Filho da dor

É um fragmento do livro "Filho da Dor", uma releitura do folclore brasileiro e da mitologia indígena ambientada numa sombria Floresta Amazônica.

Estava deitado numa clareira com uma terra afofada pela umidade ribeirinha do rio corrente próximo. Seus olhos pousavam no brilho esverdeado das folhagens no alto de árvores longas e espaçosas que deixavam o céu respirar em volta, o vento passava e movimentada as folhas como se fossem ondas chocando entre si. Levantou-se com facilidade, descansado e sem se importar com sua localização, apenas admirando a clareira cujo centro era preenchido com casas de palha e estruturas de madeira. Não parecia estar habitada, mas era possível escutar gemidos seguidos de gritos na direção do rio próximo. Caminhou para investigar a origem. Lá estava uma morena de cabelos brancos e longos no meio da correnteza, parecia estar ajoelhada, com as mãos enfiadas na água para suportar o peso. Gritava de dor. Seu cabelo era completamente branco e estava molhado em parte, como se estivesse entrado sem a intenção de mergulhar. Admirou a cena por instantes até que a morena avermelhada o fitou na margem do rio, não parecia mais estar com dor, e foi encarando o sujeito que ela se levantou com uma criança, que acabava de parir, em seu colo.

—Você é lindo, não é filho— perguntou para Moacir, descobrindo a face da criança com a mão.

Ele caiu de joelhos na margem do rio e sem pensar, perguntou

—Se a criação é a expressão máxima da existência, o que poderíamos sequer fazer depois, mãe?

A mulher não respondeu, seus olhos vacilaram e seu corpo desmaiou, deixando aquela criança ser levada pelas águas enquanto ela mesma se afogava na correnteza.

Elias Mendes
Enviado por Elias Mendes em 16/08/2019
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