A MALETA PRETA - 02

     Acho que consegui fugir deles!

     O frio embaixo d’água estava entorpecendo meus sentidos e membros, até de mais! Embora não sentisse mais dores, percebi que meus movimentos estavam ficando cada vez mais lentos. Seria uma questão de tempo até ou ficar cansado e me afogar ou de simplesmente morrer congelado. Apesar da correnteza estar forte, aproveitei uma curva no rio, que ia em direção à margem e peguei carona.

     Arrastei-me e tentei ficar de pé. Uma das minhas mãos, de tanto segurar com firmeza a maleta, simplesmente não abria mais. Pude perceber que a minha pele estava demasiado pálida. O vento que passava era extremamente frio. Graças a Deus que estava amanhecendo! Tremia tanto que mal conseguia controlar meus movimentos. Fui me apoiando em uma pedra, segui me sustentando nas árvores maiores que havia por perto. Estava morrendo de cansaço, de fome e de frio. Quando finalmente sai totalmente do rio, pude ver uma trilha.

     Mesmo que estivesse amanhecendo, ainda estava muito escuro. Tive a nítida impressão de estar sendo observado. Mas por quem? Por um instante senti que eu estava cercado de seres que não pude distinguir o que eram. Até as árvores e as rochas dali pareciam ter pequenos olhos brilhantes. Que loucura é essa?!

     Pisquei com força, balancei a cabeça buscando afastar aquela estranha visão. A trilha seguia vazia floresta adentro. Ali perto havia uma placa. Agora, com os raios solares clareando o horizonte, pude finalmente lê-la:

     “Bem-vindo à Floresta do Sumidouro! Faça as trilhas somente com guias autorizados. Horário de funcionamento: 08h-18h”.

      Minha memória voltava aos poucos. Floresta do Sumidouro... aquele nome gelava meu coração! Lembrei-me dos relatos de bruxas, monstros, fantasmas, desaparecimentos e suicídios que rondavam aquela área.

     Um amigo meu tinha um sítio perto dali. Talvez ele pudesse me ajudar. Já ouvi falar que, nas trilhas mais longas, haveria casas de apoio e descanso. Precisava chegar até lá para cuidar de mim e seguir viagem.

     Um ruído estranho interrompeu meus pensamentos. Seria um rosnado, grunhido ou algo do tipo. Lobos por aqui? Tigres, leopardos? Minha visão periférica percebeu um ser baixo se aproximando pelas minhas costas.

     Não fiquei para ter certeza sobre o que era aquilo. Corri trilha adentro, da forma que dava, tremendo de frio, tonto de fome, batendo em galhos e esbarrando em eventuais teias de aranha, mas sem nunca soltar a maleta. Eu tinha que cuidar da maleta!

      Tentei seguir pela trilha, mas apareciam vultos que se confundiam com os troncos escurecidos das árvores. Tive que sair da vereda e penetrar a floresta. Então é essa a sensação de ser caçado? Sentia o meu coração sair pela boca. Aquela corrida ia, aos poucos, me aquecendo naquele frio, embora aumentasse a minha fome. Seriam esses seres reais, ou estaria fugindo de fantasmas gerados pela minha própria cabeça?

     Aqueles seres ou seja lá o que fosse estavam me tangendo para algum lugar. Ou estariam brincando com a refeição antes de me devorar? Embora já fosse dia, minha visão estava ficando turva, o estômago roncava alto, já me faltavam forças para seguir em frente. Literalmente, já estava vendo estrelas.

    Para a minha surpresa, pude observar ao longe uma cabana simples de madeira. Estava no meu limite. Será que teria forças o suficiente para chegar até lá? Aqueles seres estavam se aproximando cada vez mais. Se não conseguisse entrar, eles com certeza iram me pegar.

     Eram vários! Estavam tão próximos que conseguir ver o seu formato. Pareciam com goblins, diabinhos, chupa cabras ou algo do tipo. Alguns tinham a pele dura, semelhante a escamas grossas de cor amarronzada, se confundindo com os troncos das árvores, outros, tinham uma pele verde-acinzentada, facilmente confundidos com as rochas da região. Seus olhos eram vermelhos e brilhavam como fogo no contato com a luz! Eles não estavam mais fazendo cerimônia nenhuma de se esconder de mim. Vinham rapidamente em meu encalço, corria o mais rápido que podia, não imaginava que poderia correr tão rápido ou que pudesse suportar tamanha dor.

    Finalmente alcancei no casebre! Entrei e tranquei a porta por dentro. Embora estivesse malcuidado, havia ali, em cima da mesa, alguns biscoitos, água e uma espingarda dependurada na parede.

     Pude ouvir aqueles seres rondando o casebre. Eu iria literalmente desmaiar de fome e sede ali. Peguei rapidamente os biscoitos com uma mão e enfiei na boca. Eles estavam com um gosto ruim, moles, eram bem antigos. Bebi água às pressas. Soltei, com muito custo a maleta, peguei a espingarda e fiquei à espreita caso eles tentassem entrar.

     Depois de alguns segundo de silêncio, um deles pulou para dentro da casa, quebrando a janela. Fiz mira rapidamente e atirei. Infelizmente, minha pressão caiu. A última coisa que ouvi foi o estrondo do tiro e um urro de dor antes de desmaiar.

 
Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 28/07/2019
Reeditado em 15/05/2020
Código do texto: T6706520
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