvalho na entrada de Sherwood, vovô está me indicando onde escondeu sua parcela na divisão do tesouro do Lorde, que o Bando surrupiara" !
Em 7 linhas horizontais e 5 colunas verticais 35 LETRAS misturadas revelavam o local exato do tesouro real. Eis o ENIGMA e sua solução:
V-E-F-T-R................16-06-25-04-14
R-T-I-A-S.................26-31-15-33-24
E-E-R-E-G...............07-17-05-13-03
A-O-D-P-W..............30-27-32-23-34
R-O-S-I-U................18-08-20-02-12
N-T-B-N-E................28-29-10-35-22
F-3-T-L-B.................09-19-21-11-01
D - C - B - A
(Linha A) - big tree of b
(Linha B) - lue river 3 s
(Linha C) - teps fron
(Linha D) - t at dawn
Combinaram voltar à cidadela de madrugada para pegar a fortuna, mas sem o cavalo andaluz que meio mundo conhecia. Alugaram charrete e partiram á noitinha, sem dar descanso à parelha de belos alazões. Enfim, o segredo revelado: "grande árvore (no) Rio Azul, 3 passos de frente para o nascer do sol". Armado de enxada e pá Igor não precisou de muito esforço para localizar a pequena urna metálica, com saco de couro cheio de moedas de ouro, pedras preciosas e, envolto em seda, o Cálice famoso, o "Santo Graal" em todo o seu esplendor. Quase morreram de susto... voltaram calados mas decididos a fazer retornar à Igreja o que lhe pertencia.
Foram semanas de viagem a pé e a cavalo "pelo Caminho de Santiago", uma grande fortuna oculta sob farinha, arroz e feijão, em pequenas latas. Em algumas estalagens conversavam aos cochichos, ansiosos por ver chegar a hora de devolver a preciosidade. "Aportaram" em belo convento, a capela sempre aberta aos peregrinos. De madrugada Igor esgueirou-se e colocou sobre o altar dela o magnífico presente, a reluzir à luz dos castiçais. Cumpriram seu Destino... pela manhã alvoroço espantoso, monges e padres a gritar "MILAGRE"!, gente acorrendo à capela. Descobriram a novidade !
Na aldeia cigana a mãe de Mariluz estava feliz: vira "nas cartas" que sua adorada filha voltava e haveria casamento ! Todos foram avisados, o Tarot não mentia jamais... Igor fez o juramento cigano, berrou como cabrito desmamado ao ser marcado e foi motivo de chacota por bom tempo. As danças duraram uma semana... assim findam belas histórias de amor !
"NATO" AZEVEDO (em 19/set. 2019 - ANANINDEUA, Pará/BRASIL)
****************
OBS: esse tipo de CHARADA usando o tabuleiro de Xadrez vi/li nos anos 70 em revistas antigas, de 1905/1910, a CARETA ou O MALHO, passatempo que formava desenhos geométricos, aves ou flores.