A MALETA PRETA - 03
 
     Senti o meu corpo ser chacoalhado bruscamente. Pude ouvir claramente o motor de uma caminhonete em movimento. Abri os olhos. A luz do sol atravessava a janela e permitia que o reflexo solar focasse bem na minha cara.

     Levantei-me de uma vez, assustado, aquela visão do sol refletindo no meu rosto me lembrou de que tenho que levar a maleta para um prédio todo revestido de aço e vidro, de formato bem tecnológico, tão alto que praticamente arranhava o céu.

     Por falar na maleta, onde estaria ela?! Eu estava dentro de uma SUV em movimento, no banco de trás. Não havia sinal dela. O motorista era um homem de meia idade, cabelos começando a ficar grisalhos, barba por fazer e que me olhava com aqueles olhos castanhos esverdeados pelo retrovisor com um ar preocupado. Ao perceber a minha inquietação, ele disse:

     - Calma, Victor, está tudo bem! Está tudo sob controle agora...

     “Victor”, então era esse o meu nome? Não me lembrava de quase nada.

     - Sinto muito por seus pais. Muito mesmo, você sabe que seu pai para mim era como um irmão. Não sei como eles deixaram você se meter nisso!

     Senti um aperto no coração. Uma vontade de chorar que brotava da alma. Mesmo com a voz embargada, do choro que queria subir pela garganta, perguntei:

     - Então aqueles dois que estavam no carro comigo eram meus pais?

     Ele ficou me olhando com num misto de surpresa e descrença. Após uma breve pausa me analisando, falou:

     - Sim. Sinto muito! – fez uma breve pausa e seguiu - Ao menos você está vivo. Você realmente não se lembra de nada?!

     - Não. Só sei que tenho que proteger uma maleta preta, ou melhor, entrega-la em um enorme prédio de vidro e aço. Por falar nela, você a viu por aí, ela está aqui dentro?

      Ele cerrou os olhos e franziu a testa. Não sei se estava processando o fato da minha amnésia, se não estava acreditando ou mim ou se pensando no que iria dizer. Talvez um pouco de tudo.

     - Vou ser bem sincero com você. Por mim, você nunca estaria metido nisso! Você é muito novo! Merecia uma vida comum como qualquer pessoa! Ouvi falar por alto sobre a “missão da maleta”, mas seus pais ficaram com ela. Ela está debaixo do meu banco. Está segura. Não se preocupe.

     A última coisa que me lembro foi de ser perseguido por “diabinhos”, gemlins, sei lá o que. Perguntei para ele se aquilo teria sido real ou não. Ele respondeu:

     - Tão real quanto um corpo deles morto na carroceria. Está coberto com uma lona preta.

     Não acreditei. Não pude acreditar. Seria aquilo também real? Afinal. Para onde estávamos indo? Decidi perguntar, ao passo que ele respondeu:

     - Iríamos para o meu sítio, aqui perto. Mas acho melhor irmos direto para a sede da Zaibatech.

    O sítio... eu estava indo para lá! Então perguntei o seu nome e o que seria essa “Zaiba-alguma-coisa”.

    - Nossa, ainda não acredito que você não se lembra de nada! Sou eu, o Carlos! Te vi crescer, sou quase o tio solteiro sem futuro da família para vocês! Pôxa...

     Ele balançou a cabeça, desapontado, e continuou:

     - Zaibatech é uma gigante da biotecnologia. É a única empresa a ter um prédio parecido com o que você falou em São Cipriano. Ela faz muitos experimentos de ponta, muitos dos quais são eticamente questionáveis. Mas sem problemas. Posso te levar até lá, ou melhor, até um ou dois quarteirões antes. A cidade está em polvorosa: passeatas, quebra-quebra, um caos. A polícia está isolando algumas áreas.

     Enquanto avançávamos cidade adentro, ele me passou a maleta. Já era possível ver o enorme titã de aço e vidro querendo romper a abóboda celeste. Pouco tempo depois, ele parou o carro. Havia ali próximo uma barreira policial.

    - Só posso ir até aqui. É melhor dar a volta no quarteirão para evitar a barreira. Se você for direto eles vão querer ver oque tem dentro da maleta. Já tentei abrir, mas está trancada. Você saberia o código?

    Sorri. Se eu mal sabia quem eu era, quanto mais código ou o que estaria dentro da maleta. De qualquer forma, seria melhor evitar o bloqueio.

    - Se cuida! Qualquer coisa vou ficar por aqui perto - ele me entregou um chaveiro simples, basicamente um botão, e complementou:

    - Se precisar de ajuda, é só pressionar o botão. Virei o mais rápido que puder! Por enquanto, vou ficar ali na praça. Boa sorte!

     Agradeci, coloquei o chaveiro no bolso, desci do carro, o vi se afastar e fui rumo ao edifício. Enquanto eu dava a volta no quarteirão, para evitar o bloqueio, várias perguntas se passavam na minha mente: “O que estaria naquela maleta? Meus pais e eu fazíamos parte de algo secreto, ou proibido? Como Carlos conseguiu me encontrar naquele casebre? Poderia confiar nele? O que ele vai fazer com o Gremlim, diabinho, monstro, sei lá o que morto?”

     Estava praticamente em frente à entrada de serviço do prédio. De onde eu estava não dava para ver o bloqueio policial. Na rua, que estava deserta, somente alguns carros estacionados. De repente, senti dois pares de braços fortes me imobilizarem. Um deles pegou a maleta, outro, colou um pano com clorofórmio na minha cara e me vendou. Tentei me debater, chutava a esmo. Acho que me puseram dentro de uma van. Ainda pude ouvir:

     - Pronto, pegamos ele e a maleta! Segue para a base!

     Não poderia me render! Tentava ficar de pé, chutava com ainda mais força, mesmo com o pano enfiado na minha cara. Senti uma coronhada na cabeça, e, novamente, tudo se apagou.

 
Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 01/08/2019
Reeditado em 15/05/2020
Código do texto: T6710233
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.