Cornicello

[Continuação de "Encanto siciliano"]

O táxi me deixou quase em frente ao Phillies, na Segunda Avenida. O estabelecimento era simples e direto, do tipo que apresentava o seu cardápio pintado em grandes letras brancas na vitrine, para que ninguém pudesse reclamar de ter entrado ali sem saber dos preços. E para quem estivesse realmente em sérias dificuldades financeiras, na calçada, à alguns metros de distância, um ambulante vendia milho assado numa barraquinha. A ideia de chamar Effie para comer ali chegou a vir à minha mente, mas é claro que eu ainda estava em meu juízo perfeito.

Mesmo? Abanei a cabeça, e entrei. Effie estava sentada numa mesa nos fundos do salão, apenas parcialmente cheio, um cigarro entre os dedos da mão esquerda e um exemplar da "Modern Screen" erguido, na direita. Ergueu os olhos quando me aproximei.

- Você veio rápido - declarou, pousando a revista na mesa e consultando o relógio de pulso.

- O taxista pegou um atalho pelo bairro judeu - expliquei, sentando-me à frente dela. - O que vai querer almoçar?

- Bisteca e espaguete, café preto.

- Acho que vou lhe acompanhar - avaliei, fazendo sinal para o garçom. Ele anotou o pedido e saiu, nos deixando novamente a sós. Effie abriu a bolsa que havia pendurado no espaldar da cadeira e dali retirou um saquinho de veludo preto, cujo conteúdo derramou sobre a mesa.

- Para mim? - Indaguei, apontando para o objeto.

- É um empréstimo, não um presente - replicou, cigarro no canto da boca.

O objeto lembrava uma pimenta malagueta, vermelho e luzidio, encimado por uma pequena argola de metal.

- Trata-se de um "cornicello", um amuleto de boa sorte, feito de coral. Você deve pendurá-lo numa corrente de prata e usá-lo quando for visitar o tal lugar. Onde fica, aliás?

- Em Astoria.

- Astoria... hum - resmungou, soltando uma baforada de fumaça. - Creio que já sei onde vai, e não me parece uma boa ideia... precisa de uma camada extra de proteção.

Pegou a bolsa e a revirou, até encontrar um papelucho dobrado, que me estendeu.

- É um esconjuro, para a Deusa. Substitua o objeto citado na prece por aquilo que deseja encontrar, e, principalmente...

Olhou-me nos olhos e tragou a fumaça.

- Tem que pedir com fé, ou não vai funcionar.

Desdobrei o papel, cuidadosamente, e li. Bem, não era difícil.

- Mas como vou saber se estou pedindo com fé? - Indaguei.

- A tatuagem provisória no seu pulso lhe dará alguma indicação - replicou ela, soltando outra baforada. - Tipo... vai ficar vermelha... ou queimar. Algo assim.

- E quantas vezes tenho que repetir o pedido?

- Tantas quantas achar necessário, até ter um sinal de que está funcionando.

- Entendi... - redargui, guardando o papel e o "cornicello" num bolso do terno. - Quando sair daqui, vou ao bairro judeu comprar uma corrente para pendurar o amuleto.

- Uma corrente de prata, por favor. E ela deve ser usada em contato com a pele, não por cima da roupa - especificou Effie.

O garçom aproximou-se com o nosso pedido e interrompemos a conversa esotérica, para nos dedicarmos ao sustento do corpo material. A comida era decente, pelo preço cobrado. Ao todo, menos de um dólar, cafés inclusos.

- Se não fosse tão longe, acho que viria almoçar aqui de vez em quando - ponderei, garfo no ar.

- Não é mau - concedeu Effie, apagando a bituca de cigarro no cinzeiro. - Melhor do que comer num Horn & Hardart, naturalmente.

- Não tenho nada contra lanchar no Horn & Hardart... desde que não seja todo dia - observei. - No futuro, provavelmente, vai ser como todo mundo vai comer: coloque uma moeda na máquina, e receba um café e uma fatia de torta... ou um hambúrguer.

Effie dirigiu-me um olhar torto.

- Pearce, espero estar morta neste seu futuro.

[Continua em "A joalheria da rua Hester"]

- [19-06-2019]