A Era das Bestas
Era madrugada de sexta-feira, dia 1º de setembro. Fazia muito frio e eu estava ansioso para que meu turno acabasse, queria voltar para casa e me enfiar sob os cobertores em frente ao fogo.
O silêncio ali era tão profundo que podíamos ouvir os coelhos correndo pelo campo e era realmente difícil se manter acordado naquele lugar onde nada acontecia, mas a pena por dormir em serviço era a reclusão na prisão militar e eu definitivamente não desejava isso, então lutava contra o sono com todas as minhas forças.
Eu estava de guarda havia mais de 24 horas quando olhei para o relógio que marcava 04h20 da manhã. Enchi minha caneca com chá que àquela hora já estava morno e bebi de uma única vez. O líquido caiu em meu estomago e em vez de apaziguar a fome que eu sentia pareceu provocá-la ainda mais.
Resolvi sair da guarita e caminhar um pouco, talvez o movimento das pernas e o ar puro e gelado do outono me fizessem despertar e resistir pelas próximas horas.
Acendi um cigarro. Ainda estava escuro e o céu estava coalhado de estrelas. Sempre gostei de olhar as estrelas, tão distantes de toda a banalidade humana parecem puras. Procurei por alguma estrela-cadente me lembrado que minha avó sempre dizia que elas traziam sorte, mas não encontrei nenhuma.
Eu estava ali fora contemplando o céu há pouco mais de vinte minutos quando avistei algo se movimento no horizonte e vi quando, junto com os primeiros raios de luz trazidos pela da aurora, dezenas de homens vinham em minha direção marchando com passo firme e determinado, como se nada pudesse pará-los.
Gritei questionando quem eram aquelas pessoas que se aproximavam da linha de fronteira sem qualquer aviso e dei ordem para que parassem. Não houve qualquer resposta à minha pergunta.
Fui surpreendido pelo som gutural de vozes que falavam a pesada língua dos alemães. Corri em desespero até a caserna e lá dentro tentei explicar para os outros homens tão sonolentos quanto eu que soldados alemães estavam se aproximando, que vinham em nossa direção para atravessar a fronteira e tínhamos que fazer alguma coisa para impedi-los, contudo nenhum dos meus companheiros de armas pareceu entender o que eu dizia. Todos me olhavam como se eu estivesse louco ou embriagado, até que ouviram os passos fortes e ritmados do lado de fora.
Só então saíram para o amanhecer frio tentando entender o que estava acontecendo e, a princípio, nenhum de meus colegas cogitou que aquilo fosse realmente um ataque à nossa fronteira até que um de nossos homens tentou se postar em frente aos alemães para exigir a apresentação de seus documentos ou impedi-los de transpor a linha que dividia nossos países e avançar sobre o solo polonês e acabou golpeado na cabeça sendo lançado com violência ao chão enquanto nós atônitos apenas observávamos.
Um jovem alto e forte, com cabelos louros e olhos azuis, tomou à frente dos demais que agora afluíam em número cada vez maior e, sem qualquer cerimônia ou receio, como se aquela fosse uma atitude trivial, levantou a barreira que marcava a fronteira entre o território alemão e o território polonês e, como se estivesse abrindo as portas de sua própria casa para que seus amigos pudessem entrar, abriu caminho para o avanço alemão.
Ficamos ali, assustados e assistindo impotentes aos panzers que desfilavam diante de nossos olhos incrédulos que testemunhavam aquela cena sem compreender seu significado e sua magnitude, sem sequer imaginar que, a partir daquele dia a Europa e o mundo nunca mais seriam os mesmos.
Um fotógrafo alemão de mãos delicadas e compleição física menos atlética que a de seus companheiros estava lá para imortalizar aquele momento histórico, o momento em que a Alemanha invadiu a Polônia sem disparar um tiro sequer e, com isso, deu início a era mais bestial que a humanidade já conheceu.