Uma Garota Pobre em Panthea - PARTE 1/2

Cidade Portuária de Aldena.

Aldena é uma cidade portuária de Panthea e possuidora de uma beleza deveras formosa. As construções se prolongam a partir da praia até os campos próximos da floresta Boca de Dragão, enormes coqueiros se estendem para o alto da cidade e o porto, um dos lugares mais movimentados da cidade, é o grande coração de Aldema.

Devido a beleza praiana da cidade, a população com maior poder aquisitivo reside próximo a praia e quanto mais distante dessas regiões, mais pobres são os cidadãos. E como ocorre em todas as cidades de Panthea, em Aldena existem os desabrigados e pedintes, os quais perambulam pelas ruelas a procura de sobrevivência.

Entre esses há uma garotinha, quem a via chegava a pensar que ela teria cerca de oito anos, mas não fosse a desnutrição pela falta de alimento, seria possível enxergar os dez anos de idade que ela tinha. Era quase meio dia e ela vagarosamente andava pelos becos estreitos da região mais pobre, era arriscado demais procurar algo nos comércios perto da praia, os soldados de preto poderiam chuta-la de lá.

Em determinado momento ela para em um cruzamento de ruelas, apenas uma velhinha não tão pobre quanto ela varre sua calçada, a garota olha para cima e põe a mão sobre os olhos castanhos para protegê-los da luz. Solta um suspiro e volta o olhar para o saco velho na outra mão. Estava vazio. Ela senta no chão alí mesmo, seus cabelos pretos recaem sobre seu rosto, parece fraca.

Súbito, ela volta a olhar de forma sisuda para frente, ergue-se sobre seus pés e volta a caminhar, agora com mais rapidez.

Ela toma coragem e, com todo cuidado e atenção que ainda tem, se aproxima das redondezas do porto da cidade. Mesmo a muitos metros de distância ela já consegue ouvir o burburinho das pessoas no pólo comercial. Em uma rua já bem movimentada ela segue se esgueirando entre as barracas de frutas, até que encontra uma repleta de maçãs. Estando embaixo da barraca, ela coloca a mão pela lateral e vai tateando até achar uma maçã, pega-a e põe no saco velho. Repete o movimento mais umas quatro ou cinco vezes, estava nervosa demais para contar, só decidiu parar quando ouviu vozes se aproximando.

- Olá Tom! Dia quente, não? Não sei como ainda não vendeu tudo com esse calor. - A voz era de uma mulher.

- Pois eu sei. - Disse uma voz masculina. - Não importa se a fruta é suculenta se essa gente tem que pagar tanto pra esse reino.

- Isso é verdade. - Retrucou, a mulher. - Mas quero levar algumas para os meninos.

- Tudo bem, deixa só eu - A frase foi interrompida e logo em seguida ele continuou com ira. - Mas que droga é essa?! Roubaram maçãs daqui!

Devido ao susto a menina saiu de debaixo da barraca, correndo em direção à rua mais próxima.

- Soldados! Lá se vai uma ladra! - Esbravejou, o homem.

Logo em seguida dois soldados, trajando roupas escuras, com um emblema e armados foram correndo atrás da garota. Ela tentou correr em zig-zag pelas ruelas, mas apesar de sua esperteza os soldados eram mais rápidos, além do mais, a garota não tinha mais forças para correr.

Durante a corrida um dos soldados, com a mão, consegue alcançar o saco velho que estava com ela, o segura e com um puxão arranca da mão da menina, esparramando as frutas pelo chão. Repentinamente, este soldado pisa em uma dessas maçãs e escorrega no chão, seu colega que vinha logo atrás esbarra nele e vai ao chão também. A garota que havia dado mais alguns passos para a frente vê a cena, e com receio volta rápido, pega uma das maçãs no chão e foge.

--//--

Já era noite e a garota perambulava pelas ruelas escuras, pouco iluminadas apenas por algumas lamparinas no lado de fora de algumas casas mais pobres da cidade. Virando numa esquina ela finalmente parou, naquele beco que se estendia a sua frente havia uma série de tendas rasgadas, onde desabrigados já haviam se estabelecido.

Ela andou até se aproximar de uma das tendas que ficava no meio do beco. A maioria dos pobres alí eram velhos ou doentes, existiam poucas crianças e entre elas havia esta garota e um pequeno garotinho deitado na tenda, o qual ela encarava, coberto por um cobertor rasgado, mas que passava uma estranha impressão de conforto.

Ela se abaixou e assentou-se sobre o amontoado de trapos onde o garoto, que aparentava ter cerca de sete ou oito anos de idade, estava deitado. Tocando-o na cabeça, ela o fez acordar, ao levantar-se era possível ver que, apesar de tão pobre, ele era bem mais nutrido do que a menina. Ela mostrou-lhe a maçã em sua mão, oferecendo, e ele pegou, porém antes de morder a fruta ele a ofereceu de volta. Apenas com um movimento ela levou a maçã de volta ao rosto do garoto. Ele, então, a comeu. E quando se deitou recebeu o abraço aconchegante da garota, não estava tão frio e ele não demorou a pegar no sono de novo. Ela não, a fome não lhe dava trégua.

Dessa mesma forma os dias iam se passando, ás vezes sobrava comida e a menina se alimentava, ás vezes não. Em nenhum momento ela deixava o garoto sair daquele beco, e por alí mesmo ele convivia com os outros desabrigados.

Certo dia a garota estava se levantando para sair e catando um saco velho, logo uma senhora apareceu por trás.

- Pequena. - Disse, a senhora. - Você deveria parar de ir ao porto. Ontem antes de você voltar, dois soldados passaram por aqui vistoriando as tendas. - Falou, apontando para o beco. - Estavam procurando por alguém...

- É verdade! - Exclamou um homem de meia idade na tenda ao lado, seu rosto estava enfaixado. - Bagunçaram todas as minhas coisas.

- O garotinho só tem você. - Continuou a velha de cabelos grisalhos, rosto enrugado e olhos repuxados. - Não seria bom perder a irmã também. - Disse e foi saindo.

- A senhora soube dos boatos sobre uma invasão dos rebeldes? - Falou o homem para a velha.

- Detesto boatos, Gario! - Concluiu ela, enfezada.

- Ah, mas com quem vou conversar se essa menina aqui é muda? - Disse ele.

A conversa dos dois se distanciava, enquanto a garota observava o irmão dormir. Agora, visto à luz do dia, ficava evidente as semelhanças com a menina, o cabelo, o nariz e a boca eram idênticos. Ela se levantou e se retirou do beco.

FIM da PARTE 1

Henrique Lima
Enviado por Henrique Lima em 03/08/2019
Reeditado em 24/08/2019
Código do texto: T6711428
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