Uma Garota Pobre em Panthea - PARTE 2/2

Cidade Portuária de Aldena.

A manhã estava ensolarada quando a garota margeava a cidade. Ombros caídos, passos curtos e pescoço curvado. Era impossível esconder seu desgaste. Ela caminhava rumo ao início da floresta Boca de Dragão, ás vezes voltava os olhos para o sentido contrário, em direção ao porto. Seus pensamentos deviam estar lá. Não era comum ver desabrigados fora da cidade, afinal na floresta não havia certeza de recursos para sobreviver, as árvores não davam muitos frutos comestíveis, Talvez um ou outro, mas bastante raro. E pra acrescentar haviam os boatos sobre estranhos na floresta.

Apesar de tudo isso ela continuou prosseguindo. Por algumas horas vagou pela parte menos densa da floresta, balançava todos os arbustos, observava todas as árvores, não tinha idéia de quais árvores poderia ter comida, então era melhor ver em todas. Passado esse tempo sua sacola velha só tinha uma dúzia de frutas pequeninas, mas a dor da fome persistia, pois ela não guardava aquela comida para ela.

Em determinado momento ela parou atrás de alguns arbustos perto da estrada principal que saia de Aldena. Se ajoelhou sobre o chão, sua respiração estava ofegante, não parecia bem. Nesse instante ela pôde ouvir vozes alí perto, uma família passava andando pela estrada rumo a cidade. Ela os observou dalí.

- Mãe, eu tô com fome! - Disse uma menina aparentando uns sete anos de idade, estava de mãos dadas com a mãe, falava enquanto mexia num saco com comida que sua mãe trazia na outra mão. Se pareciam bastante.

- Precisa esperar, Sofia. Estamos chegando. - Disse rindo e escondendo a sacola da menina.

- Hoje vamos comer algo melhor, com certeza. - Disse o pai, que ia mais a frente, carregava um garotinho pequeno de uns cinco anos no colo.

- É! - Exclamou o menino e todos riram em seguida.

Enquanto as vozes se distanciavam a garota por trás dos arbustos chorava abraçada aos joelhos.

Ela chorou por algum tempo e depois voltou a procurar frutas na floresta. Mas enquanto observava uma árvore, ouviu vozes novamente. Dessa vez vinham de uma parte mais densa da floresta, ela já havia andado um bocado, a curiosidade infantil a atraiu até lá. Mas ao ouvir a palavra "ataque" ela hesitou, com mais cautela ela se agachou e continuou o caminho.

Após transpassar alguns arbustos ela parou, conseguia observar entre as folhas. Um pequeno grupo de homens conversavam ajoelhados em circulo, observavam algo no chão.

- [...] sim, é claro que ele fez. - Disse um deles sussurrando. - Precisa ser rápido, entramos e saímos.

- Precisamos lembrar de evitar os civis. Não quero sangue inocente nas minhas mãos. - Disse um outro, parecia ser o mais jovem alí, não tinha barba, seus cabelos eram curtos e negros, os olhos tão escuros quanto.

- Mas é óbvio, Baruc. Então preparem seus homens, quando o Sol estiver no pico nós entramos por onde planejamos e ao sinal da equipe de Danter atacamos na base portuária. - Concluiu o primeiro homem.

A menina já havia até esquecido da dor em seu estômago, parecia bastante interessada até o momento em que notou que o homem que estava bem em sua frente, chamado Baruc, a fitava diretamente nos olhos.

Em desespero ela recuou ainda agachada rapidamente, se ergueu e partiu em disparada para a cidade, desviando de árvores e pedras. Poucos minutos depois já corria pelas ruelas novamente até que, cansada, resolveu para atrás de um caixote. Enquanto recuperava o fôlego percebeu que o saco velho não estava em suas mãos. Ela foi ao chão novamente, pôs as mãos sobre o rosto enquanto gemia.

Ela se apoia no caixote e levanta-se, volta o olhar em direção a floresta, não havia ninguém vindo, seria arriscado voltar lá? A luz Sol já a incomodava os olhos naquele momento. Então subitamente ela olha para cima, o Sol estava quase no pico. Ela parece ponderar sobre algo, olhando novamente para a floresta. Em seguida franze as sobrancelhas e dispara em direção ao porto.

--//--

O Sol está no pico. A garota se esconde no meio do lixo e observa, extremamente ansiosa, uma banca a poucos metros de distância repleta de caixas cheias de frutas bonitas. Um pouco mais distante dalí ela vê a base dos soldados no porto. Até agora nada. Nenhuma correria, nenhum disparo, nenhuma explosão. Ela põe a mão na barriga, a dor parece insuportável.

É então que, num ato desesperado, ela avança repentinamente, saindo do monte de lixo e indo em direção a banca. O dono está falando com um cliente, ela não vê soldados alí perto. Quando alcança a banca, com rapidez, ela puxa um dos caixotes com força, derrubando frutas no chão e chamando a atenção de todos em volta. O dono das frutas e o cliente correm atrás dela.

