Palavras

Palavras dizem coisas, mas que coisas? Certo dia, ele leu a palavra “liberdade” na lataria de um caminhão e ficou pensando durante horas nela. Não pensava no seu significado, mas só na sua sonoridade e nos diferentes modos e tons de dizê-la. Horas e horas se passaram nisso sem chegar à conclusão nenhuma.

Na segunda vez em que viu essa palavra estava sonhando. Era calmo e tranquilo o cenário montado pelo seu subconsciente, tendo somente ele no alto de uma grande montanha com uma vista para toda a sua cidade. O ar úmido e agradável combatia o calor do sol já fraco do entardecer, causando uma das melhores sensações do mundo. Entretanto, a palavra estava pronta para começar a persegui-lo. Inicialmente, ela estava escrita nas nuvens e, com um piscar de olhos, ele já estava em um local fechado com a palavra escrita em todas as paredes que via. O espaço em branco quase não existia, sendo completamente preenchido por palavras. Ele corria desesperadamente enquanto virava a cabeça tentando olhar para todos os lados ao mesmo tempo. Depois de minutos que pareciam assustadoras horas, chegou ao final do corredor e teve que escolher entre duas portas. Escolheu a da direita e, logo que entrou, a porta foi fechada com grossas correntes. Estava novamente em um lugar fechado com a palavra escrita em todas as direções. Dessa vez, o quarto era bem menor e sem saída nenhuma a vista. Assim que terminou de olhar para todos os lados, as paredes começaram a se mover lentamente em sua direção. O ar parecia desaparecer. A escuridão aumentava, mas as palavras ficavam mais legíveis. O medo aumentava. A respiração encurtava. Sabia que estava dormindo e queria acordar, então fechou os olhos com o máximo de força. Entretanto, assim que terminou o movimento, se via no mesmo quarto novamente. Tentou de novo e de novo, mas isso continuava acontecendo interminavelmente. O desespero o dominou e só conseguiu sentar no chão e colocar a sua cabeça entre os joelhos enquanto as paredes se aproximavam lentamente. E foi com essa mesma velocidade que ela atingiu o seu corpo e continuou prosseguindo, quebrando cada osso e esmagando cada músculo do seu corpo enquanto ele gritava com a enorme dor que sentia. Somente acordou quando morreu.

A partir desse momento, a palavra começou a persegui-lo em todos os lugares enquanto estava acordado. Nas primeiras vezes em que a via, somente fechava os olhos acreditando não ser nada. Mas isso foi aumentando de tamanho. Achava que estava sendo constantemente vigiado por ela. Pouco tempo depois disso, começou a perceber que não era mais preciso ver a palavra escrita. As letras de outros palavras mudavam de lugar rapidamente somente para mostrar a odiável palavra para ele. Percebendo isso, parou de tentar não ler a palavra e começou a fugir dela. Acreditava que, se corresse rápido o suficiente, escaparia da perseguição dessa palavra.

Cansado de correr, pensou no jeito mais fácil de não ver. Correu até a sua casa e se trancou no banheiro. Pegou o seu canivete que estava no bolso, passou água e álcool e deixou o telefone da ambulância já discado no celular. Ficou encarando a ponta brilhante e afiada do canivete. A sua mente pensava repetidamente que não queria fazer isso, mas que era preciso. O plano era enfiar o canivete num olho, torcer, tirar e fazer o mesmo no outro olho. Assim, não enxergaria nada e, portanto, também não poderia ler nada. Sendo assim, começou uma contagem de um até dez. No começo, os números saiam em um sussurro lento de sua boca, mas, conforme a sua respiração começava a encurtar pelo medo, os números voavam. Chegou ao dez e suas mãos começaram a se mover em direção ao olho esquerdo, mas no meio do caminho os seus músculos travaram e, apesar do esforço que fazia, a sua mente não o deixava mover mais nem um centímetro. Uma lágrima correu do seu olho antes de soltar o canivete e cair em um choro incessante.

Como tudo que tentava fazer falhava e as palavras não davam uma trégua na perseguição, percebeu, após chorar durante horas, a única saída possível: se isolar. Embora soubesse que isso era uma forma de suicídio já que não entendia nada de sobrevivência, sabia que não sentiria a dor dos ferimentos de forma imediata, disfarçando a escolha tomada. Portanto, para fugir da liberdade e conseguir a liberdade, se isolou em uma floresta mesmo sabendo que isso significava a sua morte.