A MALETA PRETA - 04 - FIM
 
    Acordei com um saco preto enfiado na cabeça. Estava zonzo, amarrado em uma cadeira, meu crânio latejava. Sentia que na sala havia várias pessoas. Mal me endireitei para perceber onde estava e o saco que me cobria o rosto foi arrancado.   
 
     Aquela luz forte me impedia de identificar quem eram eles ou quantos seriam. Numa fração de segundos, recebi uma bofetada na cara. Uma voz feminina, ríspida e nada amigável falou em tom de chacota:

     - Bom dia, bela adormecida, há quanto tempo!

     Tentava olhar para seu rosto, mas tudo o que eu via era uma sombra escura. Ela me puxou pelos cabelos, trouxe para bem perto de si e gritou:

     – O que aconteceu com a maleta!? Por que diabos ela está vazia!? Que merda você estava pensando quando decidiu trair a gente?

     Eram tantas perguntas seguidas que eu não saiba qual responder primeiro. Alias, não me lembrava de nada daquilo. Balbuciei:

     – Eu não sei – respirei um pouco e, tentando desviar o rosto daquela luz ofuscante, complementei – eu não me lembro!

     Ela me deu vários tapas seguidos na minha cara, enfurecida.

     – Você acha que eu sou idiota de cair nessa conversinha!?

     Percebi que ela sacara um revolver das costas, apontou para o meu joelho esquerdo e disse:

     – Vou perguntar só mais uma vez: onde está o conteúdo da mala!?

 
     Ela pressionava com força o cano da arma contra o meu joelho. Eu realmente não me lembrava de nada. Quando nos encontramos, pouco antes de nos despedir, Carlos tinha me dado um botão para apertar caso algo desse errado ou se eu precisasse de sua ajuda. Agora, todo amarrado e com esse monte de gente me olhando, seria impossível alcançá-lo, se ele ainda estivesse comigo.

     Tentei ganhar tempo, pedi calma, disse que “ele” tinha pegado a maleta enquanto tinha desmaiado.

     – Olha só, ele está se lembrando...

     Todos que estavam na sala começaram a rir.

 
     – Ok, estou vendo que você só precisava de um estímulo para começar a falar. Você deve se lembrar de que deveria proteger aquela mala com a sua vida e nos entregar, não é!? Ajudamos vocês a roubarem a maleta do Centro de Pesquisa da Zaibatech. Quem foi esse “ele” que pegou a mala?

     Enquanto ela falava, um dos “assistentes” jogou um balde de água gelada em mim. Puder ver dois fios soltando faíscas ao fundo.
 
     Por mais estranho que pareça, tive a impressão de observar Carlos lá dentro entre aqueles que me viam ser torturado. Calei. Não sabia se poderia confiar nele, ou mesmo no impacto que teria ao dizer o seu nome naquele contexto.
 
     O assistente tocou com os fios em mim. Uma fração de segundos que durou uma eternidade. Retorci-me todo na cadeira. Perdi o controle dos esfíncteres, além de oprimido, me sentia humilhado.

     Mais uma vez eles riram em coro, dizendo: “Temos todo o tempo do mundo! Já você...”
 
     Encarei Carlos por um instante. Eu sentia tanta raiva dele que iria falar naquele momento o seu nome, se não fosse um estrondo arrombando a porta.
 
     – Polícia, mãos para cima! Estão todos presos! – nisso, vários policiais adentravam a sala com espigadas e submetralhadoras em punho, deslocando-se buscando os cantos.
 
     Rapidamente, aqueles que estavam no recinto se viraram e abriram fogo. Carlos pulou por sobre mim e me derrubou, com cadeira e tudo, ao solo. A troca de tiros foi intensa. Estampidos, rajadas e explosões ressonavam naquela pequena sala, era um barulho ensurdecedor.

     Numa dessas explosões, senti meu corpo ser arremessado contra uma das paredes e tudo ficou escuro novamente.
 
* * *

    Estava com meus pais, José e Rosa, e tínhamos conseguido pegar a maleta preta. Ele, depois de entrarmos no carro, com um olhar sério, me olhou e disse que tudo o que estavam fazendo era pelo meu futuro.   
 
     Tínhamos recebido ordens explícitas de levar aquela maleta para “A Base”, se falhássemos, era certo que toda a humanidade seria afetada por aquele “Agente”, que já tinha um plano global para sua distribuição. Contudo, apenas a Zaibatech teria a cura, que ainda não fora definitivamente testada – e era isso que estava atrasando os planos da infecção global.

     Ao sairmos do prédio, o alarme havia sido disparado. Não se passou um minuto sequer que tínhamos ganhado a estrada e várias viaturas estavam no nosso encalço. Estávamos suspeitando que a maleta tivesse um dispositivo de localização via GPS.

     – José, eles vão nos pegar! Isso é diferente de tudo o que fizemos antes!
 
     Ele seguia atento, tenso, sem dizer uma palavra. Estava concentrado fazendo as mais diversas manobras para despistar os policiais.
 
     – Se a maleta esquentar demais, o que estiver dentro dela vai se perder. Tanto a cura quanto o “Agente”. Temos que achar uma forma de levar as substâncias sem levar a maleta. Mas o pessoal da Base só vai deixar a gente entrar se formos com a maleta. Caso contrário, Melina está tão neurótica que é capaz de mandar nos matar – disse José para Rosa, sem tirar os olhos da pista.

     Ao ver uma barreira a frente, ele fez um cavalo de pau e pegamos a contramão na autoestrada.

     Vendo que não haveria como fugir, minha mãe abriu a maleta, que continha quatro ampolas injetáveis, preparou a seringa e disse:

     – Duas dessas ampolas possuem o “Agente” que iria aniquilar a raça humana, e outras duas possuem a cura. Não sabemos qual é qual. O que iremos fazer?

     – Podemos usar nossos corpos como incubadoras– eu disse depois de tomar coragem.

     Ela me olhou nos olhos, num misto de aflição, medo e surpresa, falou que tinha razão, mas que os efeitos colaterais eram muito graves, incluindo alucinações. Perguntou-me se eu queria continuar com aquilo.

     Ouvimos vários tiros. Papai foi alvejado, o carro seguia em frente, a toda velocidade, com ele tombado na direção.

     Mamãe não teve tempo para pensar. Com as seringas em mãos, espetou duas nela mesma e duas em mim. Peguei a maleta e a fechei. Antes que ela pudesse recuperar o controle do carro, ele voou por cima da mureta, capotando várias vezes.

 
* * *
 
     Acordei em um hospital. Carlos estava ao meu lado. Olhei para ele assustado, ao que ele disse:

     - Calma, Victor, acabou. Está tudo bem!

     Estava tomando soro ou algo parecido. Olhei para a janela e vi um panfleto jogado na cadeira:

     “Centro de Pesquisa Zaibatech – sua saúde e seu futuro em boas mãos!”

FIM
 
Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 11/08/2019
Reeditado em 15/05/2020
Código do texto: T6717777
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