A menina segue avançando pelas ruelas segurando o caixote sobre sua cabeça. As vezes ao virar nas esquinas, uma ou duas frutas caem do caixote, mas ela com certeza não parece se importar. Após mais algum tempo correndo ela não escuta mais os passos do vendedor e do cliente, então reduz sua velocidade até parar num beco escuro.

Ela se abaixa e observa as frutas no caixote, todas com cores bem vivas. Ela põe a mão em uma maçã bem vermelha e quando a leva a boca, hesita. A garota observa a fruta por mais um momento, enquanto mantém a mão na barriga, e coloca de volta no caixote. Ergue-se e continua seu caminho.

Quando finalmente chegou na frente do beco ela foi surpreendida por uma mão forte que agarrou-lhe pelo pescoço e prendeu-a contra a parede, no movimento brusco ela acabou largando o caixote e as frutas caíram pelo chão. Ao olhar novamente ela vê o soldado.

- Achou que ia fugir pra sempre, pirralha!? - Era o mesmo homem que havia a perseguido antes. Apesar de não poder ver seu rosto, coberto pelo elmo, ela o reconheceu.

Nesse exato instante um estrondo pôde ser ouvido vindo do porto.

- Temos que ir, Gadril! - Disse o soldado atrás dele. - Esse estouro não é coisa boa! - Disse e saiu correndo rumo ao porto.

O soldado Gadril empurrava a menina contra uma parede adjacente ao beco, então nenhum dos desabrigados conseguiam ver o que estava acontecendo.

- Sua cretinazinha, me transformou em piada na frente dos meu colegas! - Disse e deu um tapa no rosto dela. - "Lá vem o trouxa que não alcança pirralhos!", dizem eles! - Disse e deu outro tapa.

A menina nada dizia, apenas apanhava calada.

- Você não fala nada?! Tá brincando com minha cara?! Quer se fazer de fortona?! - Deu outro tapa. - Fala alguma coisa! - Disse enquanto forçou a boca dela até abrir.

- Não tem língua?! Hahahahaha! - Soltou uma gargalhada e ouviu-se mais uma explosão ao fundo. - Nesse caso... O que você tem aí embaixo? - Disse enquanto descia a mão no vestido surrado da garota e o levantava. As mãos dela estavam ocupadas demais tentando evitar o sufocamento pela mão do soldado.

Subitamente, o soldado leva uma cotovelada no rosto que o faz largar a menina e ser jogado pro lado. A menina cai sobre os joelhos tentando recuperar o fôlego e vê um homem chutar o soldado caído, arrancando-lhe sangue.

Quando ela fixou os olhos no homem, notou que era o mesmo que a viu na floresta.

- Baruc! Vamos embora, antes que eles peguem todos nós! - Gritou um homem que vinha na direção deles e passou correndo pelo beco.

Baruc observou a menina ainda no chão e com o dedo indicador fez sinal de silêncio. Indo embora pelo beco em seguida.

Após se levantar a garota catou rapidamente todas as frutas ainda no chão e pôs no caixote, olhou para o corpo estirado e ensanguentado do soldado e correu para o beco. Chegando lá viu os desabrigados correndo confusos com as explosões, então foi se aproximando do menino ainda sentado na tenda. Ele foi se levantando e correndo em direção a ela, mas de repente uma explosão ocorre acima deles, fazendo a parede logo atrás rachar e começar a tombar.

Em desespero ela solta o caixote e parte em direção ao menino, grunhindo. Pouco antes da parede cair sobre os dois, ela consegue empurrar o garoto com força para outro lado e em seguida a poeira do impacto da parede sobre o chão se levanta.

Após alguns minutos o silêncio imperou naquele beco, apesar de gritos poderem ser ouvidos ao longe nas ruelas. A poeira já abaixava, revelando apenas alguns poucos desabrigados que ainda saiam dali. Então, vindo correndo desajeitado, o garotinho se aproximou dos destroços e encontrou a irmã presa sobre entulho, caída sobre uma poça de sangue.

- Sofia! Sofia! - Exclamava ele, tentando tirar as pedras de cima dela. Mas êxito.

Ela apenas gemia de dor e olhava para o menino. De repente, ao longe, o som de muitos passos puderam ser ouvidos e ao olhar ela viu soldados correndo em direção ao beco.

- Sofia! - Gritava o menino, voltando a puxa-la. Mas sem forças.

Foi nesse instante, que repentinamente, um homem agarrou o menino e o ergueu no colo. Era Baruc. Ele olhou rapidamente para Sofia e para os soldados vindo. Com um olhar triste ele deu-lhe as costas e saiu correndo.

- Sofia! Sofia! Sofia! - Gritava o menino, preso ao ombro de Baruc, enquanto se distanciava.

A visão de Sofia estava turva, mas com o braço em direção ao irmão, a ultima visão que teve foi dele indo embora. Sua visão escureceu e mais nada.

FIM

Henrique Lima
Enviado por Henrique Lima em 23/08/2019
Reeditado em 24/08/2019
Código do texto: T6727636
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