A PASSAGEM MAL-ASSOMBRADA

Quando eu contava entre oito e nove anos, minha família morava num lugar muito isolado, a não menos que doze quilômetros de um pequeno centro urbano. O sítio habitado mais próximo ficava a uns três quilômetros. Era a fazenda do Sr. Antonio, um compadre dos meus pais.

Numa noite em que meu pai estava ausente, realizando trabalhos de agrimensura numa fazenda distante, uma de minhas irmãs passou mal, apresentando um quadro febril. Minha mãe, muito aflita, chamou-me e pediu:

- Filho, molhe este paninho na água fria e o traga para mim. Enquanto eu aplico este, você leva o outro e faz a mesma coisa. Precisamos fazer baixar essa febre.

E assim procedemos por coisa de uma hora: mamãe aplicava o paninho molhado na testa e no pescoço de minha irmã, enquanto eu molhava o outro para que ela repetisse a operação. Mas a febre não baixava! Então ela olhou-me em desespero e disse:

- Se ao menos seu pai estivesse em casa! Ele poderia ir à fazenda do compadre Antonio e emprestar um antitérmico.

Para ir de nossa casa à fazenda do Sr. Antonio, era preciso atravessar uma passagem que tinha fama de mal-assombrada e estava na metade do caminho a ser percorrido. Aquele corte numa elevação do terreno, pelo qual passava a estrada, era bastante profundo e ladeado de grandes árvores e pedras gigantescas. De dia, para quem não lhe conhecesse a fama, o lugar apresentava uma paisagem digna de aquarela. À noite, entretanto, tinha um aspecto fantasmagórico e era evitado até por adultos. Uns diziam que um lobisomem costumava aparecer para os passantes; outros afirmavam que as aparições eram espectros de escravos, outrora abatidos enquanto amarrados àquelas árvores.

Vendo a aflição estampada no rosto de minha mãe, eu disse:

- Eu vou lá no Sr. Antonio! Vou e volto correndo.

Ela olhou-me com espanto, certamente pensando que não me ocorrera a lembrança da "passagem", e perguntou:

- Você iria, filho? Não tem medo do que possa encontrar no caminho?

- Vou sim, mãe! Não podemos deixar a maninha desse jeito.

- Então vá! E que Deus o acompanhe e proteja, meu homenzinho.

A noite estava amena, quase fria. Vesti uma blusa por cima do pijama, calcei meu par de congas e saí em desabalada corrida. Mas, ao aproximar-me da "passagem", meu ceticismo, ainda incipiente, hesitou. Diminuí a velocidade e descalcei os pés, evitando fazer muito barulho, na esperança de não ser notado. Prendi a respiração, semicerrei os olhos e disparei o mais veloz que pude, até vencer os cerca de setenta metros de escuridão quase total.

Transposto o obstáculo, abri de todo os olhos, enquanto meu coração desacelerava, e só então notei o luar maravilhoso que se esparramava pela estrada e pelos campos que a margeavam. Voltei-me para o trecho que acabara de vencer e vi-lhe a bocarra negra, encimada pela cabeleira formada de árvores. Dei-lhe uma banana e reencetei minha corrida até a fazenda do Sr. Antonio.

Em lá chegando, tive que trepar numa árvore, para escapar dos cachorros, até que alguém acudisse. Foi um peão do Sr. Antonio quem me recepcionou, armado de uma espingarda. Depois que me identifiquei, ele acalmou os cães e levou-me à presença do patrão. O Sr. Antonio me recebeu de olhos arregalados:

- Tu vieste sozinho, guri?

- Vim. Minha irmãzinha mais nova está febril e mamãe mandou pedir um antitérmico emprestado.

- Por que seu pai não veio? É perigoso criança andar sozinha por esses ermos, de madrugada.

- Papai está viajando. E mamãe disse que já sou homenzinho.

O fazendeiro sorriu e entrou para pegar o remédio. Mal o tomei das mãos dele, desembestei a correr de volta para casa. Nem me incomodei quando vi que estava outra vez na "passagem". Não modifiquei o ritmo da corrida, nem os batimentos cardíacos se alteraram, dessa vez. Eu levava alívio para o mal de minha irmã e para a alma aflita de minha mãe. E o edifício do meu ceticismo precoce ganhava não apenas mais um tijolo, mas um bloco inteiro!

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 26/05/2019
Reeditado em 03/06/2019
Código do texto: T6657283
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.