Gelo fino
- Caralho, quantas cagadas, Letícia! Tô vendo que você não tem um pingo de juízo...
- Olha quem fala! Mas e aí, vai me ajudar ou não?
- Eu tenho escolha?
- Sério mesmo que você vai mangar de uma mulher machucada?
- Rarara... É mais forte do que eu, mulher...
- Sei... mas e aí?
- Bem, agora a gente vai pro hospital ajeitar essa gambiarra aí. Depois, eu digo como resolveremos o segundo problema.
- Você promete?
- E alguma vez eu já menti pra você?
- Você quer a lista por ano ou pelo nível da mentira?
- .... Tá, a gente vai assim que emendarem esse braço aí...
- Agora, botei firmeza!
Enfim, partiram rumo ao Hospital Maria Madalena no centro da cidade. Por sorte, não havia tanto movimento dentro do hospital, o que agilizou o atendimento a Letícia, cujos sentidos não estavam na melhor das condições, afinal perdera sangue e tinha sofrido um trauma, com a quebra do braço.
Diante daquele quadro, grave aos olhos dos leigos e simples à vista de um médico, o atendimento não levou nem 1 hora, já que somente imobilizou o braço e passou alguns anti-inflamatórios, o que foi um alívio para Luís, preocupado com Letícia, mas que não queria demonstrar. Preferia ser visto como um cara "levemente desleixado" do que alguém preocupado...
Entretanto, Letícia sabia que ele estava preocupado com ela, tanto que foi o primeiro lugar que ela procurou por socorro. Todavia, compreendia sua discrição e evitava o "drama". O lado sincero e eficaz era o melhor remédio.
- Tá, e agora? Como, você vai me ajudar?
- Sério? Nem um "obrigado"?
- Tá... OBRIGADA, feliz agora?
- Devia ter pedido uma cerveja...
- Devia, mas o tempo correu e o bebê já nasceu. Então...
- É... então iremos pegar a estrada para o bairro da Taverna, lá na zona Norte.
- Sério? Tão longe, assim?
- Você quer resolver esse problema ou não?
- Não tem ninguém mais perto?
- Com a mesma eficiência e recurso, não.
- Ai, ai, às vezes me esqueço que você é assim...
Luís olha pra Letícia, dá um sorriso de leve e diz:
- E qual a graça se eu fosse diferente?
Mais uma hora na estrada até chegar à Taverna, um bairro distante, caracterizado com algumas estradas de barro e casas grandes, mas simples em sua arquitetura, um local meio pastoril. Um cenário que não inspirava lá muita confiança, especialmente pra achar alguém que agisse "na margem da lei". Todavia, vindo de Luís, pode-se esperar de tudo.
Mais uns dez minutos de caminhada até chegar a uma pequena casa, com uma cadeira na frente. Letícia pensou por um segundo se aquilo era realmente sério, mas antes de dizer qualquer coisa, viu Luís subir os dois degraus e dar três batidas na porta.
- Óóóóó de casa!
- Já vai! Já vai!
- Então, venha!
A porta, enfim, se abriu. E dela saiu uma mulher magra, usando uma blusa e uma calça jeans surrada, calçando chinelas havaianas. Tal visão levou Letícia a pensar "tô lascada"...
- Ah, é você.
- Bom te ver também, Ana.
- Qual a bronca dessa vez?
- Ai, é com ela.
Ana deu uma boa olhada em Letícia, de cima a baixo, sobretudo seu machucado e as vestes que usava.
- Deixa eu adivinhar: vingança contra alguém da quebrada, que você tentou ir sozinha e quebrou a cara?
Letícia ficou pálida, com os olhos arregalados e recobrando-se do susto falou:
- Co.. Como você sabe disso?
- Ué, não foi pra isso que vocês me procuraram? Entra, minha linda, e toma um café, aí você me explica tudo que aconteceu contigo.
A desconfiança começava a se esvair do rosto de Letícia, ao caminhar pra dentro da casa de Ana, mas não sem uma última observação de Luís:
- Ela é boa, né?
- Vamos ver...
O Andarilho