SERVO DA REALIDADE

Fui eu sozinho. Caminhei até o secretário e o falei, com ódio em minhas palavras: “Seu imundo! Poderíamos estar vivendo bem, se não por sua culpa! ”. Acontece que ele não tinha verdadeiramente culpa de nada. Coitado, era só mais um fantoche. Mas um que era diretamente manipulado, sem escolha do que fazer.

Minha vontade é real, mas vejo ser impossível mudar algo. O Sistema está completamente regulado e somos todos reféns — até quem achamos que possui algum poder.

Quando falo que o secretário não tem autonomia, não me refiro ao fato de estar subordinado ao governador... este mesmo sequer tem muitas realizações próprias. Estes estão ali só de enfeite. Somente como faixada. Para esconder quem tem poder de verdade, quem é culpado de fato... os homens engravatados agem mesmo

como manequins. São frios.

Fora apenas uns dias após meu embate com o que pensei serem autoridades que descobri que era tudo em vão. Minha vida fora inteiramente planejada em antecedência à minha nascença. Somos concebidos ao mundo já com um plano de vida. E mesmo que este não nos agrade, nada pode ser feito...

Nesta realidade, o homem afastou-se do Divino. Talvez estejamos no Juízo Final. Os sanos poderão ter luz, mas, em um mundo insano como este, creio que mesmo as mais simples esperanças sejam motivo de risada.

Estamos todos insanos. Somos educados e disciplinados a tal. O mundo não nos torna assim — aqueles que arquitetam nossa realidade sim. O mundo, hoje, apenas reflete a (in)consciência coletiva.

Vejamos pelo avanço da tecnologia, que no lugar de nos libertar apenas nos prende cada vez mais na Cidade dos Homens.

Somos vigiados por eles.

Somos controlados pelos mesmos.

Aqueles que estão acima de nós, que nos coordenam até nossa morte, que decidem nosso futuro, mas que nunca podemos ver.

Quando falamos, eles sabem.

Quando queremos decidir algo, eles nos influenciam.

Minha vontade talvez não seja minha...

Após perceber o que me cerca, recebi, coincidentemente, uma intimação judicial que acusou-me de calúnia às autoridades públicas. Fui coagido a apresentar-me e ser preso.

Sou cativo mentalmente e, agora, fisicamente. Sou, pois o meu estado dura enquanto vivo. Estou até não ser mais.

Mesmo meu método de expressar o que sinto, como forma de escapismo, mostra ineficácia, o que comprova a imensidão e força da grande fortaleza que nos cerca.

A cada instante, perco mais os sentidos. A sanidade esvai-se. O vento aqui dentro não sopra mais diante dos cadáveres robóticos desta prisão. “O livre-arbítrio não passa de um mito”, afirmam as vozes.

Pois eu concordo.

Que seja este meu testamento aos que estiverem por vir. Por mais inútil que seja...

E me vejo sem outra saída, a não ser a morte...