Águas de Nova Iorque
[Continuação de "A joalheria da rua Hester"]
Ao anoitecer, a bordo de um Pontiac Torpedo alugado, dirigi-me novamente para Astoria, o maior distrito do Queens. Dificilmente alguém poderia conceber que aquele pacato bairro de classe média estivesse sendo usado como base de operações de um sindicato do crime, mas era o que as minhas investigações pareciam concluir. Ao dirigir pelas ruas amplas, ostentando parques gramados e conjuntos residenciais novos de ambos os lados, comecei a me perguntar que tipo de negócio passaria desapercebido naquela região pacata e suburbana. Finalmente, ao passar em frente ao endereço que anotara pela manhã, descobri do que se tratava: um grande depósito da água mineral Conestoga, na 21ª Avenida, entre as ruas 76 e 77. Segui em frente, e estacionei próximo a um posto de gasolina na 20ª Avenida.
Água mineral já não era um negócio assim tão bom, num tempo em que água tratada tornara-se realidade há décadas - ao menos na cidade de Nova Iorque. Todavia, um estabelecimento daquele tipo, além de não despertar a atenção da polícia, justificava a constante entrada e saída de caminhões de carga, transportando... sabe-se lá o quê; inclusive, claro, água mineral.
Fui caminhando sem pressa em direção ao depósito, imaginando qual seria a melhor abordagem para sondar o que haveria ali dentro, mas nem precisei quebrar muito a cabeça: eles tinham uma pequena loja de venda direta ao consumidor, numa entrada lateral. Foi ali que entrei. Lá dentro, atrás do balcão, estava uma moça ruiva, de seus 20 e poucos anos, vestindo um avental cáqui sobre um vestido escuro, como se fosse um tipo de uniforme.
- Pois não, senhor? - Perguntou ela, com ar solícito.
- Então... vocês fornecem água mineral em domicílio? - Indaguei, apontando para algumas caixas do produto em exibição.
- Depende da quantidade, senhor - informou ela. - Normalmente, apenas para estabelecimentos comerciais.
- Haveria algum gerente ou encarregado com quem eu pudesse falar, para discutir o assunto?
- Naturalmente. Um momento - ela apanhou um telefone que estava sob o balcão e discou duas vezes. A resposta não tardou.
- Há um possível cliente desejando ver o senhor Mancuso - declarou a jovem.
E para mim, após desligar:
- O senhor gostaria de experimentar a nossa gasosa?
- É bom conhecer o produto da casa, não é? - Assenti.
Ela colocou uma taça sobre o balcão e depois apanhou uma garrafa verde de uma pinta numa geladeira ao fundo da loja. Abriu-a, e despejou o líquido. Apanhei a taça com a mão esquerda, deixando visível o "L" tatuado em meu pulso. Ao ver o símbolo, a jovem estacou.
- O senhor é um devoto da Deusa - murmurou, mordendo os lábios.
- Espero que os devotos tenham tratamento diferenciado - confidenciei.
- É perigoso vir aqui - disse-me ela, muito séria. - Nossos inimigos estão por toda a cidade.
- Decerto que vocês têm medidas de proteção compatíveis com um empreendimento deste porte - avaliei.
- Decerto que temos... senhor?
Virei-me para ver quem havia entrado na loja. Era um homem baixo, cabelo e barba ruivas e revoltas, vestindo um colete de seda escuro sobre uma camisa branca de mangas compridas e calças de sarja marrom. O paletó, provavelmente havia ficado no escritório.
- Pearce. Guy Pearce - apresentei-me. - E o senhor é Mancuso, o gerente?
- Sim, - acedeu, estendendo-me a mão e dando-lhe um sólido aperto. - Temos nossas medidas de proteção, e também de detecção de fraudes e farsantes...
Ele não havia soltado a minha mão, e agora me encarava bem dentro dos olhos.
[Continua]
- [23-07-2019]